Cinema com Rapadura

Colunas   sábado, 21 de abril de 2018

Fronteiras entre o real e o artificial – O elemento robótico no cinema

A segunda temporada de "Westworld" estreia neste domingo, mas o fascínio e temor pelas criações animatrônicas, com seu artificial sopro da vida, vem de tempos atrás. Você acha que consegue passar no teste Voight-Kampff?

Gigante de Ferro, C-3PO, R2-D2, Wall-E, HAL 9000, Baymax, Dolores…

A palavra robô apareceu pela primeira vez em 1921, na peça teatral “R.U.R.”, do checo Karel Capek. R.U.R. são as iniciais de Rosumovi Univerzální Roboti, os Robôs Universais de Rossum. O termo, em sua origem eslava, tem como significado trabalho exercido de forma compulsória, ou escravo.

Rossum, protagonista da peça, é um cientista inglês que desenvolve uma substância que permite a criação de seres humanos mecânicos, usados para realizar todo o trabalho mundano, deixando as pessoas livres para viver uma vida de ócio criativo. Mas as coisas não funcionam como planejado, os robôs se rebelam e destroem a espécie humana.

Essa história parece familiar?

Durante as décadas de 1920 e 1930, os seres humanos artificiais foram retratados no teatro, no cinema e na literatura, como criações perigosas, com grandes chances de se voltarem contra os seus criadores. O medo dos avanços científicos e tecnológicos ditava a moral da história: o Homem não deve mexer com as leis naturais da vida.

As lendas de um monstro de Frankenstein moderno, com conflitos entre criador e criatura, tiveram variados enfoques com o passar das décadas, podendo abordar questões éticas, filosóficas e existenciais. O enfoque muda com a mudança dos temores de uma época, mas uma coisa é certa: nosso fascínio, e temor, por nossas criações animatrônicas, com seu artificial sopro da vida, parecem eternas.

Aproveitando a estreia da segunda temporada de “Westworld”, no dia 22 de abril, o Cinema com Rapadura traz um breve panorama da inteligência artificial nos cinemas.

Para continuar o texto, confirme que você não é um robô.

Metropolis

“Metropolis”, clássico de ficção científica de 1927, do austríaco Fritz Lang, co-roteirizado por ele e por Thea von Harbou, autora do romance no qual o filme é baseado, não só foi um dos primeiros filmes de ficção científica, como foi inspiração visual e conceitual para diversas produções posteriores.

Em que confusão você se meteu dessa vez C-3PO?

Um dos principais títulos do expressionismo alemão, o filme, como toda ficção científica que se preze, expõe situações extremas, em um futuro distante, para lidar com os problemas da atualidade. Situado em 2026, em um mundo devastado, na cidade de Metropolis os aristocratas vivem na superfície e a classe trabalhadora vive no subterrâneo, trabalhando para manter a vida luxuosa dos ricos. Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), um cientista que perdeu a mulher pela qual era apaixonado, cria um robô na tentativa de trazê-la de volta a vida, mas seu chefe, Joh Federsen (Alfred Abel) ordena que o androide assuma a aparência de Maria (Brigitte Helm), uma das líderes do proletariado, com o objetivo de criar conflito entre os trabalhadores.

2001 – Uma Odisseia no Espaço

“Estou com medo, Dave. Minha consciência está se esvaindo. Estou sentindo.” – HAL-9000

Avançando para 1968, podemos vislumbrar o futuro imaginado por Kubrick e Arthur C. Clarke. Em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, filme que acabou de completar 50 anos, o diretor e o autor usaram a evolução humana, desde a aurora do homem até a futurística exploração espacial, para lidar com diversas questões filosóficas humanas.

O computador de bordo HAL-9000, inteligência artificial da nave, é o único que sabe o real objetivo da missão em direção a Júpiter, realizada por Dave Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood). Hal consegue transmitir humanidade no filme, apesar de ser “apenas” uma voz (do ator Douglas Rain) e uma luz vermelha. Seu falar humano, seu medo de ser desligado, seus pedidos por misericórdia, fazem com que seu papel como “vilão” na história não seja assim tão óbvio. Afinal de contas, as máquinas são criadas para cumprir ordens, sem motivos ocultos em suas ações.

https://www.youtube.com/watch?v=UgkyrW2NiwM

Blade Runner – Caçador de Androides

“Todos esses momentos vão se perder no tempo, como lágrimas na chuva.” – Roy Batty

“Blade Runner – Caçador de Androides”, filme de 1982, dirigido por Ridley Scott (“Todo o Dinheiro no Mundo”), com roteiro baseado no conto “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, de Philip K. Dick, usa a temática da inteligência artificial para questionar a realidade. O longa teve uma continuação em 2017, “Blade Runner 2049”, dirigida por Dennis Villeuneve (“A Chegada”).

