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Colunas   quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O Livro de Boba Fett | Quinto episódio traz um interlúdio nostálgico

Sem sequer mostrar Boba Fett em um episódio da série que leva seu nome, Retorno do Mandaloriano acompanha Din Djarin em tempo integral.

Atenção: este texto contém spoilers até o quinto episódio de “O Livro de Boba Fett”. Siga por sua conta e risco.

Apesar de a série se chamar “O Livro de Boba Fett“, o capítulo da semana claramente pertence a outra série. Até o nome indica: Retorno do Mandaloriano. O retorno em questão poderia muito bem estar no início da próxima temporada de “The Mandalorian“, mas se Jon Favreau preferiu utilizá-lo como interlúdio aqui, quem somos nós para contestar, não é mesmo? Até a equipe é a mesma da série estrelada por Pedro Pascal, sendo o roteiro de Favreau e a direção de Bryce Dallas Howard. Até trocamos o GIF de aviso de spoilers para algo mais adequado. Afinal…

A nova seita

Como todo bom episódio de “The Mandalorian”, há uma tonelada de novas informações e construção de universo acontecendo o tempo todo. Ele começa em um local inusitado e nunca antes visto em “Star Wars”: um frigorífico Klatooniano. Logo de imediato, o Mandaloriano dá as caras, surpreendendo quem imaginava que iríamos continuar acompanhando Boba Fett (Temuera Morrison). Ele está lá para conseguir uma recompensa, fazendo o que sabe de melhor e usando seus velhos jargões (“posso te levar quente, ou posso te levar frio“). Nem tudo dá certo, já que ele ainda está aprendendo a manusear o Sabre de Luz Negro e acaba se cortando no processo. Mas ele cumpre sua parte do combinado com o empregador e consegue o que queria, que era informação sobre o paradeiro do grupo de mandalorianos com quem vivia em Nevarro antes de tudo. Antes de Grogu e dos eventos de sua própria série.

Mancando, Mando encontra o esconderijo e se reúne com a Ferreira (Emily Swallow) e Paz Vizsla (Jon Favreau). Após os mandalorianos serem expulsos de Nevarro no episódio O Pecado da primeira temporada de “The Mandalorian”, não restou muito. Apenas os três compõem a nova seita e terão de reconstruir do zero. O Mandaloriano explica como entregou Grogu a um Jedi, ganhou uma lança de beskar de outra e conquistou o Sabre de Luz Negro depois de derrotar Moff Gideon (Giancarlo Esposito) em combate.

“Você está lutando contra a arma. Deveria estar lutando contra seu oponente.”

Logo a Ferreira começa a perceber que algo está diferente em Din Djarin, mas, de início, aceita treiná-lo em combate com o Sabre de Luz Negro. Ela explica ainda que o Mando terá que se desfazer da lança de beskar, pois ela representa um risco para outros mandalorianos; beskar deve ser usado em armaduras, nunca em armas. Com o aço, ela forja algo para Grogu, e saberemos o que é apenas quando o vermos novamente. Após embalar o presente em uma trouxinha no formato da cabeça orelhuda da criança (quem diria que a Ferreira tem um lado fofo?), ela ainda orienta o Mandaloriano a não resistir ao Sabre de Luz Negro em combate, focando na luta contra seus adversários, não contra a arma.

A cena do treinamento do Mando com a Ferreira é quase uma recriação do treinamento de Sabine Wren (Tiya Sircar) com a mesma arma em “Star Wars Rebels“, no episódio Trials Of The Darksaber. Na ocasião, ela havia acabado de reaver o Sabre Negro de Darth Maul e pediu ajuda ao Jedi Kanan Jarrus (Freddie Prinze Jr.) para aprender a manejá-lo.

O treinamento é interrompido quando Paz Vizsla, oriundo da Casa Vizsla, nobreza mandaloriana, desafia Djarin a um duelo. Por credo, quem vencer leva o Sabre de Luz Negro. Ele até desarma o Mandaloriano, mas é ele próprio desarmado em seguida e quase tem seu capacete removido. É quando a Ferreira encerra o duelo com a pergunta que sempre é feita: algum dos duelistas já removeu seu capacete? Vizsla nunca removeu, mas Djarin… Ele confessa ter removido. Como guardiã dos costumes e cultura mandaloriana, a Ferreira excomunga Din Djarin. O Mandaloriano não é mais um mandaloriano.

