Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de agosto de 2019

Louca Obsessão (1990): os perigos do fanatismo

Embora pouco conhecida, esta adaptação de um dos livros mais angustiantes de Stephen King se destaca pelas atuações de James Caan e Kathy Bates, que conseguem oferecer todo o desespero e a obsessão que suas personagens carregam.

Stephen King é um nome tão recorrente no cinema quanto na literatura. Seus mais de 50 livros foram adaptados tantas vezes para as telonas que às vezes é até fácil esquecer que seu trabalho é, oficialmente, no universo literário. Conhecido como um ícone na literatura de terror, suas obras vão muito além do gênero – e, novamente, tanto na literatura quanto no cinema. Dentre seus trabalhos mais conhecidos estão obras como “O Iluminado”, “O Cemitério Maldito” e “Carrie, a Estranha”. E no meio de tantos textos e tantos filmes, temos uma obra relativamente discreta, mas com uma das mais tensas narrativas já feitas por Stephen King: “Louca Obsessão”.

Misturando terror psicológico com tensão e fanatismo obsessivo, a história caminha por personagens complexas e bem construídas, desde sua apresentação e ao longo do desenvolvimento. Temos Paul Sheldon (James Caan, de “O Poderoso Chefão”), um escritor de best sellers que decide matar sua principal personagem no mais recente livro e poder seguir novos rumos literários. Também temos Annie Wilkes (Kathy Bates, de “Eclipse Total”), uma fã dos livros de Sheldon, mas principalmente, uma fã da personagem que Sheldon pretende matar. E ela não está nem um pouco feliz com esta decisão.

O encontro entre escritor e fã também acontece em circunstâncias propícias (afinal, não fosse assim, a história não existiria). Sheldon sofre um acidente numa estrada secundária e coberta de neve, e ele é resgatado por sua fã. Esses eventos, descritos logo no início da trama, fazem com que esta dupla improvável passe por algumas das situações mais terríveis que a mente de Stephen King já criou. O escritor, imobilizado numa cama devido ao acidente (ou seria devido ao fanatismo de Annie Wilkes?), é então pressionado a não matar a personagem de seu livro.

A tensão, construída principalmente no ambiente claustrofóbico da casa de Annie, se sobressai com uma eficiente montagem que coloca o perigo sempre um pouco mais próximo de Sheldon. Suas tentativas de sair de seu cativeiro o levam cada vez mais perto da verdadeira Annie. Loucura e obsessão se misturam a cada novo plano de Sheldon para escapar de seu cativeiro, assim como a cada novo obstáculo criado por Annie.

James Caan impressiona pelo desespero que consegue simular diante da câmera. O sentimento de impotência que é possível ver em seu rosto, que vai crescendo a cada cena, atinge o ápice no mesmo momento que a loucura de Annie chega no máximo. A sequência é de uma beleza narrativa, apesar da violência que ela transmite, que apenas um bom trabalho de atuação poderia render. E isso se justifica também pelo papel que Kathy Bates desempenha aqui. Afinal, apesar dos seus excessos, é fácil se deixar envolver pela devoção da personagem. Mesmo reconhecendo que sua sanidade é questionável, isso ocorre apenas pelo fanatismo que ela tem a uma personagem fictícia, e isso é uma situação terrivelmente verdadeira.

Dois nomes, além dos excelentes atores, merecem destaque especial pelo que é a adaptação desta obra. Primeiro, o roteirista William Goldman, que já havia demonstrado sua capacidade de criar tramas envolvendo tensão em “Todos os Homens do Presidente” e “As Esposas de Stepford”. Já o outro nome a ser mencionado é o do diretor, Rob Reiner (“Conta Comigo”). A dupla conseguiu reunir o que há de mais essencial no livro, em uma das melhores adaptações já feitas para o cinema das obras de Stephen King. Isso porque o roteiro é fiel na essência, inclusive quando opta por mudar alguns detalhes da trama. A direção consegue se aproveitar de cada detalhe para construir uma narrativa envolvente. Isso cria um sentimento de desconforto que começa a incomodar antes mesmo do conflito principal ser apresentado.

Mesmo não estando entre as mais conhecidas obras de Stephen King, assim como de suas principais adaptações, “Louca Obsessão” é um filme que carrega, desde seu incômodo início até o excitante final, uma tensão muito bem construída. O longa consegue com isso nos entregar uma narrativa sobre os limites entre a admiração e o fanatismo. Dois conceitos que parecem, a cada dia, andarem mais próximos.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

Compartilhe