Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Na Sua Casa ou na Minha? (Netflix, 2023): para onde foram as boas comédias românticas?

Embora conte com nomes de peso no gênero, com Reese Witherspoon e Ashton Kutcher no protagonismo, filme não tem nada de diferente, divertido ou apaixonante a oferecer.

Depois que filmes de médio orçamento começaram a perder espaço nas salas de cinema para os escandalosos blockbusters — não rendendo o suficiente para compensar o gasto, nem sendo barato o bastante para lucrar mesmo com pouco -, a Netflix deveria ter sido a grande salvadora do gênero de comédia romântica. A plataforma começou investindo na experiência teen, com “A Barraca do Beijo” rendendo duas sequências, assim como a adaptação de “Para Todos os Garotos que Já Amei”. Com alguns erros e acertos (e a irritante insistência em tornar Noah Centineo o galã da nova era), o streaming se estabeleceu bem no romance adolescente. Mas quando o assunto é o amor entre adultos, poucos filmes se destacam. Na verdade, não fosse um catálogo cheio de clássicos da comédia romântica não originais da plataforma, a Netflix estaria cheia de tentativas tediosas de se estabelecer no gênero. E a estreia da semana “Na Sua Casa ou na Minha?” não foge disso.

A trama segue a história de Debbie (Reese Witherspoon) e Peter (Ashton Kutcher), que depois de uma noite juntos no longínquo ano de 2003, deixam o romance de lado e se tornam melhores amigos. Vinte anos depois, Debbie vive com o filho em Los Angeles, e Peter aproveita a vida de solteiro em Nova York. Eles não têm nada em comum, e ainda assim se falam todo dia, mas quando os dois trocam de casa por uma semana, descobertas vêm à tona.

Sem muitos mistérios, o longa se apresenta como um clássico “amigos que não percebem que são apaixonados um pelo outro”, com uma pitada de troca de casas à lá “O Amor Não Tira Férias”, mas sem nem metade da graça e charme deste. É difícil entender ao que a história se propõe, e não demora muito para que a experiência se torne maçante a ponto de surgir a vontade de escolher outra coisa para assistir. Isso, no entanto, é um pouco frustrante se considerar os grandes nomes envolvidos na produção. Começando pela roteirista e diretora Aline Brosh McKenna, que foi responsável por adaptar “O Diabo Veste Padra”, co-escreveu “Compramos um Zoológico” junto à Cameron Crowe, e é co-criadora da elogiada série “Crazy Ex-Girlfriend”. Com “Na Sua Casa ou na Minha”, McKenna faz sua estreia na direção, sem nenhum resquício da inspiração de suas obras anteriores.

Já Reese Witherspoon, uma grande queridinha das comédias românticas, tinha deixado o gênero um pouco de lado para investir em dramas para televisão. Além do adorado “Legalmente Loira”, a atriz esteve em “Doce Lar” (uma cativante rom-com que passava na Sessão da Tarde), “E se Fosse Verdade” (divertido, fora do padrão, e atualmente disponível na Netflix), e “Guerra é Guerra” (com uma química entre protagonistas que supera qualquer trama fraca). Witherspoon sabe ser engraçada, amável e costuma atrair a simpatia para suas personagens, mas em “Na Sua Casa ou na Minha” ela está perdidamente engatada no piloto automático. Quanto a Ashton Kutcher, ainda que seu currículo no gênero não seja tão memorável — destaque para “De Repente é Amor” e “Sexo Sem Compromisso” (mesmo que essa seja a alternativa ruim a “Amizade Colorida”) —, o ator é reconhecidamente um galã de comédias românticas, e sua participação aqui poderia ao menos garantir um certo apelo. Não é o caso.

Não só a dupla não encaixa bem com seus papéis individuais, os dois juntos não possuem química alguma, e talvez por isso passam a maior parte do filme separados. Em meio a isso, Wesley Kimmel consegue se destacar como Jack, filho de Debbie, com um charme tímido e doce. Tig Notaro também preenche bem o espaço com sua presença, e caso fosse melhor escrita no cargo de amiga engraçada, sua participação seria uma salvação para a obra. Há também uma tentativa de subtrama sobre aspirações literárias, envolvendo um desperdiçado Jesse Williams, que não vai a lugar algum e só contribui para a sensação de tédio. E falando em desperdício, o que Steve Zahn está fazendo nesse filme? Parece que ele apenas foi chamado na amizade para passar um tempo no set e de quebra aparecer em tela, sem nenhum propósito.

A Netflix possui sim boas comédias românticas voltadas para o público adulto: “Alguém Especial” e “A Incrível Jessica James”, com diferentes formas de lidar com um término; “Meu Eterno Talvez”, com uma adorável representação do friends-to-lovers; o coreano “Amor com Fetiche”, divertido e fofo; e até o objetivamente ruim “Ibiza: Tudo Pelo DJ”, que conquista por não fingir ser algo que não é (e tem Richard Madden de bônus). Mas com o objetivo de ser uma plataforma repleta de originais, o streaming já há muito deixou de priorizar a qualidade de suas produções de médio custo, as que deveriam ter sido seu grande foco. “Na Sua Casa ou na Minha” é mais uma comédia romântica descartável, que já será esquecida assim que estrear. É mais fácil achar graça e se apaixonar pelos casais dos vários realities de namoro que a Netflix produz, esses sim valem a pena.

Louise Alves
@louisemtm

Compartilhe