A Noite das Mil Lágrimas

Antes do duelo entre Din Djarin e Paz Vizsla, no entanto, a Ferreira explica em detalhes o que ocorreu na chamada Noite das Mil Lágrimas, que Moff Gideon menciona no episódio Redenção, final da primeira temporada de “The Mandalorian”. O Império bombardeou Mandalore e destruiu a capital Sundari, matando milhões de mandalorianos e forçando a diáspora entre os poucos sobreviventes. Entre eles estava a seita fundamentalista Death Watch, que vivia em exílio na lua Concordia desde antes das Guerras Clônicas – quem assistiu a animação “The Clone Wars” conhece a história, assim como quem leu nosso artigo sobre a história mandaloriana.

A Ferreira ainda explica a Din Djarin quem é Bo-Katan Kryze (Katee Sackhoff) para os mandalorianos, e a descreve como “um conto de advertência”. Kryze já foi a dona do Sabre de Luz Negro, e a quem não a conquistou em combate, a arma traz apenas maldições. A tragédia que caiu sobre os mandalorianos e a diáspora, no caso, seria consequência direta disso. A Ferreira reconta a história do clã Kryze, afirmando que a família perdeu os costumes antigos e, junto com a questão do Sabre de Luz Negro, levou infortúnio a seu povo. Novamente, toda a história está contada no nosso artigo.

Por fim, aos mandalorianos que se desviam do Credo a absolvição espera apenas nas fontes de água viva que existem sob as minas de beskar em Mandalore. Mas se o planeta foi destruído, bom… Ou há mais o que descobrir nas próximas temporadas, ou os costumes estão ultrapassados e precisam ser revistos, já que poucos são os que seguem o credo mandaloriano de lealdade e solidariedade tão à risca quanto Din Djarin.

Todo o flashback da Noite das Mil Lágrimas tem forte inspiração nas cenas iniciais de “O Exterminador do Futuro“, principalmente pelo o uso de droides K2 (mesmo modelo de K-2SO em “Rogue One: Uma História Star Wars“) por parte do Império, dada a forte radiação das bombas despejadas. Os bombardeiros utilizados, aliás, são TIE Bombers, que já apareceram em “O Império Contra-Ataca“.

Apóstata em exílio

Apesar de continuar seguindo o credo, Din Djarin não pode mais ficar com a seita. Após a destruição da Razor Crest no episódio A Tragédia da segunda temporada, ele precisa se locomover pela galáxia em voos comerciais (os chamados “liners”, herança direta de “Duna” para “Star Wars”). Ele compra passagem para Tatooine, onde Peli Motto (Amy Sedaris) lhe prometeu um substituto para a nave.

Já em Mos Eisley, Djarin vai imediatamente à pista de pouso de Peli. E eis que a tal substituta não é nada do que o caçador de recompensas esperava: um caça N1 da Guarda Real de Naboo, exatamente como visto no filme “A Ameaça Fantasma“, mas velho e destruído. Como nada é fácil na vida de Djarin, ele ajuda a mecânica a consertar o caça e faz modificações de acordo, incluindo remover a pintura amarela. Durante o conserto, eles compram várias peças de Jawas, e Peli revela duas coisas: a primeira é que ela já namorou um Jawa, e que, por baixo dos trajes, eles são… peludos? Enfim, a segunda é que o Sindicato Pyke está em peso em Tatooine traficando especiarias.

No momento, Djarin não liga, pois o N1 está pronto e chegou a hora de levá-lo para dar uma volta. O que segue é um prato cheio para os fãs de “A Ameaça Fantasma“. O som, o trajeto do test drive, tudo remete ao filme (e ao jogo “Star Wars Racer” para Nintendo 64, que todo fã de “Star Wars” precisa jogar, de verdade). Djarin pilota o caça pelo mesmo trajeto do Boonta Eve Classic, corrida que o jovem Anakin Skywalker (Jake Lloyd) ganha no filme. Os comandos do caça N1, aliás, são os mesmos que o rapaz tenta entender antes da Batalha de Naboo no filme.

