Cinema com Rapadura

Colunas   domingo, 10 de fevereiro de 2019

Remakes, reboots, live-actions e sequências: crise criativa em Hollywood ou exigência do mercado?

Filmes que são baseados em outros dominam a indústria, e levantam a questão sobre saturamento.

Dos 10 filmes de maior bilheteria do cinema mundial em 2018, segundo o Box Office Mojo, apenas um pode ser considerado uma produção com conceito original, e, ainda assim, trata-se de “Bohemian Rhapsody”, o filme que se baseou na vida de Freddie Mercury para contar parte de sua história e do Queen. Os outros nove títulos do topo do ranking podem ser encaixados nas categorias de remakes, reboots, sequências ou adaptações live-action de outras mídias visuais.

Na última década, a indústria cinematográfica assistiu a esse movimento da preferência cada vez maior do público por conceitos conhecidos e até nostálgicos quando vai ao cinema. Esse resgate motivou muitos estúdios a investirem cada vez mais em sequências cada vez maiores de suas principais franquias, e a revisitar produções que foram aclamadas na época de seu lançamento.

E o retorno tem acontecido. O Universo Cinematográfico da Marvel, talvez o principal exemplo de universo familiar querido pelos fãs, conquistou mais de 4 bilhões de dólares mundialmente com seus três filmes de 2018, “Pantera Negra”, “Vingadores: Guerra Infinita” e “Homem-Formiga e a Vespa”. E a Disney, além desses, lançou também uma sequência de animação que, superando todas as expectativas, chegou à marca do bilhão: “Os Incríveis 2”, que fez o estúdio chegar a 5,26 bilhões de bilheteria mundial.

A Disney e os remakes

Por estar com essa posição consolidada à frente da arrecadação mundial, a Disney respondeu a essa tendência se tornando a maior embaixadora da refilmagem de clássicos para novas audiências. O estúdio teve uma primeira empreitada live-action com o seu enorme acervo de contos de fadas com o longa de Tim Burton, “Alice no País das Maravilhas”, de 2010. O filme não era bem um remake, mas sim um tipo de sequência da história clássica, e fez um enorme sucesso no mundo todo, chegando a 1,025 bilhão de dólares de arrecadação.

Outro esforço de produção parecido viria só em 2014, com o longa “Malévola”, este sim, totalmente inspirado no clássico “A Bela Adormecida”, de 1959, mas que apresentava uma nova visão para a vilã do conto, e que contava com a estrela Angelina Jolie a cargo do papel-título. “Malévola” fez 758,5 milhões de dólares mundialmente, e no ano seguinte a Disney lançou outra adaptação live-action que já estava engatilhada: “Cinderela” seguiu o ipsis litteris, foi completamente fiel à animação clássica e fez 543,5 milhões de bilheteria mundial.

Em 2016, a Disney e Jon Favreau se uniram para lançar um dos projetos mais ousados do estúdio até então: o remake live-action de “Mogli – O Menino Lobo”. A tecnologia empregada na criação dos personagens deixou o público assombrado. O jovem ator Neel Sethi se mesclava aos ambientes e interagia com os animais como se tudo pertencesse à mais perfeita realidade. O retorno veio com mais de 966 milhões de bilheteria mundial, e a fórmula pegou de vez. No ano seguinte, a Disney lançou o fenômeno “A Bela e a Fera”, com Emma Watson como protagonista, e fez mais de 1,263 bilhão de dólares no mundo todo.

É importante salientar que, durante esse processo de resgate e experimentação em cima de histórias conhecidas, o estúdio também tentou explorar novas ideias em paralelo. Mas o retorno, tanto do público como da crítica, não foi tão positivo. Filmes como “O Cavaleiro Solitário” (2013), “Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível” (2015), “O Bom Gigante Amigo” (2016) e “Uma Dobra no Tempo” (2018) não encontraram o seu público e mal se pagaram. O vácuo criativo se mantém um obstáculo.

Somente em 2019 serão três remakes live-action pela Disney lançados no cinema. O “Dumbo” de Tim Burton chega às telonas em março e deve ditar parte da expectativa para os dois longas seguintes; “Aladdin” vem com expectativas mistas; e a grande aposta do ano é “O Rei Leão”. Em meio às discussões se o filme seria realmente live-action ou se se configuraria como animação, esse com certeza vai ser um ponto definitivo para os próximos anos do estúdio, assim como para a indústria.

Franquias históricas

O movimento de resgate dos clássicos levou algumas franquias históricas a ganharem sequências e soft-reboots uma década depois dos últimos lançamentos no cinema. Títulos grandes, com peso indiscutível, que se aproveitaram do momento para voltarem a fazer história.

Quando a Lucasfilm foi adquirida pela Disney em 2013 com a perspectiva da produção de novos filmes de Star Wars em vista, todo o mundo do entretenimento chacoalhou. E o similar aconteceu quando um seguimento da franquia Jurassic Park foi anunciado. E o terremoto de público resultante veio em 2015, com os lançamentos Star Wars – O Despertar da Força e Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros. Recordes quebrados, fenômenos culturais, o resultado mais perfeito possível com as gerações antigas apresentando essas histórias às novas, um passar de bastão consolidado com mais de 3,7 bilhões de dólares mundialmente somados os dois lançamentos.

