Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 05 de setembro de 2019

Especial Stephen King – O universo das adaptações cinematográficas do autor

Aproveitando a estreia de "It - Capítulo 2", o CCR relembra adaptações anteriores de obras de Stephen King para o cinema. Vamos mergulhar um pouco no rico universo do autor?

Stephen King parece estar novamente na moda. Quem já não ouviu essa afirmativa ou ao menos se perguntou se não seria uma constatação para a atualidade? Considerando-se os últimos três anos, o número de adaptações ou inspirações nas obras do escritor, de fato, vem crescendo. Foram lançados os filmes “Jogo Perigoso” (2017), “1922” (2017), “A Torre Negra” (2017), “It: A Coisa” (2017) e “Cemitério Maldito” (2019) e a série “Castle Rock” (2018). Após a estreia de “It – Capítulo 2“, chegarão “Doutor Sono” e as séries “Dança da Morte” e “Creepshow“. Mas, afinal, o que motivaria o interesse pelo mestre do terror? Seria algo diferente de outras épocas?

A primeira resposta poderia ser que de seus livros vêm histórias de terror que podem aterrorizar um público ávido por sentir medo no escurinho do cinema. Em um período marcado por diferentes estilos de terror, a imaginação fértil de King para o horror, para o sobrenatural e para os monstros ainda tem espaço e admiradores. Dessa forma, é produzido “Cemitério Maldito” em 2019, remake do filme homônimo de 1989, mostrando, nos dois casos, um tema recorrente do autor: o temor universal diante da morte.

Cemitério Maldito (1989 e 2019)

“As dores da perda e a dificuldade de saber lidar com a morte são os temas centrais aqui, numa mistura de drama e terror que ao mesmo tempo conduzem o filme e criam os principais conflitos da trama.” – Robinson Samulak Alves, “Cemitério Maldito” (1989)

“…O ritmo do filme é muitas vezes contemplativo para que o público tenha tempo de entender o que acontece. Na primeira tragédia que afeta a família Creed, a revelação é feita aos poucos. E mesmo sendo uma sequência muito sugestiva, para os que não conhecem o material original, há um impacto significativo.” – Robinson Samulak Alves, “Cemitério Maldito” (2019)

O terror de Stephen King, mesmo tendo criaturas terríveis e assustadoras, se potencializa pelos conflitos entre os personagens e pelo mal que podem trazer dentro de si. A degradação de indivíduos em uma situação limite materializada pelo desespero e pelo fanatismo religioso está, por exemplo, em “O Nevoeiro”.

O Nevoeiro (2007)

“Como roteirista do filme, Darabont é quase impecável dramaticamente. A história segue aumentando seus conflitos de maneira eficaz, mostrando as dúvidas das pessoas que precisam se entender e acreditar ou não em algo ameaçador que está fora do supermercado.” – Diego Benevides, “O Nevoeiro” (2007)

Temas dramáticos também estão na base do emblemático e cultuado “O Iluminado” de Stanley Kubrick. Esse clássico do gênero dispensa os jump scares fáceis e cria uma atmosfera de tensão resultante das difíceis relações entre pai e filho (outro traço marcante dos livros de King).

O Iluminado (1980)

“Kubrick segue na criação de um ambiente intensamente imersivo, explorando com maestria o assustador hotel. Usufruindo de um ritmo bastante próprio, ele opta por dividir a narrativa em “capítulos”, avançando pelos dias invernais através de enormes, e extremamente tensos, planos-sequência. ” – Davi Galantier Krasilchik, “O Iluminado” (1980)

Com alguma frequência, existe uma metalinguagem nas obras do autor. O recurso aparece, por exemplo, em “A Janela Secreta“, um suspense voltado para o ofício do escritor e para sua dinâmica, por vezes, turbulenta e caótica.

 A Janela Secreta (2004)

“A história também faz um paralelo com a própria carreira de Stephen King e diz muito sobre o quanto os escritores se articulam para não caírem na estagnação. E nesse caso, iniciado por uma traição, o thriller mostra o quão longe pode chegar um distúrbio psicológico.” – Jefferson José, “A Janela Secreta” (2004)

Engana-se, contudo, quem acredita que o terror seja purista e não se relacione com outros gêneros. Esporadicamente, o escritor também se aventura por histórias com pitadas de ficção científica, como acontece com “Celular” (ainda que essa adaptação deixe a desejar).

Celular (2016)

“O fato de não conseguir criar comparativos de sua história distópica com a realidade é mais uma coisa a pesar contra o argumento de Stephen King, que corrobora a máxima da dificuldade de transportar as linhas do livro para um roteiro.” – Renato Caliman, “Celular” (2016)

Até quando o terror não possui algum traço dramático mais substancial ou tema complexo, King extrai grande tensão de uma experiência agonizante e aterradora. Em “Cujo“, a claustrofobia e a luta pela sobrevivência são os sentimentos da adaptação.

