Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 04 de janeiro de 2012

Destaques do cinema em 2011 após um ano pouco expressivo

Retrospectiva de alguns filmes que estrearam ano passado no Brasil.

Todos os anos, listas e mais listas de melhores e piores do ano aparecem, sejam relacionadas a cinema, moda, música, arte em geral, etc. Elas são importantes para darem os devidos méritos, mas não deixam de ser bastante íntimas. Eleger os 10 melhores filmes do ano é uma tarefa prática e que segue bem de acordo com o gosto de quem fez tal ranking. Não sou muito fã de listas de cinema por diversos motivos. Além do gosto pessoal e das afinidades com os filmes, inúmeras produções estreiam anualmente e é quase impossível assistir a todas.

Nada mais injusto do que ignorar um filme iraniano, por exemplo, se você não chegou a vê-lo, seja por interesse ou por oportunidade, e dar lugar a outro mais popular. Nem mesmo os jornalistas culturais ou críticos de cinema conseguem ver tudo que estreia, ainda mais com os problemas de distribuição que o Brasil enfrenta e as poucas cópias de determinados filmes que circulam nas salas de projeção. Ou até mesmo pela falta de tempo para ver tudo. Não é porque somos cinéfilos que não temos outras obrigações cotidianas.

Por tudo que apontei anteriormente e após alguns anos trabalhando diretamente com cinema, decidi selecionar por meio de outros critérios os principais destaques de 2011, um ano absurdamente fraco em relação aos anteriores, não só de qualidade cinematográfica, mas também de presença de público e arrecadação em solo americano. Foi um ano complicado para os grandes estúdios e principalmente para as premiações, quase sempre sem muitos favoritos.

“Incêndios”

Como toda arte, dentro de um processo adequações históricas, tecnológicas e de experimentação, o cinema se configura cada vez mais como entretenimento. Obviamente essa característica não deve ser ignorada ao apontar os destaques do ano, ainda que grande parte desses filmes sequer passariam perto de ganhar algum prêmio. É importante que o cinema produza para o lazer, agregue valores sociais e familiares, reúna as pessoas e desenvolva uma frequência do público. Mas a arte em si não deve se perder. A boa realização técnica, em todos os seus desmembramentos, é essencial a qualquer película. Cinema não deve ser feito de qualquer jeito nem para qualquer pessoa. O espectador é dotado de inteligência e precisa desenvolver suas exigências ao assistir a uma obra.

Dessa forma, ao explorar a lista de estreias que aconteceram em 2011 no Brasil (calendário diferente do circuito americano), acabei constatando que o ano foi ruim como a impressão que me acometeu em dezembro, mas não por completo. Além de algumas poucas ótimas experiências cinematográficas, com destaque para o primeiro semestre, que reuniu alguns indicados ao Oscar, outras medianas cumpriram seu objetivo. Não que todas serão preservadas para a posterioridade, que se configuraria em uma obra de arte legítima, mas que, em um ano confuso, devemos mostrá-las.

Algumas ausências devem ser notadas na seleção abaixo, mas reuni apenas os filmes que cheguei a assistir. Nada mais justo, concordam? Assim, das películas que passaram por mim, aponto com tranquilidade “Incêndios”, de Denis Villeneuve, como o mais arrebatador que tive o prazer de assistir em 2011. Realizado em 2010 e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a produção canadense é um exercício cinematográfico único, além de performado com grandeza. O longa perdeu a estatueta para o ótimo “Em Um Mundo Melhor”, da quase sempre impecável Susanne Bier.

“O Discurso do Rei” e “Reencontrando a Felicidade”

O ano começou com o lançamento atrasado de algumas obras, que sempre chegam aos cinemas brasileiros próximos das maiores premiações, o Globo de Ouro e o Oscar. O grande destaque não só nessas duas premiações, mas como em outras tantas foi “O Discurso do Rei”, de Tom Hooper. Incompreendido por alguns que não enxergam nada demais nesse drama histórico, o longa é uma deliciosa experiência audiovisual, bem realizado em todos os aspectos técnicos.

