Uma homenagem à minha escola de Cinema, um texto por Louise Alves
Sendo membro da equipe do Cinema Com Rapadura desde 2016, uma despedida merece ser colocada em palavras.
“Em um quarto isolado, numa terra longínqua, vivia uma triste e solitária garota, que não fazia nada o dia inteiro além de olhar pela janela e observar a vida fascinante dos pássaros lá fora. Ela sonhava em estar com eles e ver o mundo, mas estava presa àquele lugar, sem ter para onde fugir. Até que um dia a garota encontrou uma nova janela, que não mostrava apenas o mesmo cenário todos os dias, mas que reproduzia milhares de cenários diferentes, com pessoas que ela nunca havia visto sendo parte de histórias fascinantes e comoventes. A garota encontrou o Cinema.”
Este é o início do texto que escrevi para submeter à primeira fase de seleção para novos redatores do Cinema Com Rapadura, em janeiro de 2016. Inicialmente, ele não havia sido escrito para esse propósito, e sim para uma espécie de autoaceitação de alguém que relutantemente estava virando uma adulta, com problemas de adultos. Uma tentativa de não se deixar sumir diante da escuridão do mundo real, um lembrete do refúgio que encontrei quando meus olhos brilharam pela primeira vez diante de uma telona (ou telinha) de cinema. Então, o que melhor do que um texto como esse para tentar fazer parte da equipe de um site que eu acompanhava desde 2009, quando tinha 15 aninhos. Mandei, fui aceita, e o resto é história… Mas o que aconteceu nessa história?
Faz quase exatamente um ano desde meu último artigo escrito para o Rapadura; um ano e três meses desde minha última notícia; e oito meses desde minha última crítica. Quanto à minha última participação no canal do Youtube, mal recordo, mas certamente foi em algum vídeo criticando mais uma decepcionante adição ao Universo Cinematográfico da Marvel. Nem gosto de lembrar, pois meu timing foi terrível para decidir aparecer em um ambiente que consegue ser bastante tóxico; se isso tivesse acontecido durante a fase de ouro do MCU, eu estaria rasgando elogios como todo bom emocionado faz. Bons tempos foram os do Guia Essencial, Definitivo e Inquestionável.
Tive também algumas passagens pelo RapaduraCast, a maioria das quais me orgulho bastante, pois nelas ou eu fui cômica o suficiente para fazer rir a mim mesma, ou fui verdadeira suficiente para que meu coração se deixasse mostrar. Claro que, para que um dia eu venha a ouvir essas edições novamente, muitos anos terão que passar, para assim a vergonha se dissipar o suficiente. Vergonha da minha voz irritante e dos meus comentários de tom exagerado, refletindo alguém sem muita paciência ou tolerância para discordância. Pensando melhor, como tantos de vocês me aguentaram?
Mas não se preocupem, pois falo isso com leveza no coração. Encontrar o Rapadura significou encontrar uma comunidade com os mesmos gostos que eu, ou gostos tão absurdamente diferentes que uma discussão acalorada imediatamente se tornava uma aventura. O Rapadura foi uma plataforma que me promoveu tantas oportunidades inesquecíveis, e com as quais aprendi tanto, que a gratidão transborda. Ao me jogar sem medo no que estava fazendo, descobri que consigo fazer entrevistas, e de alguma forma manter a calma diante de ícones de Hollywood pelo tempo tão curto (mas tão longo) de uma junket. Como foram incríveis essas entrevistas! Como eu acertei, e errei, e lutei, e conquistei, e aprendi… Tudo isso com um time de pessoas ao meu redor, que me protegia e me motivava a seguir em frente.
Que bons tempos os do estúdio do Rapadura, que reservava o caos para as deliciosas lives de sexta-feira. A sensação de estar ali dentro é difícil de descrever, mas o cenário era sempre o mesmo: amigos que nem sempre se viam, que ficavam felizes em estarem juntos, mas que precisavam TRABALHAR! Como era difícil se concentrar para que o trabalho acontecesse, e nem vamos mencionar a falta de pontualidade, pois isso o público do Rapadura já conhece bem.