Cujo (1983)

“É fácil nos colocarmos no lugar do desespero que seria estar preso em um carro que não funciona com um cachorro raivoso imenso do lado de fora, tendo não só que lidar com o próprio medo, mas com o pavor de uma criança pequena que conta com sua proteção.” – Tayana Teister, “Cujo” (1983)

Entretanto, o mais comum é assistir o terror sendo tratado como mecanismo de intensificação para os dramas dos personagens e de temas importantes na vida de King. Em “Carrie, A Estranha“, o fanatismo religioso reaparece, na figura da abusiva mãe, em paralelo à questão do bullying e da marginalização na juventude.

Carrie, A Estranha (1976)

“Sendo uma adaptação do primeiro romance de Stephen King, o terror e o suspense seriam usados como base para abordar temas que permeiam a vida de boa parte dos jovens em crescimento, como o bullying, as relações entre pais e filhos e a descoberta da sexualidade.” – Ana B. Barros, “Carrie, A Estranha” (1976)

Não seria justo depositar apenas nas tramas a recorrência de Stephen King nos cinemas. Uma segunda resposta para pergunta do primeiro parágrafo desse texto são seus personagens. Eles geram identificação junto ao público e apresentam uma força peculiar, especialmente quando se trata das personagens femininas. Os gêneros podem variar, mas há uma mulher de destaque em “Louca Obsessão” e em “Eclipse Total” (não coincidentemente vividas por Kathy Bates).

Louca Obsessão (1990)

“Afinal, apesar dos seus excessos, é fácil se deixar envolver pela devoção da personagem. Mesmo reconhecendo que sua sanidade é questionável, isso ocorre apenas pelo fanatismo que ela tem a uma personagem fictícia, e isso é uma situação terrivelmente verdadeira.” – Robinson Samulak Alves, “Louca Obsessão” (1990)

Eclipse Total (1995)

“Kathy Bates está fantástica na pele de Dolores, em uma performance que apresenta todas as camadas que a personagem precisa ter para dar certo. As cenas entre ela e Plummer são tão bem construídas que só resta ao espectador desejar que houvesse mais confrontos entre os dois durante o filme.” – Lívia Almeida, “Eclipse Total” (1995)

Muitas vezes, os arcos dos personagens também se comunicam fortemente com as plateias. As histórias de amadurecimento de crianças ou adolescentes, trabalhadas, por exemplo, no drama de “Conta Comigo“, fazem o público se interessar pelas páginas do livro ou pelas imagens da tela grande.

Conta Comigo (1986)

“Na última cena de “Conta Comigo”, Gordie adulto conclui seu livro com uma belíssima frase que resume toda a essência do longa: “Nunca tive amigos como aqueles que tive aos 12 anos. Jesus, mas quem tivera?!”” – Thiago Sampaio, “Conta Comigo” (1986)

Das múltiplas possibilidades de resposta para a questão do porquê os livros de Stephen King são tão adaptados, ainda há outra fundamental. A alcunha de mestre do terror para o escritor esconde o fato de que ele também escreve poderosas histórias dramáticas (afinal são muitas as pessoas que se surpreendem diariamente ao descobrir que determinado filme se inspirou na mente de King). “À Espera de um Milagre” e “Um Sonho de Liberdade” são potentes exemplos.

  À Espera de um Milagre (1999)

“O ponto chave é que este é um trabalho belíssimo, que ressalta que Stephen King tem uma sensibilidade para drama que rivaliza com sua habilidade em criar histórias de terror, e que aqui é bem adaptada por pessoas que claramente entenderam o espírito da obra literária.” – Bruno Passos, “À Espera de um Milagre” (1999)

Um Sonho de Liberdade (1994)

“Jamais soando apelativo, “Um Sonho de Liberdade” é uma belíssima experiência cinematográfica sobre a luta do homem pela esperança e pela liberdade, mesmo em meio às injustiças e à opressão do sistema prisional.” – Ygor Pires, “Um Sonho de Liberdade” (1994)

A presença de Stephen King nos cinemas é tão natural que corremos o risco de perder de vista como relação vem de longa data. Desde a década de 1970, adaptações do escritor ganham a tela grande e assustam, emocionam e divertem plateias do mundo todo. Seria, portanto, um equívoco pensar que as obras do autor apenas chegaram ao cinema nos últimos anos. Sempre houve e sempre continuará existindo adaptações do escritor, independentemente do formato.

Levando-se em conta suas temáticas recorrentes, podemos continuar esperando histórias de terror, de drama e até policiais (gênero ainda pouco desbravado nos filmes e séries) que abordem o medo da morte, o amadurecimento, as relações entre pais e filhos, a religião e personagens tão ricamente construídos. Prepara-se, então, para as próximas produções inspiradas na literatura de King. Enquanto isso, é possível se deliciar com as páginas de livros e adaptações já à disposição dos amantes de Stephen King.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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