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Colunas   quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022

O Livro de Boba Fett | Guerra se aproxima em um sexto episódio carregado de reencontros

Em um episódio inflado, "O Livro de Boba Fett" enfim começa a ganhar contornos do que pretende ser, mas ainda sente falta de seu protagonista.

Atenção: este texto contém spoilers até o sexto episódio de “O Livro de Boba Fett”. Siga por sua conta e risco.

“Por favor, fale livremente.”

O sexto episódio de “O Livro do Mandaloriano” veio carregado de surpres… “O Livro de Boba Fett“, aliás, perdão. Continuando, ele veio carregado de surpresas. Do Deserto Vem Um Estranho trouxe retornos aguardados, além de vários outros inesperados para os fãs de “Star Wars“. Cada um deles é um alento no coração de um fã, mas não há como ficar com uma pulga atrás da orelha. Não deveríamos passar um pouco mais de tempo como o personagem que dá nome à série, Boba Fett (Temuera Morrison)?

Enfim, o primeiro retorno do capítulo está, na verdade, atrás das câmeras. A direção é de Dave Filoni, criador do chamado “Filoniverso” de “Star Wars”, desde as animações “The Clone Wars” e “Rebels“. Junto a Jon Favreau, ele chefia essa nova fase da franquia, e vem fazendo a transição da animação para live-action sem nenhum problema. Talvez ninguém conheça esse universo como ele, que é tido como o herdeiro natural de George Lucas. Um contador de histórias tão envolvente quanto o mestre, mas um diretor ainda melhor (com todo respeito a George, claro).

O episódio em si começa com o retorno de Cobb Vanth (Timothy Olyphant). Os ventos do conflito são sentidos em Mos Pelgo quando o xerife flagra um grupo de Pykes carregando especiaria. Vanth é um homem da lei, mas também prioriza a segurança dos habitantes da cidadezinha; ele está disposto a fazer vista grossa desde que os Pykes sumam e levem as drogas junto. Não é o que acontece, e os criminosos logo conhecem o saque mais rápido desse lado do Mar de Dunas. Infelizmente, essa não é a última vez que o xerife terá que duelar para manter a paz em Mos Pelgo…

A escola Jedi

Longe de Tatooine, em um planeta com mais verde e azul, o Mandaloriano (Pedro Pascal) encontra a academia Jedi de Luke Skywalker (Mark Hamill) para ver Grogu e entregar seu presente. Ou melhor, o que ainda vai se tornar a academia. O local está em construção por um grupo de droides aracnídeos chefiados por R2-D2, e parece que vai levar muito tempo até ficar pronto.

Mas o Mando acaba revendo outra pessoa em vez de seu enjeitado. Ele conversa com Ahsoka Tano (Rosario Dawson), que o relembra da seriedade do compromisso do treinamento Jedi, e de como, por isso, talvez seja melhor se ele não vir Grogu. Apesar de frustrado, Din Djarin quer o melhor para a criança e aceita deixar seu presente, uma cota de malha de beskar, com Ahsoka, que mais tarde o entrega a Luke.

O treinamento de Grogu também aparece, com uma série de referências a “O Império Contra-Ataca” e a sequência em Dagobah, de Luke correndo com a criança em uma mochila para mostrá-la agilidade até uma variação da icônica frase “faça ou não faça; tentativa não há“. Uma revelação interessante é que a espécie de Grogu realmente não consegue andar rapidamente ou correr, dependendo de pulos e piruetas para se locomover agilmente — isso fica claro durante o exercício com a esfera de treinamento. A criança também ouve pela primeira vez o nome de Yoda e relembra a noite do Grande Expurgo Jedi, visto em “A Vingança dos Sith“. Durante o flashback, Grogu lembra de ver a 501ª Legião de clones exterminar os Jedi no templo em Coruscant. A divisão era comandada por Anakin Skywalker (Hayden Christensen), pai de Luke e, à época, já conhecido como Darth Vader.

