Além da magia: como Harry Potter e Newt Scamander ensinam a lutar pelo o que é certo
Mais do que feitiços e criaturas mágicas, o universo criado por J.K. Rowling ensina sobre perseverança e empatia, com mensagens mais relevantes do que nunca.
“Ele vai ser famoso, uma lenda. Eu não me surpreenderia se o dia de hoje ficasse conhecido no futuro como o dia de Harry Potter. Vão escrever livros sobre Harry. Todas as crianças no nosso mundo vão conhecer o nome dele!”
E assim o foi.
Será que J. K. Rowling tinha alguma ideia do peso dessas palavras, enquanto escrevia? Será que a autora tinha noção de que o pequeno Harry Potter de fato se tornaria uma lenda e mudaria a vida de milhões de pessoas? Em seu próprio mundo, Harry lutou incansavelmente contra bruxos das trevas e finalmente venceu. “Tudo estava bem”. Mas aqui, neste nosso mundo desprovido de magia (a não ser que eu só seja mais uma trouxa), Harry, através das palavras de sua mãe, trouxe alegria, esperança, conforto e perseverança para aqueles que leram sua história. Este texto é para ele. E para tudo que veio depois.
O menino debaixo da escada
Quando se fala de Harry Potter, é fácil lembrar do deslumbre de ser inserido em um mundo novo. Castelos encantados, com escadas que mudam de lugar e retratos que se movem; criaturas mágicas; feitiços; fantasmas; elfos domésticos; carros voadores; quadribol; e um salgueiro lutador, imagine só! É muito para se absorver, e assim como Harry, vivemos anos sem fazer ideia de que tais coisas poderiam existir, e do nada, aqui estão. É fácil lembrar de como nos sentimos quando Harry pegou seu primeiro pomo de ouro ou quando Grifinória ganhou a Taça das Casas.
Mas um aspecto de toda essa história, que começa sutil e vai ganhando espaço ao passo que Harry se torna mais velho, é o conflito interno que o garoto, órfão de pai e mãe, e sempre atormentado pela perda de seus pais e pelo que a cicatriz deixada por seu inimigo representa em sua vida, tem de enfrentar. Quando conhecemos Harry em “A Pedra Filosofal” ele está solitário, e tem sido solitário desde que se entende por gente.
“Vivia com os Dursley havia quase dez anos, dez infelizes anos […] Quando era mais novo, Harry sonhara muitas vezes com um parente desconhecido que vinha levá-lo embora, mas isto nunca acontecera; […] Na escola Harry não tinha ninguém”. – Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Harry não tinha ninguém. É até difícil imaginar a solidão pela qual aquela criança estava passando. Não é à toa que o garoto se sente tão feliz com os Weasley, uma família grande e amorosa que mesmo com tão pouco, faz questão de acolher Harry. Bem diferente do que ele estava acostumado com os Dursley. É também por isso que o jovem bruxo acha em Rony e Hermione uma amizade tão forte; eles são os primeiros amigos verdadeiros que Harry tem! E não só isso. Em Hogwarts, Harry finalmente encontra sua casa, e pela primeira vez em sua vida ele sente que pertence a algum lugar.
“Você tem os olhos de sua mãe, mas é idêntico a seu pai”
Líllian e Tiago Potter morreram na noite de 31 de outubro de 1981, protegendo seu único filho do Lorde das Trevas. Harry tinha apenas 1 ano de idade, e passaria o resto de sua vida sem os pais a seu lado para ensiná-lo a andar, ou a usar a varinha, e nem estariam ali para apreciar suas conquistas ou confortá-lo em momentos de dor. É por isso que quando Harry se depara com o Espelho de Ojesed e vê a imagem de seus pais pela primeira vez, ele fica extremamente feliz, e desesperadamente triste.
“Os Potter sorriram e acenaram para Harry e ele retribuiu o olhar, carente, as mãos comprimindo o espelho como se esperasse entrar por dentro dele e alcançá-los. Sentiu uma dor muito forte no peito, em que se misturavam a alegria e uma terrível tristeza”. – Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Em “O Prisioneiro de Azkaban”, Harry acreditou que seu pai tinha sido a pessoa que lançou o Patrono para proteger ele e Sirius dos Dementadores. Ao se deparar com o mesmo momento, depois de ter voltado no tempo, viu que ele tinha sido o lançador do feitiço. E logo percebeu que seu patrono era o mesmo de seu pai.
“Pontas”.