Por muito tempo, eu trabalhei apenas nas sombras dentro deste site, e era uma posição confortável a se ter. Quando comecei a aparecer para o mundo, a percepção dos outros sobre mim tinha um grande peso, e isso nem sempre passava uma sensação agradável. Mas nossa, como eu me diverti. Vir para Fortaleza talvez seja a melhor decisão que eu já tomei na vida, e eu vim por conta do Cinema Com Rapadura. Muitas mudanças aconteceram desde então, e minhas vontades e objetivos também.
E por isso escrevo este texto. Para que, ainda que apenas de forma “burocrática”, eu me despeça da minha escola de Cinema.
Desde que encontrei o Cinema Com Rapadura através do RapaduraCast, passaram-se treze anos. Desde que me juntei à equipe, mais de sete anos. Quase dois mil textos, dezenas de lives, alguns vídeos e podcasts depois, percebi que a luz que havia nascido em mim quando encontrei a Sétima Arte, estava se esvaindo aos poucos. Meu prazer ao assistir obras que em tese eu esperava muito por ver, estava diminuindo. Só havia sobrado o sim e o não. O bom e o ruim. E então eu me perdi.
A única forma que consigo descrever essa sensação é através das minhas boas e velhas trilhas sonoras. Pelas notas do mais melancólico piano ou do violino mais desesperado, talvez a sensação de se perder em si mesma seja entendida. Afogar-se em seus próprios sentimentos, pensamentos e ilusões, ser consumida e sumir no não pertencimento. Difícil? Uma faixa de minhas favoritas pode ajudar a explicar.
Foram momentos difíceis, que duraram muito mais tempo do que eu poderia prever, e quando me encontrei de novo, notei que aqui não me encaixava mais. Não por nada significativo. Eu apenas “me graduei”. Aprendi tudo que tinha para aprender, evolui o quanto precisava, deixei minha marca, e ganhei uma marca eterna. E agora chegou a hora de partir.
Pensar nisso me deixa aflita. Como se nunca mais eu pudesse escrever texto algum, ou forçar minha opinião ao mundo. Como se nunca mais eu pudesse debater sobre cinema com alguns daqueles que basicamente formaram grande parte do meu entendimento sobre a arte. Como se eu estivesse abandonando, e ao mesmo tempo sendo abandonada.
Mas não é nada disso.
Enquanto estive tão entretida com minha Nova Janela, descobrindo novos mundos e novos ideais, esqueci de viver. Certo dia, olhei para mim mesmo e percebi que minha existência mal esteve presente fora das opiniões nada importantes sobre o mais novo filme ou a mais nova série. Poucas vezes eu consumia algum pedaço de entretenimento para apenas me divertir ou sentir algo, e, pior que isso, eu estava quase sempre sozinha. A verdade é que um refúgio às vezes pode se tornar uma prisão se você esquecer de aceitar sua realidade e vivê-la.
Agora, tenho novos planos. Quero me esconder novamente, mal sendo percebida pelo mundo. Quero trabalhar fora do radar, e juntar dinheiro para comprar coisas superficiais como roupas, óculos escuros, batom, perfume. Dinheiro também vai ser ótimo para mimar um gatinho preto que pretendo adotar e chamar de Loki (depois quem sabe terei um cinza que chamarei de Bucky). Quero também aproveitar as folgas para ir à praia, ao parque, a um café, e quem sabe mesmo até ao cinema. Quero celebrar com meus amigos, amar e ser amada, e quero viver.
Espero que entenda.
Espero que minhas palavras escritas nesse site perdurem para sempre, as boas, as ruins, as que pouco significaram e as que disseram até mais do que eu pretendia dizer. Que meu cuidado, carinho, e amor possa ser sentido de alguma forma ainda que meu nome desapareça na História. Não, não é tão grande coisa assim. Mas para mim, o Cinema Com Rapadura vai sempre ter sido minha escola de Cinema, e as lições que aprendi, nunca vou esquecer.
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