Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de agosto de 2019

A Janela Secreta (2004): bloqueio criativo, o terror dos escritores

Ainda que a adaptação não tenha o terror típico de Stephen King, o suspense se beneficia da ótima fase de Johnny Depp possibilitando a imersão para um plot twist satisfatório.

Logo após o primeiro “Piratas do Caribe”, Johnny Depp embarca em “A Janela Secreta” a pedido do estreante na direção David Koepp (“Perigo por Encomenda”). Por ser um velho roteirista da indústria, Koepp se sai muito bem e coloca detalhes de sua própria experiência enriquecendo ainda mais a trama. A história também faz um paralelo com a própria carreira de Stephen King e diz muito sobre o quanto os escritores se articulam para não caírem na estagnação. E nesse caso, iniciado por uma traição, o thriller mostra o quão longe pode chegar um distúrbio psicológico.

O longa é uma adaptação do conto “Janela Secreta, Secreto Jardim” do livro “Depois da Meia-Noite”. O protagonista é Mort Rainey (Depp), um escritor de livros de horror que está em crise após ter flagrado sua mulher, Amy (Maria Bello), na cama com Ted (Timothy Hutton). O casal inicia o divórcio e Mort decide se isolar em uma cabana à beira do lago Tashmore e continuar a escrever. Porém, devido à situação do processo de divórcio ele tem um bloqueio criativo. Incapaz de enfrentar o problema, ele acaba passando a maior parte do tempo dormindo no sofá. A direção de Koepp é minimalista nos tiques do escritor e a fotografia explora o conforto da casa nos colocando no olhar sereno do cachorro que tudo observa.

Sem aparentemente oferecer ameaça, surge John Shoother (John Turturro), um caipira de chapéu preto vindo do Mississipi dizendo que Rainey plagiou um de seus melhores contos que havia escrito alguns anos antes, e que teve o clímax modificado pelo mesmo. Rainey nega o plágio dizendo que não conhecia a história e escreveu a sua antes de Shoother. Diante disso, o curioso homem começa a aparecer repentinamente fazendo ameaças e exigindo uma reparação pública ou a revista para provar a data da publicação. 

A princípio, a química entre ambos carrega um humor peculiar ditado pelos atores. Depp está inspirado no papel e Turturro é contundente como sempre. O mesmo não se pode dizer do casal enquanto tentam convencer Mort a assinar os papéis do divórcio, pois o humor frágil do personagem de Hutton é bem duvidoso. Já Amy provoca o lapso de Mort e faz a história andar sempre que aparece em tela. Contudo, o foco da narrativa não é o triângulo, mas o caminho que está tomando o impasse entre os escritores. Isso porque o cão aparece morto e aparentemente só há um suspeito. 

A fotografia é criativa nos ângulos com alguns planos longos muito bem executados – especialmente o que abre o filme chegando de encontro com um espelho – e a ambientação se beneficia da trilha convidativa de Philip Glass. Cabe dizer que não há nada surpreendente nos aspectos técnicos, mas é louvável como o diretor conduz com muita confiança. Tanto que nos damos conta de que há uma reviravolta somente quando ela é revelada ao fim, e ela flui naturalmente e adiciona um certo charme à narrativa. Revendo em retrospecto esse é um dos casos que mesmo sabendo do plot twist a trama se sustenta e satisfaz como na primeira experiência. E não há mérito maior para um filme em que a área técnica está em harmonia com seus artistas, pois é notável como os realizadores se permitiram respirar a atmosfera criativa de King. A excentricidade de Depp dá os contornos necessários para a paranoia de Mort e a linguagem instiga que muitas vezes os personagens são um escape ou reflexo do próprio inconsciente dos escritores.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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