Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 02 de dezembro de 2020

[Lista] 6 filmes contemporâneos em preto e branco que vale a pena assistir

Tendo hoje uma áurea de recurso cult, a estética de filmagem em preto e branco prova que ainda é capaz de cultivar o público.

A estética em preto e branco foi o marco inicial da história do cinema, estando presente durante as primeiras décadas após sua criação. Foi neste formato que artistas como Charles Chaplin, Humphrey Bogart e Katharine Hepburn foram consagrados e tornaram-se ícones da história cinematográfica. A estética também é uma das marcas registradas de muitas produções clássicas, como “Metrópolis”, “Luzes da Cidade”, “Casablanca”, “O Sétimo Selo”, “Psicose”, “Os Sete Samurais”, entre tantas outras. 

Mesmo após a chegada e a expansão do cinema em cores, várias produções optaram pela estética, que ganhou um ar cult e conseguiu dar novos significados à narrativa. O mais novo exemplo dessa categoria é Mank, novo longa-metragem da Netflix comandado pelo diretor David Fincher e que retrata a história de produção de “Cidadão Kane”, clássico da sétima arte de Orson Welles.

Aproveitando sua estreia, que acontece nesta sexta-feira (4), o Cinema com Rapadura traz para você uma lista com sugestões de filmes contemporâneos, lançados neste século, que adotam essa estética. Caso você não os tenha visto, conheça os motivos pelos quais você não deve ignorar esse tipo de obra.

O Homem Que Não Estava Lá (2001)

Ed Crane (Billy Bob Thornton) tem uma vida mundana e infeliz como barbeiro. O seu casamento não está mais dando certo e ele não vê mais perspectiva de sair daquela monotonia. Quando surge uma oportunidade para ele investir em um novo negócio e mudar tudo, ele acaba se envolvendo em uma série de problemas e crimes que mudará a sua vida para sempre.

“O Homem que Não Estava Lá” pode não ter o tradicional humor dos irmãos Ethan e Joel Coen (“A Balada de Buster Scruggs”), mas ainda é um ótimo trabalho da carreira da dupla. O DNA do gênero noir preenche a produção do começo ao fim, desde a história sobre um crime, passando por elementos como a narração em off e o constante consumo de cigarros, até ser coroado pela filmagem em preto e branco. 

Inclusive, o trabalho do mestre da fotografia Roger Deakins (“1917“) é um destaque a parte. O uso que ele faz das sombras nas cenas, principalmente ao cobrir os rostos e expressões dos personagens, é algo fundamental para criar a ambientação do gênero no filme – não por menos, ele foi indicado ao Oscar pela obra. Entre as atuações, merece ressaltar a de Billy Bob Thornton, que entrega com maestria um sisudo protagonista, e a de Tony Shalhoub, que vive o personagem com mais cara dos Coen no filme.

Sin City – A Cidade do Pecado (2005)

As últimas duas décadas foram marcadas por adaptações de quadrinhos, sendo que entre as inúmeras produções, houve espaço para uma filmada em preto branco. Baseado na obra escrita por Frank Miller, “Sin City – A Cidade do Pecado” acompanha um misterioso vendedor, que narra a trágica história de codependência enquanto um vigilante combate o submundo do crime à procura de um amor perdido. Em paralelo, um policial persegue um assassino de crianças, enquanto uma ex-prostituta foge de seu cafetão com a ajuda de um novo amante.

“Sin City” não é completamente em preto e branco, já que há o uso de cores pontuais para destacar objetos e expressões. Mas o contraste oferecido por essa fotografia é um dos pontos altos da adaptação, comandada por Robert Rodriguez (“Alita: Anjo de Combate”) e que teve co-direção do próprio Frank Miller. A estética do filme, que bebe diretamente da fonte (também desenhada em preto e branco) intensifica o tom noir da história, conseguindo apresentar um marca visual que o distingue de completamente todas as outras adaptações de quadrinhos. O filme pode até não ser um consenso de crítica e entre fãs, mas seu estilo vale a chance por parte do espectador.

O Artista (2011)

A história de “O Artista” acontece no final dos anos 1920 em Hollywood e acompanha George Valentin (Jean Dujardin), um astro do cinema mudo que teme a revolução da indústria protagonizada pela chegada do cinema falado. Enquanto luta para não ser esquecido pelo público, ele se apaixona pela jovem dançarina e atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo), que ganha uma oportunidade de trabalhar justamente nesse novo mercado. Assim, George se vê em uma encruzilhada em como conciliar seu trabalho e sua nova paixão nesse cenário.

Uma verdadeira ode à Hollywood clássica, “O Artista” foi um queridinho da Academia no Oscar de 2012. A produção teve 10 nomeações e levou para casa 5 estatuetas, incluindo Melhor Diretor, Melhor Ator para Jean Dujardin e Melhor Filme. Vitórias que podem não ter agradado a todos, mas que a produção faz valer o reconhecimento. Para o espectador contemporâneo, que cresceu longe dessa realidade, “O Artista” pode ser um verdadeiro desafio, já que o ritmo da obra é praticamente ditado pela trilha sonora.

