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Colunas   sábado, 23 de novembro de 2019

The Mandalorian – Fazer a coisa certa é o caminho no terceiro episódio da série

O episódio marca a primeira vez que uma mulher dirige "Star Wars", com Deborah Chow, e explora o protagonista sem deixar de lado a ação característica da série.

Atenção: este texto contém spoilers do terceiro episódio de “The Mandalorian”. Siga por sua conta e risco.

Para os caçadores de recompensas a vida costuma ser simples: encontre um serviço, cumpra o combinado e receba o pagamento. No terceiro capítulo de “The Mandalorian”, o protagonista, conhecido justamente por ser o melhor da profissão em sua região, aprende que nem sempre é isso que acontece, e que há serviços em que o dilema entre ser pago e fazer o que é certo é latente. A menos que se possa fazer ambos, claro.

O primeiro conteúdo de “Star Wars“, entre séries e filmes, dirigido por uma mulher, Deborah Chow, é para os fãs e espectadores um prato cheio de referências e descobertas. Apesar de curto (como já é de costume com a série), “The Sin” é o episódio mais profundo até agora, e não falha em prender a atenção dos espectadores, seja com um novo vislumbre do passado do protagonista ou com sequências de ação surpreendentes.

No cockpit da Razor Crest, o Mandaloriano (Pedro Pascal) retorna ao planeta no qual trabalha (que continua sem nome). Junto com ele, a Criança (chamada informalmente pelos fãs de Baby Yoda, embora ainda sem nome oficial) começa a ficar impaciente em seu berço e tenta explorar um pouco o ambiente. Não há muito o que ver por ali, mas crianças têm o dom de tornar um ambiente seu com muito pouco, e rapidamente o bebê encontra coisas com o que brincar, como, por exemplo, a bolinha na ponta de uma alavanca. Com isso, a Razor Crest já é dele, e a perspectiva, pelo menos no começo deste episódio, também é sua.

Uma nave barulhenta pousa ao lado quando a dupla desembarca em terra firme. Diversos idiomas falados por diversas criaturas preenchem as orelhas pontudas da Criança e, de repente, somos nós mesmos dentro de seu berço. Para quem já gostava desse pequeno ser, Chow cria agora uma angústia com a inversão de perspectivas, pois, na verdade, o Mandaloriano está prestes a entregá-lo a um destino que, ao que tudo indica, não será nada bom. Quando ele é entregue ao Cliente (Werner Herzog), esperamos a cada segundo que algo aconteça e impeça a transação… Sem sucesso.

Vendo a Criança ser levada para uma outra sala, o Mandaloriano pega seu camtono (uma referência divertida à máquina de sorvete que aparece brevemente em “O Império Contra-Ataca“) com o beskar que lhe fora prometido. Mas antes de ir embora ele pergunta o que será da Criança, para o que recebe a hostilidade dos imperiais como resposta. Talvez algo tenha mudado mesmo por baixo desse capacete reluzente, pois um pouco depois ele repete a pergunta a Greef Carga (Carl Weathers), seu chefe na Guilda de Caçadores de Recompensa, quando vai buscar outro serviço para tentar esquecer o último. Dessa vez a resposta, em meio dos olhares tortos de todos os outros foras-da-lei que também buscavam essa recompensa, é que ele deveria aproveitar um pouco a vida para esquecer a Criança.

Antes, no entanto, ele precisa de uma armadura nova. O beskar que recebeu como pagamento pela Criança lhe rende praticamente um conjunto todo, com ombreira, peitoral e placas para as pernas, e chama a atenção de seus irmãos mandalorianos. Ao ver o símbolo do Império no beskar, um deles (o grandalhão Paz Vizla, com voz do criador da série Jon Favreau) questiona se o protagonista, a quem chama de covarde, estaria mesmo honrando o legado de seu povo ao trabalhar com quem exterminou diversos membros da tribo mandaloriana. A discussão rapidamente evolui para uma briga de faca entre ambos, interrompida apenas pela Ferreira (Emily Swallow), líder da colônia local. Ela lembra os dois que o Império já acabou, que o beskar está de volta nas mãos de alguém que o merece e que quem escolhe trilhar o caminho de Mandalore jamais pode ser tido como covarde. Suas palavras acalmam os ânimos, o metal se torna uma nova armadura e um pouco é guardado para os foundlings, que todos concordam ser o futuro da tribo (“é o caminho“, dizem em uníssono).