O final do episódio dá uma mostra do motivo pelo qual a nova Ordem Jedi de Luke Skywalker não ter dado certo. O mestre revela a Grogu que o Mandaloriano veio visitá-lo e deixou um presente, mas que a criança terá que escolher: ou a cota de malha de beskar, ou o antigo sabre de luz de Yoda. Ele será ou um enjeitado mandaloriano, ou um Padawan Jedi. Uma escolha que uma criança de 50 anos como Grogu não tem maturidade para fazer, mas que lhe é dada mesmo assim.

“Porque, Grogu, um pequeno espaço de tempo para você é o tempo de uma vida para os outros. Qual você escolhe?”

Luke enxerga Grogu como um “bebê Yoda”, literalmente, e já lhe impõe (mesmo sem perceber) o fardo de ser como o velho mestre. Sua fala sobre como a criança “está mais lembrando do que aprendendo” também é verdadeira em relação a ele, muito mais lembrando de como foi treinar com Yoda em Dagobah e repetindo cegamente os mesmos ensinamentos que teve do que de fato tentando acrescentar algo novo, para uma nova geração de Jedi em uma nova galáxia.

Guerra deflagrada

De volta a Tatooine, o Mandaloriano logo se encaminha ao antigo palácio de Boba Fett para participar da reunião antes da guerra contra o Sindicato Pyke iniciar. A turma toda está lá: Fett, Fennec Shand (Ming-Na Wen), Drash (Sophie Thatcher) e os mods, o Wookiee Krrsantan e o mordomo do prefeito Mok Shaïz de Mos Espa (Dave Pasquesi).

Apesar de sabermos que o grupo sabe lutar e derrotaria até mesmo um número razoável de adversários, os Pykes têm muito mais guerreiros, a ponto de conseguirem tomar o planeta todo de uma vez. O jeito é conscientizar a população das cidades do que vem por aí caso o Sindicato de fato tome conta de Tatooine. Talvez seja preciso que até civis peguem em armas para defender suas terras, já que o planeta desértico não tem governo e a Nova República, apesar de patrulhar a órbita, não garante a segurança na superfície.

É essa a mensagem que o Mando leva a Mos Pelgo, que agora se denomina orgulhosamente Vila Livre. De primeira, Cobb Vanth e a população recusam entrar em qualquer tipo de conflito com quem quer que seja, já que lutaram muito para não depender de ninguém e viver em paz. Mas logo que o Mandaloriano vai embora, uma silhueta aparece no horizonte, e o destino da cidadezinha está prestes a mudar…

Do outro lado do planeta, em Mos Espa, uma dupla de Pykes adentra o Santuário de Madame Garsa Fwip (Jennifer Beals). Eles não querem ser servidos, apenas sentam em uma mesa, deixam um camtono (um recipiente para guardar objetos) e vão embora. Madame Garsa não tem nem tempo de reagir, pois o objeto logo explode o local inteiro. O Santuário era ponto de encontro para o submundo criminoso, um nexo por onde tudo passa antes de acontecer. Não mais. A guerra por Tatooine começou.

O estranho do deserto

A silhueta se aproxima de Mos Pelgo devagar, com passos calmos e sem pressa. Seu sobretudo e chapéu fazem lembrar Angel Eyes, personagem de Lee Van Cleef no faroeste “Três Homens em Conflito“, de Sergio Leone, uma das maiores inspirações de “Star Wars”. Aqui o indivíduo não é humano, mas um alien da espécie Duros, de aparência inquietante com pele azulada, sem nariz e olhos grandes e vermelhos.

Cobb Vanth percebe que algo ruim está para acontecer e manda todos se esconderem, até seu delegado. Ele indaga ao estranho o que quer em Mos Pelgo, e logo fica claro que o pistoleiro está a serviço do Sindicato Pyke. Esse tipo de encontro costuma ser resolvido apenas pelo saque de armas em um duelo, e esse estranho é conhecido por ter o saque mais rápido da galáxia. A sorte do xerife é seu delegado interromper o duelo e prender a atenção do pistoleiro. O jovem acaba morto, mas Vanth sobrevive com um tiro no ombro.

O estranho pode até não ter revelado seu nome, mas nós o sabemos: Cad Bane. É o responsável pela marca que Boba Fett carrega na testa de seu capacete… Única vez que um tiro de blaster danificou aço beskar. Nem os mandalorianos estão a salvo.