Os mesmos elogios servem para “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky e sua Natalie Portman. O filme segue a nova tendência que mistura traços de filmes “de arte” com uma pitada de blockbuster, bem ao estilo “A Origem”, e que agrada a gregos e troianos. Da mesma leva temos o independente “Inverno da Alma”, que jogou Jennifer Lawrence aos grandes estúdios e alavancou sua carreira, em um drama intenso e psicologicamente violento; e “Reencontrando a Felicidade”, desagradável título nacional para uma obra que se aprofunda em uma tristeza sem fim, belamente atuada por Nicole Kidman e Aaron Eckhart.

“A Pele Que Habito” e “Melancolia”

Citações memoráveis feitas, hora de apontar os principais destaques do ano pós-Oscar. São aqueles filmes que, se eu tivesse uma lista de Top Favorites, eles estariam lá. Pela ousadia da temática e retrabalho de seu cinema autoral, Pedro Almodóvar levou o público a uma viagem ousada em “A Pele Que Habito”, uma de suas obras mais poderosas (ao lado de “Fale Com Ela”). O polêmico Lars Von Trier nos deu sua contribuição sobre o universo dos depressivos com “Melancolia”, também uma de suas principais colaborações cinematográficas dos últimos anos; assim como fez Terrence Malick ao lançar o controverso “A Árvore da Vida”, embalado por uma trilha sonora magnífica que funcionaria melhor com uma maior objetividade de imagens.

Confrontando os três cineastas anteriores, quase inquestionáveis, trago agora meus preferidos. O iraniano Abbas Kiarostami realizou “Cópia Fiel”, uma obra absurda sobre jogo cênico, relacionamentos e culturas, belamente atuado por Juliette Binoche, cada vez mais linda. Aliás, o cinema iraniano se destacou também com “A Separação”, de Asghar Farhadi, ainda inédito em circuito comercial, mas que desfilou em alguns festivais nacionais, venceu outros tantos pelo mundo e é o favorito para vencer o próximo Oscar na categoria estrangeira.

“Cópia Fiel” e “Balada do Amor e do Ódio”

Tilda Swinton estrelou “Um Sonho de Amor”, de Luca Guadagnino, que mostra a decadência da burguesia italiana e termina com umas das sequências mais lindas do ano. Woody Allen tropeçou algumas vezes antes de lançar o simpático “Meia Noite em Paris” e todo o seu universo fabuloso e artístico. O estudo histórico, visual e doentio de “Balada do Amor e do Ódio”, de Álex de La Iglesia, mostrou a verdadeira face de um palhaço, absurdamente assustador que nem mesmo Christopher Nolan alcançou com o ótimo Coringa em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”.

Foi bom ter de volta o talento de jovens cineastas dentro de uma indústria cada vez mais esmagadora. Duncan Jones realizou “Contra o Tempo”, após sua primeira obra (e obra prima) “Lunar”. Este é um nome para ser guardado, e não somente por ser filho de David Bowie. A cineasta Julie Gavras, filha de um dos mais importantes realizadores da história do cinema, lançou “Late Bloomers – O Amor Não Tem Fim”, uma comédia que ganha pontos principalmente pelas atuações deliciosas de Isabella Rossellini e William Hurt, ainda que Julie tenha mostrado menos tato do que sua obra anterior, a sensível “A Culpa é do Fidel”.

“Não  Me Abandone Jamais” e “Ricky”

Outras duas voltas não podem ser esquecidas. Sofia Coppola trouxe “Um Lugar Qualquer” e deu a Elle Fanning todos os holofotes que ela merece; e Cameron Crowe não teve medo da pureza de “Compramos um Zoológico”, realizando um dos melhores filmes familiares dos últimos anos. Um longa que passou bem timidamente pelos cinemas nacionais foi o drama “Não Me Abandone Jamais”, adaptação visceral de Mark Romanek que reflete, acima de tudo, sobre as ironias da vida. Confesso que ri pouco nos cinemas em 2011 em comédias, mas farei menções honrosas a “Missão Madrinha de Casamento”, de Paul Feig; e “Amizade Colorida”, de Will Gluck, que pelo menos tiveram a decência de trazer bons elencos à vontade em seus papéis e levaram um pouco de diversão aos espectadores.