“Star Wars” seguiu com filmes anuais, os episódios principais da série intercalados com filmes de antologia. Rogue One (2016) e Os Últimos Jedi (2017) viram a arrecadação cair, mas ainda assim passaram a barreira do bilhão. Han Solo foi o ponto fora da curva dessa leva, devido a diversos fatores extra-filme que foram definitivos para o fracasso e míseros (em termos de Star Wars) 392 milhões de bilheteria mundial em 2018. Já a franquia Jurassic teve mais tempo para planejar o próximo capítulo e garantiu um novo sucesso com Reino Ameaçado (2018), que faturou 1,3 bilhão mundialmente.

Mas talvez o melhor exemplo de franquia que se renova constantemente, sem deixar a peteca cair e apenas dando um tempo maior entre seus lançamentos para produzir filmes de qualidade e não cansar o espectador é aquela do rei de Hollywood, Tom Cruise. Vinte e dois anos de filmes de Missão: Impossível (e até mais tempo de franquia se contarmos a existência da série de TV anterior) nos fizeram chegar em 2018 a Efeito Fallout, que como o próprio nome diz, foi a culminação de todos os filmes da série, o primeiro que se assumiu como sequência de todos os anteriores. E fez jus ao posto. 791 milhões de dólares de bilheteria internacional, marcando mais uma escalada nos números após Protocolo Fantasma (2011) e Nação Secreta (2015) ficarem na casa dos 600 milhões. Com dois novos filmes já confirmados, o reinado de Ethan Hunt deve seguir conquistando o público e fazendo caminhões de dinheiro, pelo menos enquanto o corpo de Cruise aguentar.

Terror clássico

Em meio à franca ascensão do gênero de terror, a pedida nostálgica também veio à tona com o retorno de Stephen King às reuniões de roteiro. O trabalho do autor, já ostensivamente adaptado ao longo de muitos anos, voltou à voga com a popularidade da ambientação anos 80. E isso fez com que a New Line quisesse readaptar um de seus maiores clássicos, “It – A Coisa”, para o cinema em 2017. O resultado foi contundente – mais de 700,3 milhões em bilheteria, no primeiro filme, com uma sequência a caminho. King também estará presente na readaptação de “Cemitério Maldito” este ano pela Paramount. Além destes, também está para ser lançado um reboot na franquia “Brinquedo Assassino”, do famoso Chucky de Don Mancini.

No campo das franquias, houve a consolidação da força do diretor James Wan e da sua série “Invocação do Mal”. A sequência do longa e a do seu spin-off “Annabelle”, lançadas em 2016 e 2017, ficaram ambas acima dos 300 milhões de bilheteria mundial para um orçamento de 40 milhões no caso do primeiro e míseros 15 milhões no caso da boneca de porcelana. Isso sem falar no mais recente spin-off da franquia, “A Freira”, que em 2018 fez mais de 365 milhões de dólares para um orçamento de 22.

Uma série clássica que ganhou uma bem-sucedida ressurreição em 2018, “Halloween” apostou na nostalgia, trouxe Jamie Lee Curtis de volta e conseguiu arrecadar 253 milhões de dólares mundialmente tendo um orçamento de só 10 milhões. Outras franquias tradicionais do cinema não conseguiram repetir o mesmo feito, caso de “Alien: Covenant” (2017), que ficou abaixo dos 250 milhões de bilheteria para um orçamento de quase 100 milhões. Isso também mostra que algumas sagas já tiveram o seu momento no cinema e seria difícil de trazê-las de volta, que o diga o novo “O Predador”, que em 2018 não conseguiu sequer dobrar o seu orçamento de 88 milhões de dólares.

O gênero de terror, apesar de tudo, ainda parece ser onde se encontra o maior respiro para originais que queiram fazer sucesso, e as maiores provas disso são o aclamado Corra! (2017), que conquistou uma bilheteria de 255 milhões de dólares para 4,5 milhões de orçamento, e o fenômeno do ano passado Um Lugar Silencioso, que arrecadou impressionantes 340 milhões para um orçamento de apenas 17.

O fator “Nasce uma Estrela”

A essa altura, quase toda a indústria tem se voltado para sucessos do passado que poderiam ser relançados. Apesar de atender ao mercado, a inovação tecnológica e aprimoramento das técnicas de efeitos visuais e de filmagem também possibilitam que esses novos longas se destaquem em relação aos anteriores, e mostrem algo de novo. Ao mesmo tempo, histórias podem ser atualizadas com outras roupagens, outras visões sobre diferentes dilemas. E isso só mostra o quanto algumas tramas podem ser atemporais.

No caso de “Nasce uma Estrela”, um filme já feito quatro vezes por Hollywood (1937, 1954, 1976 e 2018), a retratação dos personagens foi mudando com o tempo, fazendo com que cada obra tivesse uma perspectiva diferente e fosse um retrato de seu tempo. E o público abraça esse retrato, e se emociona com ele sempre.

A era dos remakes está muito longe de acabar. Enquanto o público continuar mostrando que quer ver histórias sendo contadas de novo e de novo, os estúdios vão continuar entregando novas versões de filmes que já vimos. De certa forma, isso se assemelha muito a outra arte, o teatro, e a peças reproduzidas várias e várias vezes, em que uma apresentação nunca é completamente igual à anterior. Às vezes isso é bom para o espetáculo, mas cada peça tem a sua temporada definida, um tempo certo para sair de cartaz e dar lugar a outra. E às vezes elas retornam. E o público, tanto do teatro como do cinema, se renova. O grande desafio é manter-se atento ao limite entre o carinho e interesse do público pela familiaridade, e a saturação de uma história já encerrada.

Richard Molina
@richiemmolina

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