Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 04 de abril de 2018

2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968): a genuína obra-prima da ficção científica no cinema

Uma experiência audiovisual impecável. Complexo e polêmico, o mais relevante dos trabalhos de Stanley Kubrick ainda é um enigma cinematográfico. Estamos diante de um filme que extrapola qualquer limite ou convenção pré estabelecida. Uma obra que não iria resistir às demandas comerciais (e assassinas) do mercado atual. Mas que permanecerá eternamente como um dos maiores legados já produzidos pela sétima arte.

A maior obra já produzida pelo cinema! Seria esse um título que poderia ser atribuído à “2001: Uma Odisseia no Espaço”? Talvez, mas como cinema é (ou deveria ser) uma experiência, cada pessoa pode ter um envolvimento diferente. Porém, o simples fato de considerar o filme como expoente máximo já diz muito sobre sua relevância. Trata-se, sim, de uma obra extremamente complexa e cheia de detalhes e sutilezas que seu realizador, Stanley Kubrick (talvez o maior diretor de todos os tempos?), fez questão de deixar ali. Este texto, mais que uma crítica, é uma homenagem e uma reverência ao filme que evidenciou um novo horizonte para o cinema e, de quebra, colocou a ficção científica como um dos gêneros mais relevantes da sétima arte.

A trama é relativamente simples. Cinco astronautas são enviados para o planeta Júpiter depois que um monólito encontrado na Lua enviou um sinal ao gigante do Sistema Solar. A informação, que poderia ser a prova de vida inteligente fora da Terra, foi escondida da tripulação da nave espacial Discovery One. O único que sabe a verdade sobre a missão é Hall 9000, um computador com inteligência artificial que fará de tudo para que a missão ocorra conforme o previsto.

É interessante observar como tudo começa no filme. “A aurora do homem”, informa um letreiro logo no início, dando a impressão de um documentário que acompanha a vida selvagem, há milhões de anos. Kubrick teve toda a preocupação para compensar a ausência de diálogo com uma direção focada apenas no necessário. O grupo de primatas mais fraco, expulso de seu território, tem contato com o monólito. Na próxima cena, a descoberta da primeira ferramenta da história, acompanhada da abertura de “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss. O tema cresce junto com a compreensão daquela criatura, que não demora para transformar o objeto numa arma – antecipando, assim, o inevitável potencial construtivo/destrutivo do ser humano.

Mais maravilhoso é ver como Kubrick é atencioso com os detalhes neste momento. Aqueles que agora dominam a ferramenta, não podem mais se dar ao luxo de utilizar os quatro membros para se deslocar. Tornamo-nos bípedes, nossas mãos estão livres para utilizar ferramentas e armas, pudemos caçar outros animais… e o grupo, antes mais fraco, agora é quem domina os melhores lugares. E então, eis que surge a mais brilhante conexão da história do cinema. Num simples corte, durante uma fração de segundos, o osso se transforma num satélite. Da aurora do homem às viagens espaciais. Da primeira ferramenta ao mais avançado dos satélites. Toda a história da humanidade em apenas um simples corte.

Desse momento em diante, o tom do filme muda, com Kubrick nos oferecendo um novo conceito sobre o que a ficção científica deve ser. E não me refiro aqui às cenas longas e lentas, mas à seriedade com a qual trata a sua obra. A preocupação com o limite entre ciência e ficção, ou ainda a discusão de conceitos a partir dos conflitos científicos e morais.

Somos jogados, então, para uma sequência espacial de tirar o fôlego, um verdadeiro balé de naves e satélites. No final da década de 1960, o espaço ainda era um mistério, pois pouco se sabia além da lendária frase de Yuri Gagarin de que a Terra era azul. Muito do filme é pura extrapolação, assim como o título sugere. “2001”, por exemplo, não se refere especificamente ao ano, mas ao início do século XXI, quando o espaço passaria a ser conquistado pelo ser humano – e, convenhamos, estamos cada vez mais próximos desta realidade.

Quando a história avança, entramos na narrativa que conduz (para) a essência do filme. Dave Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) estão a caminho de Júpiter, mas desconhecem o real significado da missão. Hal nos é apresentado como um robô tão humano que há um sentimento de empatia por ele, sendo possível até, enquanto sua memória é resetada, sentir pena a cada pedido implorando por misericórdia. Ele admite ter medo, um sentimento tão humano (em “Alien: O Resgate”, Bishop revela que o fato de ser uma máquina não quer dizer que ele não tema pela própria vida) que faz com que nos questionemos quem é o verdadeiro vilão ali. Ambos, Bowman e Hal, estão respondendo a estímulos naturais.

Mas há mais, antes do trágico desfecho de Hal, quando os detalhes de como as coisas funcionam no espaço ganham destaque. Não apenas a gravidade (e suas possibilidades), mas o silêncio total do lado de fora da nave, a angústia de não saber o que está acontecendo, a imensidão claustrofóbica, a sensação de isolamento, principalmente ao nos darmos conta do quão distante estamos da Terra… tudo criado com requintes de preciosismo pelo diretor para passar o máximo de realismo e oferecer uma verdadeira experiência audiovisual.

Estabelecido tudo o que o longa precisava nos mostrar – dos conceitos básicos aos mistérios envolvendo o monólito -, enfim chegamos a Júpiter e a viagem que ultrapassa a nossa própria dimensão. Ali, Bowman transcende sua própria existência, onde presente e passado já não importam mais. Talvez esteja sendo observado em seu novo cativeiro, talvez seja um prisioneiro, ou simplesmente passe a coexistir numa nova realidade. Fato é que Kubrick nos oferece a possibilidade de interpretar seu próprio longa, sendo exatamente assim que ele conclui sua obra. A criança cósmica, seja o próximo passo da evolução humana ou não (afinal, aqui pouco importa o que o livro tenta nos explicar), é a conclusão que retorna ao início do filme. Somos a consequência dos acasos (e ironias) da nossa própria evolução.

Independente de qual seja a sua relação com “2001: Uma Odisseia no Espaço”, o longa merece um olhar especial. Ele exige um espectador ativo e contemplativo. Trata-se uma obra peculiar e, embora cansativo num primeiro momento, é instigante e crítico em relação a diversos temas. A ficção científica deve sua própria relevância a este filme. E a nós, resta uma obra que sobreviveu e continuará assim por vários anos. Uma odisseia cinematográfica completa.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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