>> RAPADURACAST 520 – Duplex: Blade Runner (1982) e Blade Runner 2049 (2017)

Deckard (Harrison Ford, de “Blade Runner 2049”), um ex-caçador de androides, conhecidos no filme como replicantes, é convocado de volta à ativa após um motim que levou os replicantes mais sofisticados a se infiltraram na sociedade. Ele precisa impedir o objetivo final dos robôs: localizar seu criador e obrigá-lo a estender seu curto prazo de vida artificial. O encontro entre ambos deixa o questionamento: que direito tem o criador sobre suas criaturas?

A inteligência artificial dos replicantes é tão sofisticada que é necessário realizar um teste para identificá-los. No teste Voight-Kampff o interrogador faz séries de perguntas e mede a dilatação da pupila do paciente. O filme conseguiu transpor com sucesso a essência do conto, e da maioria das obras de K. Dick: mas afinal, o que é real?

Fora da ficção temos o teste de Turing, que determina se o objeto testado é humano ou uma máquina. Se 30% das pessoas consultadas acreditarem que se trata de outro humano, ele passa no teste. Há cerca de 4 anos, “Eugene Goostman”, uma inteligência artificial simulando um menino de 13 anos, passou no teste.

Exterminador do Futuro

Devemos nos preparar para a dominação da Skynet?

A franquia de “Exterminador do Futuro” é a primeira coisa que vem à mente de muitas pessoas quando se fala em revolta das máquinas. A temida Skynet é a grande vilã da franquia, uma inteligência artificial altamente desenvolvida que, ao se tornar autoconsciente, diagnosticou a humanidade como uma ameaça e deu início a um holocausto nuclear. Ela também enviou, muitas vezes por meio de viagens no tempo, um exército de ciborgues, conhecidos como Exterminadores, para eliminar a resistência humana que sobreviveu.

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Westworld – Onde Ninguém Tem Alma

“Temos certeza que você vai aproveitar a sua estadia em Westworld. Enquanto você estiver lá, por favor, faça o que quiser. Não há regras. E você deve se sentir livre para satisfazer todos os seus caprichos. Não tenha medo de ferir alguma coisa ou de se machucar. Nada pode dar errado” – Funcionário da Delos

Voltando para  1973, Michael Crichton, escritor dos livros que deram origem a franquia “Jurassic Park”, dirigiu e roteirizou “Westworld – Onde Ninguém Tem Alma”. Crichton teria criado o conceito para o filme durante uma viagem à Disney, onde ficou imaginando o que aconteceria se os bonecos animatrônicos do parque fugissem do controle e se voltassem contra os visitantes.

Westworld é um dos três parques temáticos da empresa Delos, que também conta com um mundo romano e um mundo medieval europeu. Ele simula uma cidade na época da ocupação do Oeste nos Estados Unidos, por volta de 1880, com androides fazendo o papel dos moradores. Com isso, Crichton une inusitadamente os gêneros de western e de ficção científica.

Os robôs do parque são indistinguíveis dos humanos, e estão ali para realizar todos os desejos dos visitantes, sejam eles heroicos, assassinos, sexuais ou simplesmente escapistas. São com alguns desses desejos em mente que Peter Martin (Richard Benjamin) e John Blane (James Brolin) decidem se aventurar em Westworld. Após algumas experiências bem realistas do velho oeste, como camas pequenas, doenças e tiroteios, a dupla entra em conflito com o androide pistoleiro (Yul Brynner). Enquanto isso, nos bastidores do parque, os engenheiros e supervisores de robôs da Delos percebem que existe algo de errado com as máquinas, como se uma doença estivesse se espalhando pelos androides, que não podem ser mais controlados e se voltam contra os humanos.

Westworld

“Estes desejos violentos têm fins violentos”.

Nesta mais nova adaptação do longa, série produzida pela HBO que estreou em 2016, os desejos humanos e o ganho de consciência das máquinas são aprofundados. Os questionamentos filosóficos e existenciais, os conflitos entre criador e criatura estão todos lá. Mas a crueldade dos atos que “pessoas normais” são capazes, quando não existem consequências visíveis, ganha destaque. A apresentação de um vilão como o personagem do Homem de Preto (Ed Harris), mostra que “Westworld”, assim como muitas obras de sci-fi atuais, afirma que no final de tudo: são aos humanos que devemos temer.

A dominação robótica só começou, o que faremos para impedir? Será que ainda temos direito ao nosso mundo? Esse mundo ainda é nosso? A segunda temporada de “Westworld” estreia na HBO neste domingo, 22 de abril, às 22h.

Lívia Saenz
@saenz_livia

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