Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 28 de março de 2019

Remakes em live-actions da Disney: o que já acrescentaram e o que ainda podem acrescentar?

"Dumbo", "Aladdin", "O Rei Leão", "Mulan"... Com o crescente número de remakes, estaria a Disney apenas com falta de ideias e visando o lucro fácil, ou existem novas abordagens por trás das adaptações?

Não é nenhum segredo que Hollywood não possui a mesma criatividade de outros tempos. Reboots, continuações, adaptações e remakes dominam as estreias a cada semana, evidenciando uma aparente crise criativa da indústria. Apesar de existirem diversos motivos para essa guinada no conteúdo das produções, o principal motivo é um só: dinheiro. Afinal, das dez maiores bilheterias do cinema em 2018, cinco são sequências (“Jurassic World: Reino Ameaçado”, “Os Incríveis 2”, “Missão: Impossível – Efeito Fallout“, “Deadpool 2” e “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald”) e quatro são adaptações de outras mídias (“Vingadores: Guerra Infinita”, “Pantera Negra”, “Aquaman” e “Venom“). Apenas um não se enquadra nessas duas categorias: “Bohemian Rhapsody”, o qual, ainda assim, trata-se de uma cinebiografia e não uma história totalmente original.

Ora, não é segredo que bastam alguns poucos erros em sequência para criar uma grave crise financeira e, inclusive, fechar um estúdio. E nem mesmo a gigante Walt Disney Pictures está isenta a isso. A solução? A empresa passou a refilmar cada vez mais suas animações clássicas, transformando-as em live-actions – termo utilizado para se referir aos trabalhos que são realizados por atores reais, seja de maneira convencional ou em conjunto com efeitos criados por computação gráfica. Somente em 2019, serão três lançamentos do tipo: “Dumbo“, “Aladdine O Rei Leão.

Não é como se a Disney não tivesse lançado obras originais ou tentado criar novas franquias nos últimos anos. Contudo, nenhuma dessas tentativas se mostrou bem-sucedida no aspecto comercial. “Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível” (2015) arrecadou somente US$ 209,2 milhões mundialmente, quase não superando seu orçamento de 190 milhões de dólares. “Uma Dobra no Tempo” (2018) teve uma bilheteria mundial de US$ 132,7 milhões, para um orçamento de 100 milhões de dólares.

Entretanto, provavelmente o grande marco foi o longa “John Carter: Entre Dois Mundos”, ficção científica lançada em 2012 e que era uma das grandes apostas do estúdio, com um orçamento de mais de 250 milhões de dólares. O seu fracasso comercial – com uma bilheteria mundial de US$ 284,1 milhões – obrigou o então presidente da Disney, Rich Ross, a pedir demissão.

Por sua vez, os remakes lançados até o momento se mostraram sucessos estrondosos, com uma forte recepção por parte do público – mesmo que a recepção da crítica especializada tenha sido um pouco morna com a maior parte desses filmes. “Alice no País das Maravilhas” (2010) teve uma bilheteria de US$ 1,025 bilhão, “Mogli: O Menino Lobo” (2016) arrecadou 966 milhões de dólares mundialmente e “A Bela e a Fera” (2017) se tornou uma dez maiores bilheterias da história do cinema ao arrecadar US$ 1,264 bilhão.

Fica fácil compreender, portanto, o motivo que levou o estúdio a produzir um número cada vez maior de adaptações live-action de seus clássicos. Aproveitando o lançamento de “Dumbo”, vale questionar, porém, além do aspecto financeiro, o que esses remakes podem acrescentar às obras originais? Seriam somente uma reprodução frame a frame das animações, visando o lucro fácil? O que se pode compreender com as adaptações já lançadas? São esses e outros questionamentos que o Cinema com Rapadura aborda nessa coluna.

Melhor desenvolvimento das personagens em conformidade com padrões atuais da sociedade

Uma característica que a grande maioria das animações da Disney lançadas até a última década tem era a sua curta duração, já que dificilmente uma delas têm mais de 90 minutos. Isso não configura, necessariamente, um aspecto negativo, afinal, as narrativas costumam se tornar mais dinâmicas e focadas, com roteiros bastante concisos. Contudo, eventualmente isso se torna limitador, ao não possibilitar mostrar outros aspectos das personagens, considerados “não essenciais”, mas que contribuem para uma caracterização mais completa da narrativa.

Além disso, por terem sido lançadas há muito tempo, alguns nas décadas de 40 e 50, as obras originais acabam representando aspectos das sociedades da época, tais como uma mulher que precisa ser salva e beijada por um homem que sequer conhece, ou uma mulher mantida em cativeiro que se apaixona pelo seu sequestrador. Por sua vez, as adaptações em live-action por vezes permitiram trazer uma nova visão, mais condizente com os padrões atuais da sociedade e o papel da mulher em tudo isso.