O amor de Líllian sempre manteve Harry protegido, e a lembrança de seus pais levaria ele adiante em sua jornada. É como Sirius bem disse, “aqueles que amamos nunca nos deixam de verdade”. É triste pensar que, não bastasse a perda de seus pais, Harry também teria que perder seu padrinho, com quem tinha passado tão pouco tempo. Um pequeno trecho da carta que Sirius envia a Harry em “O Prisioneiro de Azkaban” sempre me faz pensar no “e se”. E se Harry pudesse ter vivido como uma família com Sirius?
“Pela presente, eu Sirius Black, padrinho de Harry Potter, dou-lhe permissão para visitar Hogsmeade nos fins de semana”. – Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.
Sonserina não?
Com um passado tão cheio de perdas, e uma cicatriz que não o deixava esquecer (e nem a ninguém mais) quem ele era, Harry chegou ao limite diversas vezes. A fama obscura que o cercava nunca foi algo com que ele lidou bem, e em “O Cálice de Fogo”, quando nem mesmo seu melhor amigo acreditou que ele não tinha colocado seu nome para competir no Torneio Tribuxo, Harry exclamou, depois de atirar algo na cabeça de Rony:
“Toma. Uma coisa para você usar na terça-feira. Quem sabe você até arranja uma cicatriz agora, se tiver sorte…é o que você quer não é?”.
Dá até para sentir o desprezo com que essas palavras são ditas. Harry não quer esta fama, e se pudesse apagaria aquela cicatriz de sua testa e viveria o resto de seus dias como um garoto comum de sua idade. Ele não entende porque tudo tem que acontecer com ele por um bom tempo, e, por mais que tentem, seus amigos nunca irão entender o que é passar por isso.
“Eu sinto tanta raiva, o tempo todo”.
É interessante lembrar que o Chapéu Seletor considerou colocar Harry na Sonserina, por achar que a casa seria uma ótima opção para a ambição que o artefato mágico sentiu no garoto. No entanto, Harry escolheu não ir para essa casa. O menino que sobreviveu teria tudo para ceder à raiva e à tristeza que insistia em o envolver, mas ele escolheu lutar contra isso e achar a luz nos momentos escuros. E mais uma vez, como Sirius disse, “Todos temos luz e trevas dentro de nós. O que nos define é o lado com o qual escolhemos agir. Isso é o que realmente somos.”.
Algo pelo o que vale a pena lutar
“Harry Potter e a Pedra Filosofal” chegou às prateleiras em 1997; seu filme chegou aos cinemas em 2001. Uma geração inteira que conheceu Harry e sua história por volta desta mesma época cresceu com o menino que sobreviveu. Milhões de crianças aprenderam sobre o mundo da magia com Harry, assim como lidaram com as mortes de Cedrico Diggory, Sirius Black, Dumbledore, e tantos outros que perderam suas vidas ao longo de sete livros. Os leitores, espectadores e os fãs, lidaram com a adolescência e as primeiras paixões assim como Harry, mas acima de tudo, aprenderam que não importa quão difícil seja uma luta, ou quão mais forte o inimigo parece, nós temos “algo pelo o que vale a pena lutar”.
Em 15 de julho de 2011, vimos uma era chegar ao fim. “Harry Potter e a Relíquias da Morte Parte 2” estreava, e todas aquelas crianças que foram ao cinema ver o primeiro filme, eram agora jovens, enfrentando, junto a Harry, a maior batalha de suas vidas. Este filme coincidiu com o último ano que eu estaria na minha casa, debaixo da proteção da minha mãe. Era o último ano de escola e o último ano que eu não teria que preocupar com muito além de tirar notas boas. O baque já começa quando, pela primeira vez na franquia, não é Hedwige’s Theme que toca quando o letreiro da Warner Bros. aparece, e sim Lily’s Theme.
A inocência já tinha começado a deixar Harry desde “Enigma da Príncipe”, quando apenas as primeiras notas de Hedwige’s Theme tocam, dando lugar a um tema bem mais melancólico, enquanto o letreiro da Warner começa a se deteriorar. Já em “Relíquias da Morte Parte 1”, o letreiro está totalmente enferrujado, e assim começa a tocar Obliviate. Esqueça sua família, sua escola, deixe tudo pra trás, porque a luta iminente é o que importa. E assim, quando Lily’s Theme toca no último filme da história de Harry Potter, os fãs, que cresceram, aprenderam e sofreram por todos esses anos, estão indo agora à batalha junto a Harry.
