Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Loop temporal: a repetição leva à perfeição?

Versátil, estrutura de narrativa que se baseia na repetição de acontecimentos é uma estratégia diferente e criativa para aprofundar e desenvolver personagens.

Imagine o seguinte: você acorda atrasado para ir para a escola ou para o trabalho, não consegue tomar o seu café da manhã, toma um tombo ao correr para pegar o ônibus e acaba perdendo, o que lhe faz chegar ainda mais atrasado aonde precisa ir. Na escola, a matéria do dia é maçante e não desperta o seu interesse, enquanto no trabalho, o seu chefe cobra os relatórios da semana passada, ao mesmo tempo em que te pede mais um montão de tarefas. O self service da cantina ou do restaurante não tem o seu prato predileto, muito menos uma sobremesa chamativa. Após a tarde se arrastar, você volta para casa no ônibus/metrô lotado, pega uma chuva pois, na pressa, esqueceu de levar o guarda chuva, e decide ir a academia outro dia, devido ao cansaço. Depois de esquentar o que sobrou da comida de ontem no microondas, resolve ir dormir, pensando que, apesar do dia ruim, pelo menos você está um dia mais próximo fim de semana.

Entretanto, ao acordar você se dá conta que o novo dia parece bem semelhante ao anterior. Não só isso, mas ele é idêntico: você está preso em um “time loop” (ou loop temporal), em que os mesmos acontecimentos ocorrem e as pessoas dizem as mesmas coisas. Essa é a ideia por trás dessa estrutura de narrativa, popularizada pelo nome “Dia da Marmota”. A pessoa vive o mesmo dia, ou o mesmo momento, infinitamente, sem conseguir sair dele. O artifício, que é a base do thrillerA Morte Te Dá Parabéns”, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (12), já foi utilizado em outros gêneros e proporcionou algumas obras memoráveis. O Cinema com Rapadura montou uma lista com alguns bons exemplos de filmes que utilizam esse artifício.

O Feitiço do Tempo

Mas o que é, afinal, o “Dia da Marmota”? O termo (em inglês, “Groundhog Day”) faz referência a uma festa celebrada na pequena cidade de Punxsutawney, localizada nos Estados Unidos. Anualmente, no dia 2 de fevereiro, os habitantes do lugar repetem uma velha tradição para descobrir se a primavera se aproxima ou se o inverno ainda irá durar mais algumas semanas. E quem determina isso é uma marmota: após o seu período de hibernação, caso o animal saia de sua toca e encontre um tempo nublado, é sinal que o inverno terminará cedo. Entretanto, se o dia estiver ensolarado, a marmota irá se assustar com a própria sombra e voltará para a toca, indicando que o inverno ainda ficará por mais seis semanas.

O dia ganhou popularidade com o lançamento de “O Feitiço do Tempo”, longa de 1993 estrelado por Bill Murray e Andie MacDowell. Na trama, o repórter Phil Connors (Murray) vai até a cidade para cobrir o evento. Pretendendo ir embora o mais rápido possível do lugar, ele inexplicavelmente fica preso no tempo, condenado a vivenciar para sempre os eventos daquele dia.

O filme, dirigido por Harold Ramis (“Os Caça-Fantasmas”), é um clássico da Sessão da Tarde e conquistou uma enorme base de fãs, tornando-se uma das comédias mais queridas da década de 90. O longa se destaca por propor um estudo de personagem diferente. Se, no início do filme, Phil Connors é um personagem arrogante, amargo e egocêntrico, as constantes repetições de acontecimentos o transformam em uma pessoa melhor, mais altruísta. No decorrer da trama, Phil entende que pouco importa se suas ações não terão impacto no outro dia, mas sim que, ao menos naquele dia, ele faça a diferença e torne a vida das pessoas ao seu redor mais felizes. A ótima atuação de Bill Murray e o fato do filme ser uma comédia (com boas sacadas e um humor que não cansa), e não uma ficção científica, são outros elementos que tornam a obra tão especial.

Corra, Lola, Corra

Em “Corra, Lola, Corra”, o loop temporal encontra a urgência. Manni (Moritz Bleibtreu) perde uma sacola com 100 mil marcos, que deveria ser entregue a um criminoso perigoso. Desesperado e tendo apenas 20 minutos para resolver a situação, ele liga para a namorada, Lola  (Franka Potente), que vê como única solução pedir ajuda para seu pai (Herbert Knaup), que é presidente de um banco. Lola então sai em uma corrida desesperada, onde suas ações afetam a vida de quem encontra e altera o desfecho da trama.

