Cinema com Rapadura

Colunas   sábado, 20 de maio de 2017

Prêmios Sem Gênero: Melhor Ator e Melhor Atriz deveriam ser uma categoria só?

Considerado mais um passo pela igualdade de gênero, isso seria prejudicial para o reconhecimento das mulheres no campo?

Foi neste maio de 2017 que Emma Watson ganhou o primeiro prêmio para melhor atuação sem distinção de gênero no MTV Movie & TV Awards. Ao receber o prêmio, a atriz de “A Bela e a Fera” disse  que “[receber] o primeiro prêmio para atuação (…) que não separa os indicados com base em seu sexo diz algo sobre a forma que percebemos a experiência humana”. Enquanto muitos fazem coro à voz de Watson e defendem que todas as premiações deveriam seguir o mesmo caminho, outros afirmam que isso prejudicaria as mulheres, fazendo com que elas ganhassem ainda menos prêmios.

Afinal, “Melhor Ator” e “Melhor Atriz” deveriam ser uma categoria única?

É fato que, ao contrário de competições esportivas, por exemplo, a diferença biológica entre homens e mulheres em nada interfere na capacidade de atuação, da mesma forma que a etnia de um ator não influencia seu desempenho; nada justificaria que tivéssemos “Melhor Ator Negro” como uma categoria de premiação à parte. Da mesma forma, por que separar atores e atrizes? A separação não seria outra forma de menosprezar a atuação feminina?

Além disso, a questão da diversidade sexual também pesa na avaliação deste impasse. Profissionais da atuação que se identificam como não-binários – não se vendo nem como homens, nem como mulheres -, como é o caso de Asia Kate Dillon, atualmente se veem na obrigação de escolher concorrer como “Melhor Ator” ou “Melhor Atriz” mesmo não se identificando como nenhum dos dois.

Asia Kate Dillon

Se há possibilidade de inclusão e tornar os prêmios mais confortáveis para todas as pessoas, por que não abolir de uma vez a separação?

Tomemos os Oscars como base para análise. Desde 1929, em sua primeira edição, os Academy Awards conferem prêmios para “Melhor Ator” e “Melhor Atriz”, separadamente, de forma ao mesmo tempo intuitiva e deliberada. Se por um lado parecia natural distinguir as atuações masculinas e femininas, por outro era importante para os estúdios e produtores que assim fosse feito; as mulheres recebiam (e ainda recebem) consideravelmente menos por seus papéis do que os homens, de forma que era necessário que as mulheres não percebessem estar competindo de igual para igual com os homens, do contrário as demandas por maiores salários cresceriam.

Felizmente esta realidade não é (exatamente) a mesma quando saltamos para 2017. O número de filmes dirigidos, produzidos e protagonizados por mulheres cresce aos saltos. Kathleen Kennedy é presidente da Lucasfilm e está a frente de “Star Wars”, uma das maiores franquias do mundo; em 2009, Kathryn Bigelow se tornou a primeira (e única) mulher a receber o Oscar de “Melhor Direção” (“Best Director”, “melhor diretor”, em tradução literal); e franquias como “Jogos Vorazes” e “Crepúsculo” faturaram bilhões de dólares com uma mulher como protagonista.

Kathryn Bigelow e seus Oscars

Embora esses dados pareçam apontar para uma possível igualdade de participação entre gêneros na indústria cinematográfica, há o receio bem fundamentado de que os prêmios, caso fossem mesclados, privilegiariam os homens em vez de abrir maior competição para as mulheres. Em uma pesquisa em relação a todas as películas indicadas como “Melhor Filme” nos últimos cinco anos, é possível notar a predominância de filmes protagonizados por homens:

Vemos que praticamente dois terços dos indicados foram protagonizados por homens – isso sem considerar que alguns dos filmes de grupo tem pouca representatividade – “Spotlight: Segredos Revelados”, por exemplo, tem cinco homens e uma mulher na equipe que protagoniza o filme.

A tendência se agrava se analisarmos somente os ganhadores e expandirmos nossa análise de cinco para dez anos:

Isso não é um apontamento somente ao fato de que precisamos ter mais mulheres por trás das câmeras, escrevendo os roteiros, financiando e dirigindo os filmes; ao vermos que mais filmes se enquadram nos requisitos acima e não notarmos uma mudança proporcional nos prêmios, concluímos que são as premiações que têm se negado a trazer mais desses filmes para os Awards mundo afora.

O risco aqui, portanto, é aquele apontado ao The Guardian por Melissa Silverstein, fundadora e editora do site “Women and Hollywood” (“Mulheres e Hollywood”, em tradução livre), o qual advoga por igualdade de gênero na indústria cinematográfica:

“Todos nós queremos mais inclusão, especialmente para pessoas que se identificam como não-binárias, mas receamos que isto poderia afetar seriamente mulheres indicadas no futuro. Nós já sabemos que as mulheres são pouco representadas em muitas categorias – somente 20% das indicações do Oscar não relacionadas a atuação foram dadas a mulheres. Então se diferentes premiações decidirem remover a identificação de gênero das categorias, cabe a elas trabalhar ainda mais para se certificarem de que uma larga variedade de pessoas será incluída, tanto nos indicados quanto nos comitês de seleção.”

Em resumo, o impasse aqui é claro: por um lado, caso mantenham a divisão entre “Melhor Ator” e “Melhor Atriz”, as premiações continuarão a diferenciar os iguais e excluir os que não se encaixam nos padrões que tentam forçar. Por outro lado, caso unam as categorias e sigam com a tendência nas indicações, as mulheres podem ser engolidas por comitês de seleção que privilegiam filmes protagonizados por homens – o que é compreendido ao lembrarmos que três quartos dos votantes nos Oscars são homens.

É mais um caso do cinema fazendo o que sabe fazer de melhor: ser um reflexo e termômetro da humanidade. A solução, talvez, recaia no caminho mais difícil: ceder ao fato de que a sociedade não aceita mais ser separada por seu gênero, mas quer que as mulheres sejam incluídas de forma justa e representativa em espaços comandados por homens, anteriormente incontestes. Considerando que esta adversidade transcende o cinema, não há solução mágica para um problema que permeia a sociedade desde virtualmente sempre – o que não significa que não deve haver esforços, grandes e pequenos, para gradativamente tornar a nossa realidade melhor para todas as pessoas que nela habitam.

Erik Avilez
@eriksemc_

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