De volta à pista de pouso, Peli informa Din que ele tem uma visita: Fennec Shand (Ming-Na Wen). A assassina tem um serviço para o caçador de recompensas. Como o empregador é Boba Fett, Din está disposto a ajudar de graça (lealdade e solidariedade, pilares do credo mandaloriano, lembrem-se). Ele só precisa fazer algo antes…

“Mas, primeiro, preciso visitar um pequeno amigo.”

Curiosidades

– Há uma teoria na internet de que, por conta dos chifres em seu capacete, a Ferreira teria sido seguidora de Darth Maul quando o Sith reinou sobre Mandalore. Dado que ela agora confirma ter sido da seita Death Watch e o grupo apoiava Maul, é de fato bem provável que tenha sido, mesmo.

– Na cena do treinamento de Din com a Ferreira, ela conta de um a quatro em mando’a, idioma ancestral dos mandalorianos antes da expansão da República Galática.

– Durante o duelo contra Djarin, Paz Vizsla utiliza uma vibroblade e um escudo de pulso. O escudo é uma arma de defesa típica mandaloriana, muito usada durante as Guerras Clônicas. Bo-Katan Kryze, aliás, era adepta e usava sempre.

– Na pista de pouso de Peli Motto, o simpático droide bípede que vemos de imediato é idêntico a BD-1, companheiro do Jedi Cal Kestis (Cameron Monaghan) no jogo “Jedi: Fallen Order”. Peli inclusive o chama de BD, mas é improvável que seja o mesmo.

– Aliás, o bicho que morde BD e depois morde também Peli é um rato womp. Para aprender a voar, Luke Skywalker (Mark Hamill) costumava caçá-los a bordo do caça T-16 Skyhopper de seu tio ao longo do Cânion do Mendigo. É um bom exercício para Din Djarin, aliás.

– A peça que Din encomenda dos Jawas é um distribuidor de vapor. Para olhos atentos, é o que Luke, Leia (Carrie Fisher) e Han Solo (Harrison Ford) usam para tentar impedir o compactor de lixo da estrela da morte de esmagá-los em “Uma Nova Esperança”.

– Entre as modificações feitas no caça N1, duas são importantes. A primeira é a adição de um assimilador de força turbônica venturi (prazer) para o motor, que acaba acoplado sobre a fuselagem dianteira ao melhor estilo “Velozes e Furiosos“. A segunda é a adição de um botão Kineso (novamente, prazer) ao painel de controle, que ativa os aceleradores sub-luz. Em português, é como acionar o turbo. De novo, ao melhor estilo “Velozes e Furiosos“.

– Logo ao pousar, Peli pergunta o que Din achou do N1. Ele responde como uma criança empolgada: “wizard“. A palavra (que significa “bruxo” em inglês) é uma gíria de Tatooine para coisas muito legais. Kitster, amigo de Anakin em “A Ameaça Fantasma“, já usa esse termo no filme.

– Ao levar o caça N1 para a órbita de Tatooine, Din tenta alguns truques. Um deles é rodopiar – o que, como diria Anakin novamente em “A Ameaça Fantasma“, é um bom truque.

– Em órbita, Din acaba abordado novamente por X-Wings da Nova República. O patrulheiro que lidera a abordagem é interpretado por Max Lloyd-Jones, ator que empresta seu corpo para Mark Hamill e Luke Skywalker no episódio final da segunda temporada de “The Mandalorian”.

– Antes de fugir dos patrulheiros usando seus novíssimos motores sub-luz, ele reconhece um dos pilotos: Carson Teva (Paul Sung-Hyun Lee). Teva o ajudou no episódio A Passageira, e depois recruta Cara Dune (Gina Carano) para a Nova República. Ele também reconhece Din pelos incidentes em Nevarro, mas o deixa ir embora novamente. Seu colega pergunta se o encontro deve ser reportado aos superiores, mas Teva recusa por não estar disposto a preencher a papelada toda. Outra marca registrada de “The Mandalorian” é mostrar a ineficácia e burocracia da Nova República. Dali a 25 anos, ela viria a ser destruída pela Primeira Ordem com apoio de boa parte da população justamente por isso, em “O Despertar da Força“.

“Obrigado, seu guarda, vou resolver isso.”

Julio Bardini
@juliob09

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