Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 09 de agosto de 2017

O mundo imaginário de Luc Besson: as características, influências e escolhas que guiaram sua carreira

Por que Besson continua sendo um cineasta fora do grande circuito, mesmo com grande orçamento e reconhecimento?

Com mais de 30 anos de carreira e 12 prêmios na bagagem, Luc Besson é um daqueles cineastas que, com certeza, deixou a sua marca por aí. Seu nome pode até passar despercebido por alguns de nós, mas, quem é que nunca ouviu falar em filmes como “O Quinto Elemento”“O Profissional” ou “Lucy”?

Ficção científica, muitos efeitos especiais, uma mistura do real com um mundo imaginário mirabolante… Tudo isso em histórias que questionam, sutilmente, aspectos da existência humana. É só assistir a uma ou duas de suas produções para perceber esses elementos, tão característicos do seu jeito de enxergar o mundo e o cinema.

Amado por uns e detestado por outros, Besson é um dos heróis do cinema de massas não hollywoodiano. Mesmo tendo gasto um valor de € 197 milhões – o equivalente a US$ 210 milhões – na produção de seu novo longa, ele ainda é visto como um cineasta alternativo, um hipster fora do circuito mainstream e comercial.

O Cinema com Rapadura aceitou o desafio de compreender um pouco melhor essa figura controversa e, para isso, vamos passear um pouco por suas excelentes obras.

Primeiros passos

Filho de um casal de instrutores de mergulho, Luc Besson nasceu em 18 de março de 1959 em Paris, na França, mas, passou grande parte da sua infância na Grécia. Foi lá que teve seu primeiro contato com o mar e viu na carreira de seus pais a profissão de seus sonhos, tendo praticado mergulho até os 17 anos, quando um acidente o obrigou a parar com as atividades aquáticas.

Na busca por uma nova ocupação, retornou à Paris, onde descobriu em si a vontade de criar histórias. Besson cursou cinema nos Estados Unidos, o que, acabaria refletindo em seu trabalho. Após três anos como assistente de direção, decidiu se aventurar em suas próprias histórias e produziu o filme “Le Dernier Combat” (1983), que já apresentava alguns elementos característicos do diretor, como a temática de ficção científica.

A película, que recebeu uma indicação ao prêmio César de melhor primeiro filme, se passa em um futuro pós-apocalíptico, no qual poucos seres humanos continuam vivos e a sobrevivência se torna uma tarefa árdua. Aqui, o clima de suspense se mistura com a fantasia em um mundo futurístico, algo recorrente nas produções de Besson.

Mas foi com “Subway” (1985) que o diretor viria a se destacar no cenário internacional. A trama acompanha Fred (Christopher Lambert, de “Ave César!”), um ladrão que foge para o metrô de Paris e acaba por encontrar uma espécie de comunidade, com uma cultura e cotidiano próprios, vivendo no subterrâneo.

Os enquadramentos no metrô de Paris apresentam outra característica muito própria do universo do autor: a preocupação com o visual, como se as cores e os efeitos especiais pudessem levar o espectador para uma outra realidade, aguçando sua criatividade. Outro destaque são as cenas de perseguição cheias de energia e tensão, características que podem ser vistas em alguns de seus trabalhos, como “Táxi” (2004) e “Busca Implacável” (2008).

Muitos filmes, um só estilo

Luc Besson abraçou a França não só como o seu país de origem ou o local de filmagem de seu primeiro longa de sucesso, mas, também, tomou a cultura como uma inspiração visível. A preocupação estética, as cores sóbrias e a busca por elementos visuais que impressionam encontram muito de sua origem nas artes e na própria arquitetura francesa.

A novidade está na maneira como o diretor trabalha esses fatores em suas obras, partindo dos efeitos especiais e do alto uso de tecnologia, o que lhe permite criar realidades inusitadas e cheias de símbolos imaginários. Esse estilo de cinema e suas técnicas não são comuns da França, caracterizando uma influência nítida do modelo americano em suas obras. Besson aprendeu com os filmes cults franceses, mas também com as produções hollywoodianas e todo o seu arsenal.

Seria como encontrar o melhor de dois mundos, porém, para muitos, isso torna seus filmes difíceis de serem classificados. Seriam eles parte do cinema europeu ou do cinema americano?

“Imensidão Azul” (1988) expressa bem essa confusão. O longa acompanha um mergulhador italiano e tem como inspiração o antigo sonho de profissão do cineasta, assim como “Atlantis” (1991). A versão original do filme, indicada a sete categorias do prêmio César, é um dos filmes franceses a alcançar maior destaque no país, tornando-se bastante elogiado. Mas não foi bem assim que aconteceu nos Estados Unidos.

