Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 11 de agosto de 2010

“Fonte da Vida”, clássico moderno de Aronofsky, ganha a Nona Arte

Em uma mistura de ficção, fantasia e drama, o diretor e roteirista Darren Aronofsky levou aos quadrinhos uma obra prima cinematográfica que quase não existiu, com a ajuda da bela e onírica arte de Kent Williams.

Em 2002, com um orçamento de 75 milhões de dólares, começou a produção de “The Fountain”, ficção científica escrita e dirigida pelo cineasta Darren Aronofsky, que vinha de dois grandes sucessos do cinema independente, o thriller “Pi” e o drama “Réquiem Para Um Sonho”.

Com o elenco encabeçado por Brad Pitt e Cate Blanchett, o longa acabou não saindo graças às populares “diferenças criativas” entre Aronofsky e Pitt, com este último indo participar do épico “Tróia” e deixando Aronofsky amargar o seu prejuízo. A jornada poderia ter terminado aí, mas o diretor sentiu que aquela história merecia ser contada de algum modo. Então, Aronofsky procurou a Warner Bros., que havia financiado parte do fracassado projeto cinematográfico, para ver o que poderia ser feito.

O estúdio, então, lhe encaminhou para seu braço especializado em quadrinhos adultos, o selo Vertigo, e lá o projeto começou a caminhar, embora lentamente, quando Aronofsky passou o seu roteiro para o ilustrador Kent Williams.

O resultado dessa desventura toda é a graphic novel “The Fountain”, um belíssimo trabalho de 170 páginas publicado pela Vertigo em 2005. Aqui, vemos como Aronofsky contaria sua história, com o seu texto trabalhando sem a preocupação com orçamentos, maquiagem, ângulos de câmera ou mesmo atores, com sua única limitação sendo a imaginação do ilustrador Williams, que faz aqui um trabalho magnífico.

A história segue o pesquisador Tommy Creo, que busca encontrar  a cura para o câncer que está matando sua amada esposa, a escritora Izzi. Em sua busca, Tommy acaba descobrindo algo que pode mudar o rumo da existência humana, uma fonte da vida eterna, algo que também é o tema do que pode ser o derradeiro livro de sua esposa, que se passa na Espanha do século XVI. Já um futuro distante, no século XXV, reencontramos nosso protagonista em uma viagem solitária rumo a Xibalba, uma nebulosa que cobre uma estrela moribunda.

No meio dessas três narrativas, Aronofsky explora temas como o amor, religião e, principalmente, a mortalidade humana e suas consequências para a própria existência da humanidade.

Através do ponto de vista de Tommy, enxergamos a morte como uma doença que leva ao fim de tudo, algo que deve ser evitado a todo custo. Conforme as três linhas da história avançam, começamos a enxergar também o ponto de vista de Izzi, que vê a morte como algo que se faz necessário para a existência da vida, em um ciclo infinito, sendo justamente este ciclo que faz com que a própria vida tenha sentido, beleza e validade. Não por acaso anéis e alianças possuem tanta importância dentro da história.

A arte de Kent Williams é simplesmente magnífica. Para aqueles acostumados com quadrinhos americanos tradicionais, o visual desta graphic novel pode aparentar ser um tanto estranho, mas é só parar um pouco para refletir e assimilar a beleza dos painéis criados pelo ilustrador que é fácil perceber o motivo dele ter sido escolhido para o projeto.

Sequências como a batalha do Conquistador contra os maias no início da história, as cenas nas quais Tommy remove os freios de sua esfera-nave e, principalmente, o clímax da história, repleto de splash pages (páginas com um único painel), mostram a belíssima arte de Williams, que consegue dar todo um tom onírico e surreal à trama, algo que encaixa perfeitamente com a proposta de Aronofsky para este épico romântico.

Em determinados painéis, Williams emula uma câmera ao colocar os objetos e personagens “enfocados” com grandes detalhes, enquanto o que está em segundo plano aparece apenas como rascunhos. O ilustrador ainda lança mão de uma foto de um objeto real em um determinado painel no museu. Todos esses recursos diferentes não são à toa, sendo sempre utilizados em prol da própria história

Note ainda o uso das onomatopéias DENTRO da própria narrativa visual da trama, algo presente principalmente na já mencionada batalha dos espanhóis com os maias, com o som das ações dos nativos (“doom“) fazendo um trocadilho com a palavra inglesa para “sina”. Outro ponto a ser elogiado são os próprios diálogos dos mais, retratados a partir de caracteres próprios daquela civilização, em uma ótima sacada do letrista Jared K. Fletcher.

Através do esforço empreendido para a feitura desta graphic novel, Aronofsky reuniu forças para voltar a trabalhar em uma versão fílmica de sua história, lançando “Fonte da Vida” nos cinemas em 2006, com um texto mais enxuto que o roteiro original – até para se encaixar no orçamento de 35 milhões de dólares – e com Hugh Jackman e Rachel Weisz nos papéis principais.

A espera resultou em um filme mais elegante em sua narrativa e com ideias melhor trabalhadas, afinal o texto fora refinado pelo cineasta com o passar dos anos, mas é inegável a sinergia de ideias entre a nona e sétima artes neste caso. Ao invés de o roteiro de Aronofsky ter resultado “apenas” em um ótimo filme, temos também uma estonteante graphic novel que mostra a visão original do cineasta para aquela obra, que ainda conta com um posfácio de Aronofsky sobre sua jornada para levar sua visão para as telas e páginas.

Infelizmente, a versão ilustrada de “The Fountain” não fora lançada aqui no Brasil, mas encontra-se disponível através de livrarias que trabalham com títulos importados como Livraria Cultura e Saraiva.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre


Conteúdos Relacionados