Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Cujo (1983): “não é um monstro, é só um cachorrinho”

Com baixo orçamento e uma história simples, "Cujo" tira leite de pedra, entregando tensão e agonia nesse memorável clássico do terror.

Stephen King já declarou publicamente não se lembrar de ter escrito “Cujo” por tê-lo feito no auge de seu vício em cocaína, porém, sua adaptação para os cinemas se tornou um clássico mais do que memorável. Quem se depara com um filme cuja sinopse envolve um cão da raça São Bernardo, que contraiu raiva através da mordida de um morcego e passou a aterrorizar uma pequena cidade no Maine, não está pronto para a agonia claustrofóbica que está por vir nessa excelente adaptação.

Já é sabido o talento de King em transformar o cotidiano em excelentes histórias, sempre valorizando a emoção humana e deixando o elemento de terror atuar como uma ferramenta que levará seus personagens ao extremo de suas forças e sentimentos. No longa, essa estrutura foi bem capturada pelos olhos do diretor Lewis Teague (“A Joia do Nilo”), que conseguiu, apesar do baixo orçamento, fazer um filme realista por essência, extraindo o máximo de atuação de Dee Wallace (“E.T.: O Extraterrestre”), no papel de Donna, e de Danny Pintauro (“Manipuladores do Tempo”) que faz o menino Tad. É fácil nos colocarmos no lugar do desespero que seria estar preso em um carro que não funciona com um cachorro raivoso imenso do lado de fora, tendo não só que lidar com o próprio medo, mas com o pavor de uma criança pequena que conta com sua proteção.

O roteiro conseguiu adaptar o livro de mais de 300 páginas em um filme conciso de 93 minutos, se apegando aos fatos que conduzirão a narrativa ao problema central e enxugando as tramas familiares apresentadas na obra original. O filme também tem poucos diálogos, pois se concentra em contar a história visualmente. Logo no início, apenas uma sutil reação de Donna já sugere que a mesma está tendo um caso extra conjugal e esse é apenas um exemplo de como o filme consegue se comunicar nas entrelinhas com muita simplicidade, sem subestimar sua audiência. Isso resulta em um ritmo lento e desconfortável, perfeito para construir a tensão necessária.

O longa põe Cujo e Tad como personagens centrais, apresentando ambos em paralelo na montagem dos minutos iniciais. Cada qual é o elemento de inocência de sua família, as duas conturbadas. De um lado uma mãe e um filho sufocados pelo marido abusivo, do outro, um casamento falido que apenas se sustenta pelo amor dos pais à criança. Cujo e Tad são alheios a esses problemas, mas quase como por acidente tudo culminará para que se encontrem. E esse encontro será determinante ao destino dos dois.

A direção protagoniza o São Bernardo apostando em ângulos de câmera baixos, muitas vezes simulando seu ponto de vista. Além disso, há uma ampliação dos barulhos dos objetos, trazendo o espectador ao mesmo nível de agonia sentida pelo cachorro, que já estava afetado pela doença. Porém, o triunfo do filme está na execução das cenas do carro, quando Teague escolhe intercalar planos muito abertos e fechados trabalhando o isolamento e a claustrofobia que aliados, à brutal atuação de Pintauro, coloca a tensão nas alturas, num misto de sufocamento e total abandono. Contudo, uma ou outra potencial saída são apontadas, trazendo momentos de respiro e silêncio, antecipando outras crises em um equilíbrio perfeito de agonia. O gore é completamente dispensado e o filme até desperdiça oportunidades de jumpscare, afinal, não são necessários. Portanto, não espere ver a mesmice das fórmulas do terror contemporâneo.

No entanto, tal como o escritor da obra original comumente faz em seus livros, o filme não consegue entregar uma boa conclusão. Não há tempo para saborear o final, pois a última cena é interrompida abruptamente, precedendo uma tensão muito grande. Fica o anseio por um minutinho a mais ou uma linha de diálogo que reorganize o sentimento do espectador.

“Cujo” é um filme despretensioso, de baixo orçamento, mas que consegue cativar e mexer com as emoções do público. Quando se pensa em Stephen King no cinema, é impossível deixar de fora essa obra cult icônica que transforma o comum em viceral, provando que é possível contar uma boa história por mais simples que seja.

Tayana Teister
@tayteister

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