Esse trabalho de emular a estética e ambientação dos filmes mudos é o grande mérito da direção de Michel Hazanavicius, justamente por proporcionar isso de forma tão orgânica. As atuações de Dujardin e Bejo, cheias de expressões e movimentos corporais, é outro ponto alto da produção, tornando essa homenagem ao cinema mudo mais completa e gratificante.

Nebraska (2013)

Um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme de 2014, “Nebraska” acompanha a jornada de Woody Grant (Bruce Dern) e seu filho, David (Will Forte), em busca de um suposto prêmio vencido por Woody. Para isso, eles precisarão até a cidade Lincoln, em Nebraska, a mais de mil quilômetros de onde Woody mora. Durante a viagem, eles decidem visitar a cidade onde o patriarca cresceu, para reencontrar amigos e parentes e reconciliar os dois.

Com direção de Alexander Payne (“Pequena Grande Vida“), o road movie apresenta a mistura certa entre humor e drama, sem errar a mão em nenhum dos aspectos. Em uma simples sequência, o telespectador é capaz de rir e sentir a seriedade (e até mesmo a melancolia) daquela relação. As ótimas atuações de Dern e Forte proporcionam mais profundidade e humanidade aos personagens, de forma que você consegue se envolver de forma mais intensa com essa história.

A fotografia da produção também foi reconhecida pela academia com uma indicação, assim como Roteiro, Direção e Melhor Atriz coadjuvante para June Squibb – outro ótimo trabalho, por sinal. Tocante e bem poderoso, “Nebraska” é um filme que se torna ainda mais significativo para quem tiver a oportunidade de assistir com seu pai.

Roma (2018)

A primeira grande aposta da Netflix para levar a estatueta de Melhor Filme no Oscar foi com “Roma”, produção semibiográfica do diretor mexicano Alfonso Cuáron (“Gravidade”). Ambientado na Cidade do México na década de 1970, a trama acompanha Cleo (Yalitza Aparicio), uma babá e empregada doméstica de uma família de classe alta da cidade. Ao longo de um ano, sua vida passa por um turbilhão de acontecimentos, no âmbito profissional e pessoal, que afeta sua relação com seus patrões e os filhos deles.

A produção conseguiu importantes vitórias no Oscar de 2019, com os prêmios de Melhor Filme Internacional, Melhor Fotografia e Melhor Diretor para Cuáron, o segundo em sua carreira. Uma vitória merecida, já que é possível sentir como ele torna aquela história em algo pessoal. A escolha do preto e branco colabora para expressar esse objetivo, sendo que assinaturas da carreira do diretor, como a presença de planos sequências, dão fluidez e beleza para uma história de uma pessoa comum, mas que talvez por este motivo, consegue ser algo poderoso e impactante para o espectador. Muito mérito vai também para a ótima atuação de Aparicio, indicada ao Oscar e que confere à produção boa parte de sua carga emocional.

O Farol (2019)

O filme mais recente do diretor Robert Eggers (“A Bruxa”) é ambientado no início do século XX em uma ilha remota. Thomas Wake (Willem Defoe) é o responsável por cuidar de um farol e contrata um novo ajudante, o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson), para o qual repassa tarefas diárias e ensinamentos sobre o ofício. Entretanto, Thomas não permite que Ephraim entre no farol, o que serve apenas para deixar o jovem mais curioso e atraído pelo lugar. Neste cenário, uma série de acontecimentos estranhos e uma relação cada vez mais conflituosa farão com que suas sanidades sejam testadas.

A utilização da filmagem em preto e branco desempenha um papel muito importante na criação da atmosfera da obra. Eggers filma o longa em um formato quase quadrado (1.19:1), simulando as filmagens de produções da década de 1920, como o clássico de terror “Nosferatu”. Esse aspecto de uma filmagem suja é crucial para criar um sentimento de incômodo nos espectadores, reforçado pelo fato de outros elementos do cinema mudo, como os personagens encararem a câmera, serem utilizados.

À medida que o real e o imaginário vão se misturando no desenrolar da trama, tais características tornam o filme mais claustrofóbico e inquietante. E esse mérito da direção e do roteiro, muito bom em desenvolver as angústias, dúvidas e relação dos protagonistas, é potencializado pelas atuações dos dois atores. Dafoe e Pattinson entregam um trabalho cativante, no qual os momentos de exagero funcionam em prol do clima estabelecido, resultando em uma obra que certamente marcará os espectadores.

=

Por fim, os filmes em preto e branco podem não ser tão presentes quanto foram no início, mas ainda são capazes de cativar o público e ter um charme dentro da indústria. Tanto que mesmo filmes coloridos, como “Mad Max: Estrada da Fúria” e “Logan”, também ganharam uma versões em preto e branco após o seu lançamento nos cinemas. Uma prova que a ausência de cores não serve de empecilho para fascinar o espectador.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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