A edição eficaz que proporciona boa dinâmica a obra, aliada aos cortes rápidos e de caráter desenfreado do diretor Tom Tykwer (“Negócio das Arábias”), são elementos que fazem com que o longa prenda a atenção com facilidade. A atmosfera de urgência dá uma gravidade maior as ações tomadas por Lola, e o texto mostra como uma ação diferente ou uma coisa dita a alguém, podem alterar completamente a vida da pessoa. A boa atuação de Franka Potente e a trilha sonora com músicas eletrônicas aceleradas (bem características dos anos 90, por sinal) são outros bons pontos da obra, no que deve ser o único filme da lista em que os personagens não percebem que estão em um loop temporal.

Como se Fosse a Primeira Vez

Dá para dizer que “Como se Fosse a Primeira Vez” apresenta um “loop temporal psicológico”, uma vez que a repetição diária em que a pessoa se encontra é decorrente da perda de memória recente que Lucy (interpretada por Drew Barrymore) apresenta. Enquanto existe um grande esforço de seu pai e amigos para criarem a ilusão de que todos estão vivendo aquele dia pela primeira vez, Henry (Adam Sandler), um veterinário paquerador que se apaixona perdidamente pela moça, tenta de variadas formas conquistá-la. Todos. Os. Dias.

Tudo bem, hoje se faz piada desse humor pastelão dos filmes do Adam Sandler, e mesmo que “Como se Fosse a Primeira Vez” se enquadre na categoria, o filme tem boas qualidades. A necessidade de Henry ter que se reinventar, diariamente, para arranjar novas formas de conquistar Lucy, é ao mesmo tempo bonita e hilária, conseguindo divertir e permitindo que você conheça mais sobre aqueles personagens. Há espaço, também, para uma pegada mais dramática, já que temos vislumbres do quanto a descoberta de sua condição afeta Lucy e evidencia como aquela rotina de ilusão é desgastante para ela e as pessoas mais próximas a ela. O filme se destaca justamente por inverter a lógica da temática, fazendo com que o ambiente e as pessoas se ajustem a pessoa afetada, ao invés do sujeito se deparar com o mesmo cenário consecutivamente.

Crimes Temporais

Quanto menos se souber do plot de “Crimes Temporais” (“Los Cronocrímenes” no original), acredito que melhor será a experiência de ver o filme, tanto que é melhor nem colocar o trailer aqui. Basicamente, um casal acaba de se mudar para uma nova casa. Enquanto estão se adaptando à nova rotina, o marido, Hector (Karra Elejalde), presencia uma cena incomum que o levará a situações cada vez mais complexas e catastróficas.

A obra, dirigida pelo espanhol Nacho Vigalondo (“Colossal”), tem  um orçamento mínimo e, por não se tratar de uma produção hollywoodiana, é desconhecida por muita gente. A trama aparenta ser simples a princípio, mas à medida que se desenvolve, proporciona uma experiência mind blowing, misturando loop temporal com viagem no tempo e paradoxos. Tal mistura poderia fazer com que o roteiro se perdesse facilmente e criasse uma história desconexa, mas o texto consegue amarrar todos os pontos e gerar um resultado final agradável e surpreendente.

Contra o Tempo

A ficção científica dirigida por Duncan Jones (“Warcraft: Entre Dois Mundos”)  pode não ser das mais conhecidas, mas trabalha a temática de forma interessante. Na trama, O soldado Colter Stevens (Jake Gyllenhaal) faz parte de um programa experimental do governo, que o faz acordar no corpo de outra pessoa. Em um espaço de apenas oito minutos, ele deve encontrar o responsável pela detonação de uma bomba em um trem de passageiros, impedindo que uma catástrofe aconteça.

O filme pode ter uma premissa um pouco exagerada, além do fato de que alguns conceitos de seu universo, a princípio, não fiquem tão claros e compreensíveis. Entretanto, a obra tem suas qualidades. A condução que Jones proporciona a obra tem uma boa dinâmica, tornando os 90 minutos de fita bem proveitosos. A construção dos personagens é outro lado positivo, tornando-se fácil se afeiçoar a eles, o que possibilita atuações melhores tanto de Gyllenhaal como de Vera Farmiga. Assim como em “Lunar”, um dos grandes méritos de Duncan Jones é o modo como ele explora e trabalha as emoções de seus protagonistas, atribuindo-lhes uma boa dose de carga dramática.

