Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 17 de abril de 2017

A Era dos Exageros: por que tudo precisa ser excelente ou horrível?

Onde fica o meio-termo e por que sempre precisamos "vencer" a discussão?

Mais do que em outras épocas, nosso tempo é limitado. Passamos muitas horas em transportes públicos, trabalhos múltiplos, estudos em faculdades, escolas e cursos, e todo o resto da nossa vida é compactado na quantidade mínima de minutos necessária para realizar uma atividade – mesmo nosso sono é espremido dentro da nossa agenda como uma obrigação que deve ser cumprida rapidamente.

Como consequência disso, tudo caminha para uma sociedade baseada na agilidade; não é de hoje que temos o fast food, e o velório drive-thru, a invenção que permite que você só passe de carro pelo caixão e se despeça do seu ente (nem tão) querido, é uma consequência disso. Nessa realidade, em que mesmo nossos relacionamentos se tornam líquidos e utilitários – acabamos por mantê-los enquanto nos são úteis, e os dissolvemos com facilidade -, o entretenimento que consumimos também precisa entrar na dança: precisamos assistir nossos filmes de maneira rápida e decidir, assim que ele termina, se ele vale a pena.

Desta forma, reduzimos nossas opiniões a um “vale meu tempo”/”não vale meu tempo”, e todas as nuances e efeitos que um filme pode causar são simplificados em uma nota. Pouco a pouco, resumir tudo o que consumimos a “é bom” ou “é ruim” vai nos colocando em pontos opostos sem qualquer necessidade, e, na ânsia de proteger nossa opinião, nos enclausuramos cada vez mais no que achamos: o que era bom vira excelente, e o que era ruim fica péssimo.

E, gradativamente, perdemos a capacidade de sermos razoáveis. Se o século passado foi a Era dos Extremos, o nosso é, em todas as áreas da sociedade, a Era dos Exageros.

A primeira consequência direta disso é o fato de que qualquer debate se torna inviável. Quando estamos no extremo, e achamos um filme fantástico ou horrível, não podemos aceitar qualquer argumentação que possa nos trazer para mais próximo de um meio-termo. Por exemplo: se defendo que “Batman vs Superman – A Origem da Justiça” é excelente, não posso admitir que ele tem muitos furos absurdos de roteiro, porque consequentemente isso tornaria ele um pouco pior do que estou disposto a admitir.

Na mesma lógica, se defendo que “Esquadrão Suicida” é o pior filme já feito, não consigo admitir que ele tem boas sequências de ação, porque eu precisaria aceitar que há possibilidade de eu estar errado em meu ponto de vista. Em ambos os casos, a polarização impede que haja concessões – nesse caso, considerar a possibilidade de se estar equivocado -, o que é indispensável para uma discussão construtiva.

A segunda consequência desta dinâmica é que, sem entendermos o motivo ou mesmo percebermos, passamos a absorver todas as críticas às nossas opiniões como críticas pessoais. Perdemos a capacidade de ouvir que um filme que adoramos é ruim, porque passamos a crer que nossa capacidade de julgamento está afetada – e, por essa lógica torta, não é o filme que é ruim, mas o nosso gosto pessoal. Da mesma forma, é impossível aceitar que um filme que detestamos é bom, porque isso representaria que não sabemos discernir o excelente do péssimo.

Falta um meio do caminho para essas análises. Grande parte do que é produzido na cultura – não só na área cinematográfica, mas em todas as suas manifestações – não se encaixa nem em um polo, nem no outro. Muito do que vemos, ouvimos e lemos não é nem a materialização da perfeição nem um lixo que, de alguma forma, caiu nas nossas mãos. Quando tratamos o entretenimento como algo que precisa ser incrível para valer a pena, deixamos passar os detalhes e as sutilezas que poderiam tornar aquele filme descompromissado algo a mais do que ele é.

Ironicamente, a nossa necessidade de que todos os filmes que assistimos sejam perfeitos faz com que todos eles sejam medíocres.

Falta, para nós, a capacidade de aceitar que nem todo longa vai mudar a nossa vida, e que nem todo filme vai revolucionar nosso mundo. Na maioria das vezes, o entretenimento vai somente nos entreter – e em última análise, essa é a sua única obrigação. Em outras palavras, o que precisamos entender é que nem tudo é excelente ou horrível: algumas coisas simplesmente são.

Erik Avilez
@eriksemc_

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