Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de abril de 2005

Conta Comigo (1986): éramos felizes e não sabíamos

O célebre escritor Stephen King mostra ser eficiente também em tramas não-sobrenaturais. Baseado na sua obra mais pessoal, em que ele narra um episódio de sua infância, “Conta Comigo” é uma aventura marcada por ótimas interpretações dos jovens atores, além de ser uma tocante lição de vida que exalta a importância da amizade em nossas vidas.

Famoso por suas tramas sobrenaturais como “O Iluminado” e “Cemitério Maldito”, Stephen King emocionou o mundo com “The Body”, sua obra mais pessoal, a qual “Conta Comigo” foi baseada. Tomando como base a si próprio, ele passa toda a emoção de ser jovem e de amizades verdadeiras.

O filme conta a estória de Gordie Lachance (Richard Dreyfuss), um escritor, que recorda quando tinha entre doze e treze anos no verão de 1959, quando vivia em Castle Rock, Oregon, uma localidade com 1281 habitantes que para ele era o mundo inteiro. Gordie tinha três amigos inseparáveis: Chris Chambers (River Phoenix), Teddy Duchamp (Corey Feldman) e Vern Tessio (Jerry O’Connell). Chris era o líder natural deste pequeno grupo, mas a família dele não era boa e todo mundo sabia que ele ia se dar mal na vida, inclusive ele. Teddy era emocionalmente perturbado, pois o pai tinha acessos de loucura, inclusive chegou a colocar a orelha de Ted no forno. Vern era o mais infantil do grupo, quem os outros adoravam tirar sarro. Tentando achar um vidro cheio de moedas que tinha enterrado, Vern ouviu por acaso seu irmão e um amigo falando onde estava o corpo de um garoto que tinha ido colher amoras há três dias e nunca mais tinha sido visto. Os garotos queriam achar o corpo, pois vislumbravam a possibilidade de se tornarem heróis. Cada um deu uma desculpa em casa e partiram para tentar encontrar o corpo. Nenhum deles tinha idéia que esta viagem se transformaria em uma jornada de autodescoberta que os marcaria para sempre.

Não é nada difícil de perceber que Stephen King se espelhou nele mesmo para construir o personagem Gordie. Muitas são as referências no filme que ligam o personagem ao autor, como o fato dele adulto ter se tornado um escritor famoso, desde criança tinha a fama de saber contar estórias surreais (a estória sobre o menino gordo contada por ele em uma cena do filme, é hilariante), o fato de seu irmão mais velho ter morrido vítima de um acidente de carro, além de mostrar um episódio o qual ele assumiu realmente ter acontecido com ele quando criança (o banho no rio cheio de sanguessugas).

Stephen King, através de sua própria história,consegue mostrar como o olhar das pessoas sobre cada um de nós pode influenciar em nossas vidas, mas que por outro lado, podemos sim traçar nossos próprios destinos. Tudo depende de nós. O personagem Gordie (ou o próprio King) era um garoto em que ninguém conseguia enxergar um futuro decente para ele, e ele tinha plena convicção disso. Seus pais sempre deixaram claro a ele sobre a preferência pelo seu falecido irmão (a cena do enterro em que seu pai chega a ele e diz que preferia que fosse ele quem deveria ter morrido, chega a dar um nó na garganta), e suas amizades, não eram o que podiam chamar de “boas influências”. No final, Gordie consegue se dar bem na vida fazendo o que ele tem de mais talentoso: a habilidade para criar estórias. Enquanto Chris Chambers, visto como ladrão por toda a população da pequena cidade, e visto como fracassado por si próprio, consegue se tornar um bem sucedido advogado, mas que por ironia do destino, acaba sendo assassinado ao tentar apartar uma briga.

O roteiro adaptado por Raynold Gideon e Bruce A. Evans é muito eficiente, conseguindo transmitir sem falhas todas as principais lições de vida do livro de King. Enquanto a direção de Rob Reiner (de “Questão de Honra”) é firme, e consegue manter um clima eletrizante, e ao mesmo tempo, sempre leve e divertido, recheado com boas doses de humor, até mesmo nos momentos de tensão que o filme proporciona.

O filme consegue ser tocante desde a sua cena inicial, quando Gordie adulto lê em seu carro a notícia sobre a morte do “famoso advogado” Chris Chambers, seu grande amigo de infância, e se emociona ao ver dois garotos andando de bicicleta, fazendo com que todas às suas lembranças da juventude voltem à sua cabeça em um fluxo de consciência. Isso não acontece conosco? Às vezes nossas vidas andam tão cheias, que esquecemos o quanto é bom relembrarmos os bons momentos de nossas vidas.

