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Colunas   segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Jedi exemplar: porque todos amam Obi-Wan Kenobi?

Prestes a ganhar sua própria série para Disney+, Kenobi é a praticamente a única unanimidade entre os fãs de "Star Wars".

A história de Obi-Wan Kenobi no universo de “Star Wars” é repleta de feitos memoráveis, mas talvez o mais impressionante deles esteja fora das telinhas. Em meio a uma comunidade altamente fragmentada e heterogênea – e muitas vezes até odiosa -, o mestre Jedi conseguiu a proeza de ser, talvez, a única unanimidade entre os fãs. Praticamente não há quem não gostaria de ver a transformação de Obi-Wan, mestre e membro do Conselho Jedi e general do Exército da República, no velho Ben, ermitão solitário em Tatooine.

Com a confirmação de sua série para o streaming Disney+, ao que tudo indica é exatamente isso que veremos. O retorno de Ewan McGregor ao papel quase 15 anos após “A Vingança dos Sith” (2005) é mais que o sonho de todos os fãs, mas também a oportunidade perfeita para mostrar um Kenobi mais velho – apesar de McGregor parecer não envelhecer – lidando com seu fracasso ao treinar Anakin Skywalker, o fim da Ordem Jedi e a ascensão do Império.

Mas esta não será a primeira vez que Obi-Wan aparece em Tatooine durante seu exílio, “Uma Nova Esperança” (1977) não é a primeira vez que ele salva o jovem Luke Skywalker do perigo e, por fim, a criança não é o único ser que ele protege neste período. Raramente alguém simplesmente deixa de ser Jedi, e a história de Kenobi em Tatooine é exatamente essa: como continuar andando sem perder a fé no que se acredita, mesmo após sua antiga vida desmoronar. Vejamos então como ela tem sido contada até agora.

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Mestre e aprendiz

Mestre Kenobi, um momento. Durante sua solidão em Tatooine, treino eu tenho para você. Um velho amigo descobriu o caminho para a imortalidade. Um que retornou do submundo da Força… Seu velho mestre.” – Yoda, “Star Wars: A Vingança dos Sith” (2005)

Apesar de ter sido membro do Conselho Jedi, ao final de “A Vingança dos Sith” Obi-Wan ganha como lição de casa uma nova etapa de treinamento, agora para aprender a se comunicar com seu antigo mestre, Qui-Gon Jinn, que fora morto por Darth Maul em “A Ameaça Fantasma” (1999). Trata-se do primeiro Jedi a conseguir reter sua consciência e personalidade após a morte, além de conseguir se manifestar visualmente (os “fantasmas da Força”). Para entender como este treino pode aparecer na série é preciso olhar não para Kenobi, mas para seu antigo mestre.

Qui-Gon sempre fora visto por seus colegas como um rebelde dentro da Ordem, frequentemente indo contra as determinações do Conselho Jedi em detrimento do que ele sentia ser “a vontade da Força”. Essa imagem só fez ficar mais nítida quando ele se tornou um dos poucos Jedi a recusar uma vaga no próprio Conselho. Suas interpretações do que seria esta vontade da Força vêm de sua corrente filosófica, a crença na Força Viva, a ideia de que ela se manifesta constantemente através de tudo que é vivo. Para senti-la é preciso focar no presente, pois apenas ele determina a realidade. Ela é tão viva que mesmo após a morte ninguém estaria de fato perdido (“ninguém se vai de verdade“, lembram?).

Enquanto Qui-Gon olhava para o presente, a Ordem olhava para o futuro. No auge de seu poder, a Ordem Jedi pouco se preocupava com o status quo, sendo a própria ideia de equilíbrio da Força da qual Jinn falava algo praticamente abstrato para a maioria. Naquele momento, os Jedi não se dedicavam à Força, mas sim à Ordem.

Obi-Wan, estudioso que era, tentava conciliar os ensinamentos da Ordem aos de seu mestre – uma tarefa ingrata, convenhamos. Os desacordos entre ele e Qui-Gon eram frequentes, algo que fica claro em “A Ameaça Fantasma” – Kenobi manifesta por mais de uma vez contrariedade às ações de seu mestre. Ainda assim, Qui-Gon deixou uma centelha forte o suficiente para que Obi-Wan concordasse em treinar Anakin mesmo que o Conselho viesse a proibir. Nos anos seguintes, sua própria jornada como mentor e as inúmeras batalhas das Guerras Clônicas fizeram com que Obi-Wan perdesse de vista as ideias de Qui-Gon e passasse a se concentrar sempre no futuro e nos próximos passos – a próxima batalha, a próxima missão, o fim da guerra, etc.

Agora, sozinho em Tatooine, Obi-Wan terá que desaprender muito do que aprendera ao longo das décadas anteriores em relação à natureza da Força. Olhar para o futuro deixou os Jedi cegos e os levou à extinção, restando apenas o foco no presente: cuidar do jovem Luke Skywalker, seguir com o treinamento junto a Qui-Gon e aguardar o momento em que essa nova esperança esteja pronta para tomar seu lugar no embate entre Luz e Escuridão.

Um Jedi exemplar

“Ah, o negociador… General Kenobi!” – General Grievous, “Star Wars: A Vingança dos Sith” (2005)

Identificar a vocação de uma pessoa pode ser o trabalho de uma vida inteira. Para alguns ela pode ser clara desde sempre, enquanto que para outros pode demorar décadas até que seja identificada. No caso dos Jedi, não havia muita alternativa, já que bebês sensíveis à Força eram recrutados assim que descobertos, na maioria das vezes com meros meses de vida.