Questão de Tempo

Bem, talvez seja um pouco de trapaça colocar “Questão de Tempo” nesta lista, já que ele não é um filme típico de loop temporal… Mas ele flerta com a estrutura em alguns momentos. Na trama, Tim (Domhnall Gleeson) descobre que tem um poder para voltar no tempo, habilidade que todos os homens de sua família possuem. Ele não pode mudar acontecimentos da História, mas pode alterar qualquer acontecimento de sua vida. Tim, então, decide utilizar o poder para fazer sua vida melhor. E também para arranjar uma namorada. Quando ele conhece Mary (Rachel McAdams), ele usa sua habilidade a exaustão para desenvolver o relacionamento perfeito com a moça, aprendendo com seus erros e voltando no tempo para corrigi-los e ter uma relação melhor.

Dirigido e roteirizado por Richard Curtis (“Um Lugar chamado Notting Hill”), a obra é uma interessante mistura entre viagem no tempo e comédia romântica, cheia de acertos. O típico humor britânico funciona e proporciona boas piadas e situações, sendo que o poder de Tim é explorado de diversas maneiras para proporcionar cenas engraçadas. A química entre Gleeson e McAdams funciona, rendendo duas boas atuações, além do trabalho  Bill Nighy, outro ponto positivo do elenco. O que torna o longa uma das melhores comédias românticas da década é que ela vai bem além de ser apenas mais uma do gênero, mas, ao ser capaz de fazer rir e de emocionar, o roteiro explora a importância da relação com a família e de aproveitarmos cada momento de nossas vidas.

No Limite do Amanhã

Baseado na light novel All You Need is Kill”, de Hiroshi Sakurazaka, o longa “No Limite do Amanhã” acompanha uma Terra em uma guerra contra os mímicos, raça alienígena invasora de nosso planeta e que parece ser invencível, uma vez que ela é capaz de antecipar os movimentos e táticas pensados pelas tropas humanas. Enquanto a derrota parece ser cada vez mais iminente, o major Bill Cage (Tom Cruise), após ser acusado de deserção e ser rebaixado a soldado, é enviado para o fronte de luta na França. No campo de batalha, após se envolver em um acidente com um alienígena, ele morre e acorda novamente, entrando em um looping temporal no qual retorna sempre para um dia antes da grande batalha. Em posse desse “poder”, ele acaba treinando, diariamente e infinitamente, pela melhor soldado do Batalhão das Forças humanas, a heroína Rita (Emily Blunt), enquanto procuram uma forma de reverter a vantagem dos mímicos.

Assim como em “O Feitiço do Tempo”, a temática de repetição da obra serve como artifício da narrativa para transformar o seu protagonista, que deixa de ser alguém egoísta para se tornar uma pessoa disposta a realizar sacrifícios. Apesar de ter um pé mais afundado na ficção científica, o filme abre espaço para o humor, ao mesmo tempo que também tem um pouco da linguagem dos videogames – afinal, quem nunca ficou repetindo uma mesma fase, inúmeras vezes, até conseguir passá-la? É até curioso pensar como o personagem de Cruise não foi levado À loucura, já que as repetições e fracassos contínuos são inúmeros a ponto do personagem conseguir decorar os mínimos detalhes da operação. O roteiro pode não ser dos melhores – o final, em especial, é um tanto confuso -, mas o filme consegue divertir e ter uma ação satisfatória, além de boas atuações de Tom Cruise, Emily Blunt e Bill Paxton.

Por fim, a estrutura do loop temporal se prova, acima de tudo, ser versátil. Com menos chances de criar um nó na cabeça do espectador (além de um furo de roteiro) do que viagens no tempo, o artifício pode ser utilizado em ficções científicas, dramas, comédias, suspenses e terror, tornando-se uma forma diferente de entender e aprofundar os principais personagens em uma obra, valendo-se da repetição para mostrar como uma decisão pode mudar o curso da história.

E você, gosta desta temática? Conhece outros filmes com a mesma pegada que não foram citados na lista? Deixe suas opiniões nos comentários!

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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