A partir de então, somos jogados à memória de Gordie em sua conturbada infância. Mesmo com a falta de perspectivas quase que geral em relação à Gordie e seus amigos, juntos, eles eram felizes como adulto nenhum é. O filme mostra com eficiência o quanto é pura a amizade entre os jovens, marcada por inocência e sinceridade, que todos sabem que um dia irão se extinguir. Da mesma forma que as amizades de infância ficam marcadas, mas são muito difíceis de serem cultivadas até a idade adulta. Gordie, Chris, Teddy e Vern, mesmo com personalidades completamente diferentes, eles eram almas que se completavam.

A aventura de ir em busca de um corpo não encontrado pela polícia e a possibilidade de encontrá-lo e se tornarem heróis, é a representação dos sonhos de qualquer jovem de querer aparecer, de poder de tudo. Algo semelhante a um aluno com fama de burro responder a uma pergunta difícil na sala de aula, em frente a todos. O jovem sente a necessidade de viver com emoção cada momento da vida, antes que seja tarde demais. Agindo da forma que lhes convém e achando que assim adquirem superioridade e independência, sentem todo o poder ao invadir um local proibido ou simplesmente fumar um cigarro. O filme mostra com delicadeza todas essas sensações de ser jovem.

Em um determinado momento do filme, ao tomarem banho num rio, Teddy começa a brincar de afogar seus colegas. Chris fala para ele: “Vamos Teddy, aja de acordo com a sua idade”. Teddy não pensa duas vezes ao responder: “Estou agindo de acordo com a minha idade. Sou jovem, e a juventude só vem uma vez em nossas vidas. Temos de aproveitá-la”. Analisando este diálogo, vemos o quanto nós, humanos, temos aquela “pressa para crescer” e deixamos de aproveitar ótimos e raros momentos de nossas vidas. Olhando com os olhos de hoje, podemos lembrar do quanto era bom a juventude, sem maiores responsabilidades, e bate aquele arrependimento por não termos aproveitado melhor aqueles anos de ouro. Não é exagero dizer que os melhores momentos da vida de cada um de nós são quando nos bate aquele “espírito de criança”, fazendo-nos contar piadas, rir-mos das próprias besteiras ou frescar com a cara daquele seu amigo do peito.

È impossível não se identificar com pelo menos um dos quatro garotos do filme, que por sinal, são interpretados com maestria pelos jovens astros. A química demonstrada entre eles é tão verdadeira, que parece que eles realmente são amigos de longa data. É uma pena que nenhuma dessas jovens promessas tenha conseguido um futuro decente no cinema. Will Wheaton, justamente o intérprete de Gordie, é o mais fraco dos quatro, e caiu no sumiço após esse papel. Enquanto River Phoenix, espetacular como Chris Chambers, se tornou uma grande promessa, atuando como o jovem Indiana Jones em “Indiana Jones e a Última Cruzada” e em dramas como “Garotos de Programa” de Gus Van Sant, até morrer de overdose em 1993. Corey Feldman, intérprete do perturbado Teddy, é o meu favorito. Sou um grande admirador de seu trabalho por ele ter o a proeza de ter atuado em vários filmes que marcaram a minha infância, como: “Os Goonies”, “Garotos Perdidos”, “Gremlins” e o próprio “Conta Comigo”. Feldman foi outro que teve problemas com drogas, mas se recuperou, e hoje atua em filmes independentes. Jerry O’ Connell, intérprete do gordinho simpático Vern, cresceu, virou galã, e hoje continua em ativa atuando em filmes não muito marcantes, como: “Pânico 2”, “Missão: Marte” e “Canguru Jack”. Por outro lado, ele é o atual namorado da belíssima atriz e modelo Rebeca Romijn-Stammos (a intérprete da Mística de “X-Men”).

Na última cena de “Conta Comigo”, Gordie adulto conclui seu livro com uma belíssima frase que resume toda a essência do longa: “Nunca tive amigos como aqueles que tive aos 12 anos. Jesus, mas quem tivera?!” Ao subirem os créditos ao som de “Stand By Me” de Ben E. King (a versão de John Lennon também é linda), é impossível não sentirmos mais leves, e com aquela vontade de ser criança outra vez. Sem dúvidas, o filme mexe com nossa memória, fazendo-nos lembrar daqueles amigos de infância que marcaram nossas vidas, os verdadeiros “amigos eternos” por mais que o contato tenha sido perdido há muito tempo.

Ao término, o “mestre do suspense”, Stephen King, consegue nos trazer a conclusão do quanto éramos felizes e não sabíamos.

Thiago Sampaio
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