O caso de Obi-Wan foi um pouco atípico nesse sentido, já que ele foi recrutado já com pouco mais de três anos de idade. Ainda assim, (de acordo com o novo cânone estabelecido pela Disney) sua vocação sempre foi clara. Seu treinamento junto a Qui-Gon Jinn pode ter trazido as discordâncias que forem entre ambos, mas trouxe também um dos maiores ensinamentos pelos quais Kenobi tenta viver: há força e nobreza na restrição.

Claro que o conceito de “restrição”, nesse caso, está bem aberto a debate. No caso de um Jedi, ele pode se aplicar desde a relacionamentos até missões em geral, principalmente aquelas com possibilidade de conflito. Sua vocação e o ensinamento de Qui-Gon sempre se manifestaram mais fortemente aí, já que Obi-Wan sempre evitou ao máximo qualquer tipo de embate. Já durante as Guerras Clônicas e com o status de general do Grande Exército da República, seu apelido era bem conhecido, “o negociador”, já que ele preferia a possibilidade de evitar uma batalha quando ela se apresentava – em uma das melhores cenas da animação “The Clone Wars” (2008), ele convida o líder do exército inimigo para tomar chá e negociar. Um diplomata, acima de tudo.

Quando o combate se mostrava inevitável, contudo, Obi-Wan não costumava falhar. Mas mesmo seu estilo de luta favorito – conhecido como “soresu” ou “forma III” – se destaca pela predominância de posições defensivas e pela simplicidade de seus movimentos (independente de quantos saltos e piruetas que os filmes possam mostrar). Era um estilo que poucos na Ordem Jedi buscavam, justamente por ser visto como o mais básico. Ainda assim, foi o que o qualificou a enfrentar General Grievous – como se enfrenta um ser que luta com QUATRO sabres de luz ao mesmo tempo se não priorizando defesa e evasão? – e a derrotar Darth Vader/Anakin Skywalker – o mais habilidoso espadachim da galáxia, rápido e extremamente ofensivo -, ambos em “A Vingança dos Sith“. No segundo caso, até mesmo a máxima do ponto de vantagem (o “high ground“) se alinha com seu estilo e perfil, ao derrotar o adversário usando apenas seu conhecimento sobre ele e uma vantagem tática.

Kenobi era o Jedi exemplar. Um homem de paz em uma época de violência. De diplomacia em plena guerra. Agora em Tatooine ele terá de aprender a deixar de lado esta vocação que tão bem o define.

“Anos sozinho. Eu não era mais o General Obi-Wan Kenobi. Eu não era mais um Mestre Jedi” – “Star Wars #7” (Marvel, 2015)

19 anos de vigília

“Em vez de Lordes Sith e caçadores de recompensas, meus dias eram gastos batalhando a monotonia e a inatividade. Eu deveria estar mais ocupado do que nunca. Eu deveria estar treinando o garoto. Mas seu tio nunca me permitia. E eu imagino que havia uma parte em mim que não podia culpá-lo” – “Star Wars #7” (Marvel, 2015)

Ser Jedi é amar a todos, mas nunca um indivíduo. É carregar sempre a preocupação com a segurança de todos ao seu redor, por mais que a missão seja proteger uma pessoa específica. Mas deixar estes ensinamentos de lado é difícil quando eles são tudo que se tem. Principalmente quando sua missão é justamente proteger uma criança em uma terra sem lei.

Durante seus 19 anos em Tatooine, Obi-Wan parece ter sentido cada segundo. Ele teve que encontrar formas de proteger o jovem Luke sem participar da vida do garoto e começar a treiná-lo sem que seu tio Owen desconfiasse. Teve que resistir aos impulsos de proteger cada ser vivo em Mos Eisley toda vez que ia à cidade. Teve que evitar conflitos diretos com os Hutts e o Povo da Areia – dois clãs que sempre fizeram muito mal a todos em Tatooine. E teve que lidar com velhas feridas abertas reaparecendo repentinamente.

Por tudo isso, a transição de Obi-Wan Kenobi para Velho Ben não foi fácil. Um dos últimos espécimes de uma religião extinta, ele precisou entender que ele próprio era o maior perigo que rondava Luke. Como lidar com essa ideia talvez seja o maior desafio de Kenobi durante seu exílio auto-imposto.

Mais que Jedi: humano

Certa vez, durante uma entrevista, a rainha Beyoncé mencionou um fato importante sobre a vida: às vezes podemos trabalhar duro e dar tudo de nós mesmos… E ainda assim perder. Essa é uma lição que todos aprendem, cedo ou tarde, doa quem doer.

Talvez esse seja o traço definitivo da história de Obi-Wan Kenobi para torná-lo ponto pacífico entre os fãs de “Star Wars“. Ao longo de sua vida, ele seguiu à risca a maioria dos ensinamentos de sua religião e se tornou um dos maiores membros da Ordem Jedi. Superou a morte de um mestre com o qual raramente concordava, mas que amava como um pai. Ascendeu ao posto de mestre e se tornou a principal referência do que um Jedi deveria ser. Venceu incontáveis batalhas antes e durante as Guerras Clônicas – algumas sem sequer precisar haver luta, dada sua personalidade conciliadora e diplomática.

E ainda assim, em sua maior tarefa – treinar aquele que seria o Escolhido -, ele fracassou de forma retumbante, o que gerou consequências catastróficas para todos na galáxia. A queda de Anakin Skywalker ao Lado Negro da Força não culminou apenas na derrota definitiva dos Jedi, mas também na ascensão do Império e seu regime de tirania galáxia afora. É impossível imaginar como Obi-Wan, após isso tudo, ainda encontrava forças para continuar sua missão de cuidar do jovem Luke em Tatooine.

O fato é que a vida pode derrubar até o mais brilhante dos Jedi. Vejamos agora como ele se levanta.

Julio Bardini
@juliob09

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