Ao chegar no país, o longa sofreu diversas alterações e dividiu as opiniões da crítica, que não gostou do novo final e nem da nova trilha sonora. Tudo parecia muito previsível e a película se manteve desacreditada até o seu lançamento em DVD, quando chegou para os americanos no formato original.

O estranho caso de amor e ódio à Luc Besson

Se existe algo que ninguém pode criticar Besson é a alta dose de criatividade que dispõe em seus filmes. “Nikita: Criada Para Matar” (1990) nos prova isso. A história mantém o seu foco em uma personagem feminina forte e complexa, um diferencial no genêro de ação policial. O cineasta também adota esse padrão em “Lucy” (2014). Em ambos os casos, acompanhamos histórias de violência que se mesclam com ficção científica e suspense, questionando as normas civilizatórias e sociais dos indivíduos por meio de elementos já comuns em seus filmes: muitos efeitos especiais, cenas compostas de tensão e um apelo visual que choca o espectador, compensando a previsibilidade presente na maioria dos diálogos.

Essa realidade também é muito bem trabalhada em “O Profissional” (1994). Nele, Natalie Portman (de “Jackie”) vive a jovem Mathilda que, aos 12 anos de idade, convive com um pai abusivo, em meio à drogas e violência. Após a sua família ser assassinada por um vizinho, ela sente a necessidade de vingá-los, mergulhando em uma trajetória semelhante à de Nikita, em um mundo que beira a distopia e o caos.

Outro filme importante na trajetória de Luc Besson é “O Quinto Elemento” (1997). A trama tem como base a HQ francesa “Valérian, agente espaço-temporal”, escrita por Pierre Christin e Jean-Claude Mézières em 1967 e que, mais tarde, inspiraria o diretor a transformá-la em um segundo filme. Com Bruce Willis (de “Fragmentado”) no papel principal, o filme se passa no século XXIII e acompanha um motorista de táxi que se une a uma mulher para encontrar o quinto elemento e, assim, salvar todo o planeta Terra.

O mais interessante a respeito dessa película é que a sua história começou a ser escrita quando Besson tinha apenas 16 anos e, talvez por isso, apresenta muitas das características que tornam o seu trabalho tão único: vemos novamente a temática futurística, a ideia de uma ameaça iminente ou um ato violento que modifica toda a realidade, um uso quase exagerado de efeitos especiais e um universo cultural cheio de elementos imaginários, tornando-se verossímil apenas por meio da criatividade do cineasta.

Assim como ocorreu com muito de seus filmes, “O Quinto Elemento” ainda divide opiniões. Mesmo sendo considerado um sucesso de bilheteria, é um daqueles casos em que muitos amam e muitos odeiam.

Talvez, a resposta seja mais simples do que parece: Luc Besson é, para sempre, um estrangeiro, vivendo em sua própria realidade.

Esclarecendo: para seus conterrâneos franceses, o cineasta tem um estilo hollywoodiano que não agrada. A forte presença de efeitos especiais não contempla os diálogos e a estrutura narrativa comuns ao cinema europeu, motivo pelo qual Besson é visto como um forasteiro. Mas ele também não é aceito como parte de Hollywood, pois seus filmes teriam uma preocupação estética muito grande, sendo considerado artístico demais. É como se ele estivesse estacionado bem no meio, entre aqueles que tem a preocupação comercial no topo da lista e aqueles que a tem no final.

As escolhas narrativas e estilísticas do diretor são o que o tornam tão contra a corrente ou, se você preferir: um hipster. Besson não está nem lá, nem cá, mas segue acreditando nos mundos que cria e na viagem que proporciona à imaginação de quem se dedica a assistir seus filmes.

Seu próximo trabalho, “Valerian e a Cidade de Mil Planetas”, estreia nesta quinta (10/08). O filme é o mais caro já produzido pelo cinema europeu e narra a história da HQ de mesmo nome já citada. Por aqui, estamos ansiosos para ver os agentes Valerian (Dane DeHaan, “A Cura”) e Laureline (Cara Delevingne, “Esquadrão Suicida”) assumirem suas personalidades nesse mundo excêntrico de Luc Besson. E você? Qual sua opinião sobre esse icônico diretor? Planeja ver o novo longa no cinema? Deixe um comentário para nós!

Anne Caroline Gonçalves
@_annecgoncalves

Compartilhe


Conteúdos Relacionados