Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 17 de maio de 2010

“Preciosa”, a obra original de Sapphire

O romance que deu origem ao premiado filme de Lee Daniels é um espetáculo literário.

Claireece Precious Jones é negra, pobre, feia, gorda e analfabeta. Vivendo em uma sociedade repressora a quem não se enquadra nos padrões sociais, Precious mora com a mãe, que a explora e a maltrata sempre que algo sai do controle. Do pai, as únicas lembranças são seus filhos, frutos de estupro. Para uma garota de 16 anos, sua vida é altamente atormentada pelos conceitos de beleza e pela vontade de ser alguém na vida.

O romance escrito por Sapphire foca toda a vida da garota, desde quando teve sua primeira filha, aos 12 anos, e que sofre de síndrome de Down, até a segunda gravidez e suas consequências. As referências familiares de Precious são as piores possíveis. Seus momentos de fuga são as aulas que a garota tem na escola. Péssima aprendiz, ela senta sempre ao fundo da sala e gosta de Matemática, ainda que não abra a boca durante as explicações. Completamente introvertida, porém com grande agressividade em relação ao mundo, Precious tem a chance de mudar de escola para receber novas orientações sociais e educacionais. É lá que ela começa a ter uma nova chance de buscar algo que faça a diferença em seu futuro, ainda que sua vida continue dura.

O principal atrativo da obra de Sapphire é o desenvolvimento da narrativa. Lemos uma espécie de diário de Precious, com erros de grafia e concordância, e que transmite os empecilhos que a garota enfrenta. Ainda que tenha vivido mais intensamente para uma garota de 16 anos, Precious continua sendo uma adolescente que possui uma ingenuidade mascarada. Ela quer ser bonita, estar em filmes e ser aceita do seu jeito. Ela quer um namorado e questiona por que ela não se encaixa na sociedade.

O que poderia virar um dramalhão dispensável se torna uma história densa, triste e envolvente. Precious é carismática e nos conquista por suas indagações sobre o que é a vida. Ela narra com detalhes sua miséria, chegando ao ponto de causar repulsa do próprio leitor ao compartilhar detalhes nojentos que viveu (como nos relatos do assédio sexual de seu próprio pai).

No decorrer do livro, é impossível não torcer para que ela consiga superar os obstáculos, mas parece que nada conspira a seu favor. Entretanto, ao entrar na nova escola e ao conhecer a professora dedicada Ms. Rain, além de outras garotas com problemas tão graves quanto os dela, Precious começa novas relações que dão significado a ela como ser humano.

Seus estudos não a transformam em uma sábia, mas são o começo para uma nova vida. É possível observar, no decorrer do livro, a evolução de sua escrita e seu conhecimento sobre assuntos diversos. É como se, a cada página, ela desabafasse com mais firmeza seus problemas, ainda que eles sejam de difícil solução. Precious procura compreender o mundo, as pessoas e o porquê de tanto sofrimento que ela teve e tem em casa. A busca pela felicidade parece ter seus inúmeros percalços e nunca sabemos se a protagonista está destinada a ser feliz em algum momento. Tudo que já era ruim, piora. Ainda assim, Precious mostra que é vítima de uma sociedade que elimina quem não se enquadra e tenta ter, na medida do possível, uma vida normal.

A obra de Sapphire conquista por ser visceral e por abordar com realidade assuntos como padrões de beleza e preconceitos dos anos 80, que ainda continuam presentes na sociedade atual. Sapphire mostra a realidade de uma de inúmeras outras crianças que vivem marginalizadas e quase sem expectativas de ter uma vida decente. O romance incomoda e tem neste ponto sua maior conquista: mostrar ao leitor que o ser humano não está mais preparado ou disposto a viver na sociedade que ele mesmo criou. As exceções, que nem sempre são a minoria, vivem na sombra de uma ilusória realidade que aceita quem se encaixa no pré-estabelecido.

“Preciosa” é um livro maravilhoso cuja leitura pode até ser custosa devido à intensidade de suas linhas, mas consegue, ao seu final, passar uma mensagem de esperança, mesmo quando o destino parece querer nos desapontar. No cinema, a obra ganhou uma adaptação fiel e tão forte quanto a obra original, o que rendeu um Oscar na categoria de Melhor Roteiro Adaptado. Uma história sufocante que toca, ensina e nos faz pensar merece estar na cabeceira dos apaixonados por leitura.

COMPRE O LIVRO AQUI

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre


Conteúdos Relacionados