Em “Malévola” (2014), a Disney trouxe uma profundidade e background para uma de suas maiores vilãs e um novo ponto de vista para a clássica história de “A Bela Adormecida” (1959). Na obra original, Malévola é apenas uma antagonista má que amaldiçoa a princesa, a qual é salva pelo beijo do príncipe que sequer conhece direito e que derrota a vilã. No remake, é mostrado os motivos que levaram Malévola (Angelina Jolie) a se tornar má e amaldiçoar Aurora Porém, também é mostrado o seu relacionamento com a princesa e a sua jornada de redenção. Culminando com um beijo ineficaz do príncipe e, posteriormente, com o beijo maternal de amor verdadeiro que acaba por salvá-la, subvertendo o estereótipo clássico dos filmes de princesa do estúdio.

Considerada um dos melhores filmes de todos os tempos e a primeira animação a ser indicada ao Oscar de Melhor Filme, “A Bela e a Fera” (1992) também foi readaptada em 2017. Estrelado pela atriz Emma Watson, o remake tentou trazer uma visão um pouco diferente para a personagem, com uma Bella que se mostra uma inventora tão inteligente quanto seu pai e uma mulher que desafia o papel imposto pela sociedade, ao permanecer lendo. Além disso, o longa mostrou mais sobre o passado da protagonista e sua relação com sua mãe, além dos motivos que levaram seu pai a ir para a vila em que residem. Por fim, tornou um pouco mais crível e menos idealizado o romance entre ela e a criatura.

Mesmo o remake menos inovador, no caso, “Cinderella” (2015), também contou com pequenas modificações. O Príncipe Encantando ganha um nome e mais personalidade, e o amor entre ele e a protagonista é mais desenvolvido e menos instantâneo. Cinderella, por sua vez, é mais consciente sobre a forma abusiva que é tratada, além de enfrentar sua madrasta e lutar pelo que almeja. Enquanto a vilã – brilhantemente vivida pela atriz Cate Blanchett – acaba ganhando uma maior humanidade, permitindo que se compreenda as razões que a levaram a se tornar tão amarga. Por fim, os maiores méritos de “Mogli: O Menino Lobo” (2016) são a sua representatividade, ao trazer um protagonista indiano, e sua inovação, mostrando efeitos especiais quase perfeitos, que permitiram recriar o clássico de 1967 sem qualquer tipo de limitação e acabou com uma das maiores críticas que era feita aos live-actions.

Do mesmo modo, dentre os futuros lançamentos que já estão em produção, como “Aladdin e “Mulan, vale ressaltar a importância que terão na representatividade – ainda que parcial – das etnias presentes no longa, bem como por se tratar – no caso de Mulan – de uma protagonista mulher que já estava a frente de seu tempo em 1998.

Apresentar histórias clássicas para as novas gerações, ao mesmo tempo em que aproveita a nostalgia

É bastante óbvio que as animações da Disney são clássicos atemporais. Afinal, mesmo as crianças que não viram os filmes nos cinemas em seus lançamentos e que sequer eram nascidas, sabem quem é Simba ou Aladdin, pois tinham um VHS, DVD ou, atualmente, uma conta na Netflix. Contudo, em um mundo com cada vez mais conteúdo disponível em serviços de streaming, o estúdio quer ter cada vez mais certeza de que suas criações permanecerão no imaginário popular.

E aí entra uma outra função dessas adaptações: apresentar tais narrativas para um novo público. O Mogli original, por exemplo, foi lançado em 1967, enquanto “Pinnochio” estreou em 1940, de modo que parte do público dos remakes dessas obras – os quais já estão em produção – são os filhos e netos do público original. Já para as adaptações de animações mais recentes, como “A Bela e a Fera” (1992) e “O Rei Leão” (1994), o argumento mais favorável é de que as crianças que assistiram a tais longas vão retornar para os cinemas em razão da nostalgia, ou seja, para reviver aquele sentimento que tiveram em sua infância, mesmo que já conheçam a história.

Além disso, adaptações de obras menos conhecidas ou lembradas pelo grande público, como A Espada Era a Lei” (1963), “O Corcunda de Notre Dame(1996) e “Lilo & Stitch (2002), também estão em produção, possibilitando que dessa vez tenham uma penetração e reconhecimento maiores. Ademais, isso permite que as propriedades intelectuais da Disney e os produtos gerados pelas suas patentes – action-figures, games, brinquedos, dentre outros – possam continuar a dar lucros para a empresa por muitos anos.

