Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de setembro de 2008

O Nevoeiro (2007): conflitos humanos

Mais uma obra de Stephen King chega às telonas pelas mãos do cineasta Frank Darabont. Se por um lado Darabont aborda com crueza do que os seres humanos são capazes de fazer uns contra os outros, "O Nevoeiro" perde em termos de filme de horror, o que é uma pena, por não conseguir instaurar na tela uma das características mais marcante das obras de King.

Os livros de Stephen King são obras cultuadas por seu conteúdo angustiante a cada linha que escreve. Sucessos como “O Iluminado” e “Carrie – A Estranha” são provas do senso apavorante que o escritor consegue criar. Darabont havia trabalhado no texto de King com os bons “À Espera de um Milagre” e “Um Sonho de Liberdade“, dramas que deixam de lado o gênero horror. Em uma constante disputa das das obras de King e na falta de originalidade dos filmes de terror e suspense de Hollywood, logo “O Nevoeiro” foi transportado para a sétima arte, porém com a pouca magnitude que a obra de King merecia.

Na trama, um nevoeiro inesperado cobre uma cidade inteira e deixa várias pessoas presas em um supermercado. Sem saber como proceder com o fenômeno, o grupo acaba descobrindo que não é seguro sair do recinto, pois criaturas sanguinárias estão à espera de qualquer pedaço de carne humana para se alimentarem lá fora. Com o desespero, David (Thomas Jane) lidera o grupo dos que acreditam na ameaça dos monstros, enquanto a Sra. Carmody (Marcia Gay Harden) vive uma fanática religiosa que usa seus conceitos divinos para pregar suas ideologias. Com eles, muitas vidas estão em jogo e precisam decidir de que lado estão, para que possam se salvar da ameaça.

A história original de Stephen King é considerada uma das mais assustadoras dentre suas obras. Obviamente, não tardaria a chegar aos cinemas. O que algumas vezes acaba atrapalhando uma adaptação do escritor é a receptividade controversa dos filmes baseados em seus livros. O último a ser lançado nos cinemas, “1408“, atingiu este nível ambíguo no gosto da crítica e do público, e talvez tenha afastado os realizadores cinematográficos de novas adaptações. Porém, na tentativa de criar outro clássico como “O Iluminado“, este “O Nevoeiro” surge como uma obra também controversa, que mostra com clareza a crueldade humana, porém decepciona quando precisa causar temor.

Como roteirista do filme, Darabont é quase impecável dramaticamente. A história segue aumentando seus conflitos de maneira eficaz, mostrando as dúvidas das pessoas que precisam se entender e acreditar ou não em algo ameaçador que está fora do supermercado. Não há privilégio de focar o melodrama da vida dos protagonistas, já que todos funcionam de forma semelhante, sempre tendo algo para dar à trama. David se transforma em um líder que pretende, acima de tudo, salvar a vida do filho; enquanto a irritante Sra. Carmody utiliza-se de seu fanatismo religioso para se transformar em uma mensageira de Deus. Com eles, pessoas comuns revelam-se importantes e não se transformam em meros coadjuvantes sem fala.

Porém, o que é construído perfeitamente em termos de drama, perde no que diz respeito ao horror implantado pela história. A primeira observação é que não há um convencimento sobre o pânico que é estar dentro de um recinto quase claustrofóbico, lutando contra algo desconhecido. Além disso, a partir do momento inicial que o diretor revela o provável inimigo que aparece aos fundos do supermercado, pouco damos crédito aquilo, já que os efeitos visuais são incrivelmente ruins. A partir daí, temos apenas confiar nos conflitos de interesses das pessoas abrigadas em uma caverna de Platão, já que desde então todos os monstros são apenas alegorias mal desenvolvidas. Não tem como confiar, por exemplo, quando um personagem é vítima do ferrão de um monstro no pescoço, já que percebe-se com clareza o mal encaixe visual do animal nas mãos da mulher, sendo uma cena deprimente.

Se o longa falha pelas escolhas estéticas de Darabont em transformar o pânico da história em meras investidas sem efeito no público, há o sucesso ao transformar o supermercado em um campo de batalha. Apesar de Thomas Jane ser pouco convincente como o pai pacífico que quer salvar o filho, ele se transforma em um tipo de herói que, após tantas tentativas, acaba achando uma solução que também pode culminar em tragédia. Seu contraponto, a Sra. Carmody, vivida pela sempre competente Marcia Gay Harden, é incrivelmente irritante, chegando a um estereótipo de fanatismo que incomoda a qualquer pessoa. E o detalhe: isso, que poderia ser visto como negativo, acaba sendo um dos melhores recursos do filme, que consegue passar com clareza a índole de uma personagem patética.

Aliás, é a Sra. Carmody uma das pessoas mais interessantes que estão presas ali, já que ela, por ser religiosa (independente de qualquer que seja a religião), é vítima de uma arrogância incrível, se utilizando da fé alheia para conseguir seguidores de sua ideologia. É interessante observar também que, no decorrer do filme, quando a Sra. Carmody começa a ser seguida pelos angustiados, ela cria um visual e postura de deuses. Darabont a veste quase como uma Virgem Maria, com um manto caindo em seu corpo. Sem falar também da cena final deste personagem, que remete diretamente ao sacrifício divino conhecido pelos crentes em Deus ou não.

Se Darabont mantém-se questionável no roteiro, sua direção é um pouco mais firme. Com o recurso de usar sempre a câmera na mão, dispondo do bom uso do foco e dos enquadramentos, o diretor aproxima o público do drama. Em contrapartida, Darabont confia-se muito em um estilo cinematográfico em que não tem experiência. Ao mesmo tempo que faz o bom uso do silêncio para aumentar a tensão dos acontecimentos, acaba deixando vazia várias cenas que pedem um pouco de trilha sonora, principalmente nos momentos mais dramáticos. Ainda assim, Darabont tem a ousadia de criar um novo desfecho para a trama de Stephen King que certamente irá constranger a maior parte dos espectadores, investindo em uma ironia pouco vista nos filmes do gênero de Hollywood. Nisso, o diretor foi mais do que incrível.

Por mais que seja um filme mediano em que os conflitos humanos são constantemente ligados a assuntos reais como o terrorismo, o poder, a guerra de interesses etc., “O Nevoeiro” deixa a desejar em sua parte mais sombria. A artificialidade de suas criaturas e a pouca dedicação em criar um visual misterioso para o nevoeiro em questão decepcionam aqueles que acham que Stephen King mereceria uma leitura ao nível de sua inteligência como escritor. A sensação de que poderia ser melhor nas mãos de um cineasta cuja visão estética fosse mais apurada é inevitável.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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