O cinema francês aparece com um de seus principais representantes, o sempre bittersweet François Ozon. Em 2011, duas de suas obras chegaram aos cinemas nacionais, ambas imperdíveis. “Ricky” finalizou sua maravilhosa trilogia da morte, em uma fábula encantadora sobre um menino que nasce com asas de anjo, enquanto a comédia “Potiche – Esposa Troféu” trouxe a química imperdível da musa Catherine Deneuve e do hilário Gérard Depardieu. Da argentina, impossível não citar “Um Conto Chinês”, do competente Sebastián Borensztein e estrelado pelo querido Ricardo Darín

“Rango” e “Trabalho Interno”

O gênero de animação já teve anos bem melhores, mas em 2011 foi encabeçado de longe por “Rango”, de Gore Verbinski, mesmo após do ótimo desempenho no começo do ano de Sylvain Chomet e seu “O Mágico”, indicado ao Oscar. O musical “Happy Feet 2”, de George Miller, voltou com um visual simplesmente irretocável, ainda que seu roteiro se perca no desenrolar dos conflitos. O spin-off  “Gato de Botas”, de Chris Miller, trouxe todo o gingado e o drama de um dos personagens mais queridos da franquia “Shrek”. A produção “Rio” e sua deliciosa, ainda que estereotipada, visão do Brasil, e “Operação Presente” com a temática batida do Natal, merecem citações especiais.

Enquanto “Planeta dos Macacos: A Origem”, de Rupert Wyatt, surpreendeu com a qualidade desta nova empreitada cinematográfica, outra ficção científica que dividiu opiniões acerca de sua qualidade foi “Splice – A Nova Espécie”, de Vincenzo Natali, outro ótimo registro do ano. Entre os documentários, gênero mais mal tratado na distribuição das cópias nos cinemas brasileiros, pudemos contar com os indicados ao Oscar “Trabalho Interno”, de Charles Ferguson; “Restrepo”, de Tim Hetherington; e “Lixo Extraordinário”, de Lucy Walker e Karen Harley, em trabalhos divergentes, porém belos, de pesquisa e personagens. Aqui não me permito esquecer de citar a volta de Eduardo Coutinho, maior documentarista brasileiro, com “As Canções”.

“X-Men: Primeira Classe” e “VIPs”

Em um ano cheios de adaptações de quadrinhos e heróis que lutam pelo mundo, mas sequer honram os uniformes que vestem, o maior destaque (ironicamente) vai para a nova leitura “X-Men – Primeira Classe”, de Matthew Vaughn, que escondeu as amargas experiências cinematográficas anteriores dos personagens. Devo também citar  “Capitão América – Primeiro Vingador”, enquanto os outros poderiam voltar para as páginas de onde vieram.

O cinema nacional registrou outro ano quase vergonhoso de produção, mas escaparam “VIPs”, de Toniko Melo, mais precisamente pela interpretação de Wagner Moura, e “O Homem do Futuro”, de Cláudio Torres, pelo mesmo motivo. Citarei “O Palhaço” apenas pelo bom trabalho de Selton Mello na cadeira de diretor, mas continuo achando que o longa é bem menos profundo do que realmente aparenta ser. A melhor produção nacional, entretanto, foi “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca, que pude assistir durante o o Amazonas Film Festival. Na mesma ocasião, assisti também ao bem realizado e simpático “La Source Des Femmes”, do romeno Radu Mihaileanu, outro inédito em circuito brasileiro, assim como “Mãe e Filha”, do cineasta cearense Petrus Cariry, grande vencedor do Cine Ceará 2011. Ambos só estreiam em 2012, mas desde já fica o adjetivo “imperdível” para essas duas experimentações lindas do cinema nacional.

“Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2”

A última citação, porém não menos importante, vai para “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2” e seu incrível desfecho para a jornada cinematográfica criada por J.K. Rowling, que participou de 10 anos da vida de inúmeros jovens. O fenômeno cultural do bruxo mais famoso do cinema mostrou como levar aos cinemas uma história inteligente  com diversas nuances aos passar dos anos, valorizando o material original e com produção impecável da Warner Bros. David Yates é o principal responsável pelo sucesso da franquia, mas não vamos esquecer que um dia Alfonso Cuarón nos levou até Azkaban de uma forma inesquecível.

Agora é torcer que em 2012 a inspiração volte aos realizadores que precisam manter o público apaixonado por cinema, por novas experimentações e sensações que o transmita a magia dessa arte que ainda tem tanto a mostrar. Sinto falta de ideias originais, de menos adaptações e mais espaços para os novos realizadores tão talentosos. Que o cinema seja mágico de todas as suas formas, gêneros, cores e sensações!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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