Possibilitar a criação e expansão de franquias

Claro, não existe nada que impeça a Disney de lançar em pleno 2019 uma continuação ou spin-off de uma animação de 50 anos atrás. Contudo, o lançamento de remakes possibilita avaliar a recepção do público àquela obra e permite preparar o terreno para eventuais sequências ou expansões para uma franquia, como ocorreu com “Alice Através do Espelho” (2016).

As sequências de “Malévola” e “Mogli: O Menino Lobo” já foram confirmadas, além de um filme estrelado pelo Príncipe Encantado, ainda sem título oficial. Do mesmo modo, uma produção estrelada pela atriz Emma Stone como a vilã Cruella de Vil, de “101 Dálmatas“, também está nos planos da empresa. Aliás, “101 Dálmatas” (1961) foi uma das primeiras animações adaptadas pelo estúdio, com dois live-actions lançados em 1996 e 2000.

O remake de “Peter Pan” (1953), que será dirigido por David Lowery (“Meu Amigo Dragão”), também já teve um spin-off da Tinkerbell – antiga “Sininho” – confirmado, cuja história será nos moldes de “Malévola” e mostrará um outro ponto de vista da personagem. Já “A Espada Era a Lei” será baseado na série de livros “O Único e Eterno Rei”.

Essas são somente as obras já confirmadas pela Casa do Mickey, existindo ainda outras inúmeras possibilidades de sequências e franquias – um longa sobre o grilo falante de “Pinnochio” por exemplo, que irão depender da receptividade do público – e do lucro que darão ao estúdio.

Além disso, o Disney+, serviço de streaming do estúdio que será lançado em 2019, também contará com remakes exclusivos, como o live-action de “A Dama e o Vagabundo“.

Tá, mas e o futuro?

Atualmente, a Disney está produzindo, em diferentes fases de desenvolvimento, 17 projetos de adaptações em live-action: “Dumbo”, “Aladdin” (estreia em 24 de maio desse ano), “Mulan” (estreia prevista para 27 de março de 2020), “O Rei Leão” (estreia em 18 de julho desse ano), “A Pequena Sereia”, “Peter Pan”, “Cruella” (ainda sem título oficial), “A Espada Era a Lei”, “Pinnochio”, “A Dama e o Vagabundo” (estreia prevista para 2019), “Lilo & Stitch”, “Príncipe Encantado” (ainda sem título oficial), “Corcunda de Notre-Dame”, “Branca de Neve”, “Tink”, “Oliver Twist”, fora as sequências, “Malévola 2″ (estreia prevista para 29 de maio desse ano) e “Mogli: O Menino Lobo”.

E o que isso significa para o futuro do estúdio?

Bem, no quesito comercial, caso mantenham a performance de bilheteria, significa que a saúde financeira da Disney está garantida por alguns anos. No quesito criativo, isso pode acarretar em dois caminhos. Em uma primeira projeção, esse alto retorno dos projetos pode possibilitar um maior investimento em obras originais – sejam animações ou live-actions – e, portanto, o surgimento de novas franquias. Contudo, em um cenário mais pessimista, pode significar uma mudança total de foco, com o estúdio se dedicando quase que exclusivamente aos lucrativos remakes, enquanto outras obras originais ficariam em segundo plano.

No tocante a abordagem dessas futuras produções, também existem dois possíveis caminhos. Remakes como “O Rei Leão” provavelmente seguirão o mesmo estilo de “Cinderella” e “Mogli: O Menino Lobo“, com sutis modificações do material original, porém, com a mesma essência e sem grandes mudanças. Ao mesmo tempo, adaptações como “Tinkerbell”, “Mulan” e “Aladdin” devem seguir a tendência de “Malévola“, “Alice no País das Maravilhas” e “A Bela e a Fera”, uma vez que mostrarão pontos de vistas alternativos da história (Tinkerbell), novas interpretações da história original na qual são baseadas (Mulan) e novas canções e desenvolvimento maior para alguns personagens (Aladdin).

De fato, nem todas as eventuais mudanças serão bem aceitas pelo público, que acaba “magoado” pelas alterações em comparação com os materiais originais, tal como a controversa exclusão das músicas e do general Li Shang de “Mulan“, bem como a representação do Gênio de Will Smith em “Aladdin”. Porém, a fórmula de apenas adaptar frame a frame os filmes antigos pode eventualmente se esgotar, sendo necessário que a Disney apresente razões concretas para justificar suas produções, como os já mencionados maior desenvolvimento de personagens e adaptação aos tempos atuais. Razões, estas, que podem ou não agradar a todos.

Giovanni Mosena
@giovannimosena

Compartilhe

Saiba mais sobre


Conteúdos Relacionados