Curiosidades

– Cobb Vanth é um personagem emblemático para “Star Wars”: é o primeiro a fazer a transição dos livros para o live-action. Ele já havia aparecido nos interlúdios da trilogia Marcas da Guerra, e sua história era um pouco diferente. A ordem dos acontecimentos, no entanto, indica que os livros e as séries se alternam. Ou seja, em breve podemos ver um filhote de Hutt em Vila Livre sob os cuidados de Malakili, antigo domador de feras de Jabba the Hutt, e os Tusken se aliarem à cidadezinha. Isso se as séries permanecerem fiéis aos livros, claro. O caminho já foi aberto pelos flashbacks de Boba Fett.

– A estrutura da cabana principal da academia de Luke lembra a vila Jedi em Ahch-To, vista em “Os Últimos Jedi“. Não há registros sobre ele ter visitado o planeta a essa altura da história da galáxia.

– O papel de Ahsoka na continuidade de “Star Wars” vai cada vez mais se assemelhando ao dos “wayseekers” (algo como “desbravadores”). São uma classe de Jedi que percorre a galáxia sem base definida e que não seguem tão à risca a doutrina religiosa, mas que mantém o princípio altruísta acima de tudo para tentar entender até onde os Jedi poderiam ir. Ela seria a segunda wayseeker da franquia depois de Orla Jareni, da série literária The High Republic. Seus sabres de luz, coincidentemente ou não, também são brancos.

– No flashback de Grogu, o clone que lidera a 501ª Legião tem uma seta virada para baixo em seu capacete. Isso e seu nome, Appo, são referências à animação “Avatar: A Lenda de Aang“, na qual Dave Filoni trabalhou antes de ser recrutado por George Lucas nos anos 2000.

– O momento em que Luke apresenta a cota de malha de beskar e o sabre de luz de Yoda para Grogu é uma referência a “Lobo Solitário – A Espada da Vingança“, clássico filme de samurai. No filme, o ronin protagonista apresenta uma escolha similar a uma criança: uma espada ou uma bola. A primeira representa a vida de guerreiro, enquanto a segunda simboliza uma vida ordinária.

– Além da referência a “Lobo Solitário“, a forma com que Luke apresenta a Grogu a escolha que ele terá que fazer é uma referência ao método real pelo qual um novo Dalai Lama é definido. São apresentados uma série de objetos à criança, normalmente brinquedos. Se o que ela escolher tiver pertencido ao Dalai Lama anterior, isso é visto como prova de que a criança é sua reencarnação, tendo “lembrado” do objeto de sua vida anterior.

– Luke ter o sabre de luz de Yoda é um retcon da história contada nos quadrinhos Darth Vader (2017), de Charles Soule. A primeira edição mostra o Vizier Mas Amedda destruindo publicamente os sabres de luz dos Jedi mortos no templo de Coruscant. Mesmo Yoda não estando no local quando ocorre o expurgo, seu sabre é destruído junto com os demais. A menos que ele tivesse dois.

– Importante notar que Max Rebo, o tecladista Ortolan que se apresentava no Santuário, não está lá quando o local explode. É a segunda vez que ele escapa de um atentado dessa forma – a primeira foi a explosão da barcaça de Jabba the Hutt causada por Luke e sua turma em “O Retorno de Jedi“.

– No caminho para Vila Livre, o Mandaloriano vê um Sandcrawler com um crânio de dragão krayt amarrado. O bar da cidade também tem um esqueleto como decoração nas paredes e teto. Ambos pertencem ao dragão visto no episódio O Xerife, de “The Mandalorian“.

– Cad Bane é talvez o caçador de recompensas mais perigoso da galáxia. Ele é imbatível em duelos, já matou Jedi durante as Guerras Clônicas, continuou ativo na época do Império e agora retorna. Seu duelo com um jovem Boba Fett pelo posto de principal caçador de recompensas da galáxia deveria ter sido mostrado na animação “The Clone Wars”, que tinha um excelente núcleo sobre o submundo do crime. Infelizmente, a série acabou cancelada antes que pudéssemos ver, mas a pré-visualização existe.

Julio Bardini
@juliob09

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