Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 05 de maio de 2019

Cemitério Maldito (2019): corajoso, mas inconstante

Nova adaptação de Stephen King chega aos cinemas para uma nova geração. Atualizado em vários sentidos, o filme poderia ser um dos grandes lançamentos de terror do ano se investisse mais no gênero.

Cemitério Maldito” não é uma obra fácil para adaptar. Sua narrativa é densa e as consequências da história são pesadas. É difícil sentir empatia pelo protagonista e pelas suas ações (embora seja fácil sentir sua dor em certos momentos). Uma nova versão cinematográfica de um dos livros mais conhecidos de Stephen King não pode ignorar essa dificuldade e precisa lidar com um roteiro que pode ser tanto um terror clássico quanto um drama intimista. A nova adaptação tenta ficar no meio termo, o que resulta num filme com potencial limitado pelas escolhas, mas que não pode ter seus méritos ignorados.

Na trama, acompanhamos a família Creed, que se muda para uma nova casa no interior, próxima de um pequeno cemitério usado para enterrar animais de estimação. Logo eles descobrem que não muito longe dali existe outro cemitério, utilizado por indígenas no passado e que esconde segredos terríveis. Quando uma tragédia atinge a família, os poderes e terrores envolvendo este cemitério trarão consequências inimagináveis.

Com uma narrativa construída gradativamente, o roteiro se preocupa em criar e desenvolver laços entre as personagens, além de apresentar suas características, suas crenças e seus medos. São esses os detalhes usados durante momentos importantes do filme, tanto para causar medo quanto para criar um vínculo com o público. Embora alguns pontos tenham uma construção pobre, como a discussão sobre vida após a morte, o roteiro planta diversos elementos e depois os reutiliza de forma inteligente, como acontece ao longo da história com Zelda, personagem interpretada pela estreante Alyssa Brooke Levine.

Mesmo com pouca experiência, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer (“Starry Eyes”) têm um bom controle da narrativa. O ritmo do filme é muitas vezes contemplativo para que o público tenha tempo de entender o que acontece. Na primeira tragédia que afeta a família Creed, a revelação é feita aos poucos. E mesmo sendo uma sequência muito sugestiva, para os que não conhecem o material original, há um impacto significativo. Aos que já conhecem resta uma boa tensão criada pelo desapego do imediatismo.

Contudo, se os dois primeiros atos são pautados por uma interessante precisão narrativa, o terceiro possui um ritmo muito mais acelerado. Por um lado isso poderia ser justificado pela urgência de um clímax, por outro o roteiro teria elementos que permitiriam uma construção mais cuidadosa. Por estar concentrada aqui a mudança mais significativa – e, diga-se, muito interessante – em comparação com o livro, o roteiro se permitiu fugir do terror imediatista presente no livro (e replicado na versão de 1989), mas é evidente a mudança de ritmo. As consequências perdem um pouco do impacto, uma vez que não há tempo para digeri-las. Uma sequência rápida de eventos é exposta, sempre buscando manter o impacto que o cemitério causa na família.

Há ainda um certo amadorismo quando o filme vai para cenas que dependem do susto. Mesmo não usando a trilha sonora como uma muleta, a construção das cenas segue as convenções do gênero, resultando em momentos bem clichês e sem um forte impacto. Isso só não afeta o filme pois o objetivo não é apenas assustar, mas construir um sentimento de medo gradual.

E mesmo com um elenco comprometido, nem sempre é fácil ser carregado pelos dramas pessoais. O roteiro não explora o conflito entre as crenças de Louis Creed (Jason Clarke, “O Primeiro Homem”) e a sua reação com a morte da filha, obrigando o público a acreditar no ator e apenas aceitar que ele está confuso e satisfeito ao mesmo tempo. Já Rachel Creed (Amy Seimetz, “A Rota Selvagem”) tem seu trauma um pouco mais bem aproveitado, servindo inclusive como um bom elemento narrativo para o terceiro ato.

Na essência, “Cemitério Maldito” é um filme de terror que oscila entre bons momentos carregados pelo drama e sequências de terror mal executadas. Para um filme de gênero, é pouco perto do que teria a oferecer. Infelizmente é impossível desconsiderar o peso que a execução de algumas cenas carrega. E a consequência disso é a sensação de esquecimento, mesmo com um final forte e corajoso por apostar em algo diferente do livro.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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