Toda a cena dentro do refúgio dos mandalorianos é extremamente reveladora sobre o povo e o passado do protagonista, com a frase da Ferreira sobre escolha remetendo à ideia de que nem todos ali têm de fato o sangue de Mandalore, mas são mandalorianos de alma e coração. Talvez Vizla seja um dos únicos com legado de sangue, por seu sobrenome parecer o de uma das principais casas mandalorianas, Vizsla (se é uma variação do sobrenome, só o futuro dirá… ou não). Novas perguntas surgem aí: teriam os demais sido criados como foundlings, que seriam crianças órfãs educadas no caminho mandaloriano? Mesmo o protagonista, que tem um novo flashback enquanto sua armadura é forjada, sendo um, teria ele sido encontrado por um mandaloriano quando seu planeta foi aniquilado pelo ataque dos Separatistas durante as Guerras Clônicas (em um paralelo óbvio com a Criança, que também é órfã e acaba resgatada por um mandaloriano)?

De volta à Razor Crest e de armadura nova, o Mandaloriano está equipado para o próximo serviço. Quando ele esquenta os motores, porém, ele vê a alavanca com a qual a Criança estava brincando, ainda sem a bolinha na ponta. É quase como se a nave estivesse sentido falta de algo. Apesar do capacete, a frustração do personagem é visível. Ele próprio um órfão, não há como permitir que a Criança, um ser tão especial e completamente sozinho na galáxia, fique nas mãos do Império. É hora de fazer o que é certo.

Ele rapidamente retorna ao local onde os imperiais estão, deixando por trás um rastro de stormtroopers caídos. Quando encontra a Criança, ela está junto de Dr. Pershing (Omid Abtahi) e um droide torturador. O cientista jura que queria apenas protegê-la e acaba poupado. Já com o bebê em mãos e sem encontrar o Cliente em lugar nenhum, o Mandaloriano tenta voltar à sua nave, mas acaba emboscado por Greef Carga e seus colegas. Frustrados por não terem-na conseguido inicialmente, eles rapidamente ficaram sabendo do roubo da Criança. Nada como uma segunda chance, não?

Só que não, não quando o adversário é o Mandaloriano. Em uma sequência de ação bem coordenada, tiros voam por toda parte enquanto o protagonista se segura sozinho contra o que parecem ser todos os caçadores de recompensa da cidade. Quando ele finalmente esgota seus recursos, tudo parece perdido… Até os demais mandalorianos entrarem na briga para salvá-lo. Habilidosos, implacáveis e sedentos por ação após terem vivido escondidos por tanto tempo, eles logo derrotam os caçadores de recompensa e permitem ao protagonista escapar em paz com seu povo… E com sua consciência.

Apesar de um pouco previsível – alguém esperava mesmo que o Mandaloriano iria deixar a Criança nas mãos do Império? -, “The Sin” surpreende por dar ao público em live-action algo que até então acontecera só nas séries de animação de “Star Wars”, que era ver os mandalorianos em ação juntos. Apesar de frenética, a sequência final é bem conduzida e rapidamente ganha tons épicos, em um claro momento de redenção para o protagonista. Carga dificilmente deixará barato, mas por hora… Bom, por hora talvez seja melhor deixar a Criança brincar um pouco com as alavancas da Razor Crest.

Encontrar um equilíbrio entre ação e profundidade em um espaço de tempo tão curto quanto a duração de um episódio não é tarefa fácil, mas Deborah Chow não deixa transparecer qualquer dificuldade. Seu trabalho neste terceiro episódio é um excelente presságio não apenas para o penúltimo episódio da temporada, quando ela retorna à direção, mas também para a série de Obi-Wan Kenobi em produção para o Disney Plus. Como showrunner, e diretora de todos os episódios, ela terá a possibilidade de trabalhar um personagem tão amado com muito mais liberdade. Se ela tiver a mesma habilidade que mostrou até aqui, então os fãs podem ficar tranquilos.

O próximo episódio de “The Mandalorian” irá ao ar via Disney Plus na próxima sexta-feira (30), e será novamente dirigido por uma mulher: Bryce Dallas Howard. Ele também terá a apresentação de uma nova coadjuvante para o Mandaloriano, a ex-soldado rebelde Cara Dune, interpretada por Gina Carano.

Julio Bardini
@juliob09

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