A batalha foi vencida, e tudo estava bem. Era o momento então de um novo começo.
Animais Fantásticos e Onde Habitam – vida adulta no mundo mágico
Além da franquia Harry Potter, J.K. Rowling escreveu três outros pequenos livros que fazem parte do próprio mundo bruxo. São eles Os Contos de Beedle, o Bardo, que conta com o conto dos Três Irmãos; Quadribol Através dos Séculos; e Animais Fantásticos e Onde Habitam. Escrito pelo magizoologista Newt Scamander, o livro é um guia para conhecer e cuidar de criaturas mágicas, e foi com muita surpresa que, em 2013, os fãs receberam a notícia de que esta obra seria adaptada para os cinemas. Como um livro tão pequeno e sem história poderia ir para as telonas? Com a própria J.K. Rowling como roteirista.
Newt Scamander, o tímido e excêntrico bruxo da Lufa-Lufa seria o protagonista de uma nova franquia, que teria início 1926, em Nova York. Ao contrário de Harry, neste ponto da história, Newt já seria um bruxo instruído, já tendo iniciado sua carreira. E por que isso é tão genial? Aquelas crianças que entraram para o mundo bruxo com a mesma idade que Harry, agora também são adultos. Eles já conhecem os feitiços, os truques, as maravilhas deste mundo, e agora vão conhecer uma nova história onde tudo isso já lhe é familiar. E mais, com Newt vamos conhecer um protagonista totalmente altruísta e leal, as maiores características de uma casa de Hogwarts que, até então, havia sido a mais esnobada.
Newt tem um jeito um tanto peculiar e se dá melhor muito mais com as criaturas mágicas do que com pessoas. Como ele próprio diz, as pessoas costumam se irritar com seu jeito excêntrico, mas Newt simplesmente é quem ele é. O magizoologista não se importa se seu jeito não é aceito pelo resto das pessoas, ou se o fato dele se preocupar em cuidar dos animais fantásticos em vez de querer exterminá-los é alarmante para o mundo bruxo. Desde sempre, Newt sabe o que tem de fazer e que caminho seguir, e isso é bastante incomum quando pensamos nos protagonistas mais famosos. O próprio Harry Potter quase nunca sabia o que fazer (um elemento que sempre foi uma boa piada), e o fato é que protagonistas geralmente estão em busca de algo ou em uma jornada de descobertas.
Newt não. Newt apenas quer cuidar do maior número de criaturas mágicas possível, trabalhar no seu livro, e fugir de escritórios e funções tediosas no Ministério da Magia. Isso funciona como ótimo elemento de identificação para adultos recém chegados ao mundo bruxo de J.K. Rowling. Além disso, muitos espectadores que nunca deram muita bola para Harry Potter se viram atraídos por uma nova visão da magia. E mesmo os fãs de longa data adoraram presenciar uma nova história, em que nada precisa ser explicado, pois passamos anos e anos em Hogwarts (ao menos em nossos corações), e agora estamos prontos para conhecer novos países, novas pessoas e participar de novas aventuras.
E disse Lufa-Lufa “Ensinarei a todos e os tratarei como iguais”
Com “Animais Fantásticos e Onde Habitam” fomos apresentados a um elemento não tão explorado na franquia Harry Potter: a separação entre bruxos e trouxas (ou não-mágicos). Como vimos no filme, o Ministério da Magia dos Estados Unidos não permite que bruxos e no-majs se relacionem de nenhuma forma, e há um cuidado muito grande em evitar que no-majs tenham qualquer conhecimento sobre as ações bruxas no país. Tal fato é usado por Grindelwald, o bruxo das trevas que busca pela supremacia bruxa, para convencer seus potenciais seguidores de que, ao esconder a magia, quem se prejudica são os próprios bruxos, enquanto os no-majs são sempre protegidos, e ao mesmo tempo, sempre prontos para atacar tudo que é diferente.
Em um ambiente tão nocivo, Newt conhece o no-maj Jacob Kowalski, de forma bem acidental, e eles acabam se tornando amigos. Um trouxa no mundo mágico! Jacob provavelmente representa todos nós se descobríssemos que a magia é real, e por isso ele é um personagem tão identificável. No entanto, Newt, britânico, não sabe muito sobre essa relação nada amigável entre bruxos americanos e pessoas não-mágicas. E na verdade, ele não liga. Como herança de sua casa em Hogwarts, Newt aceita qualquer pessoa, sendo bruxa ou não, e rapidamente se torna amigo de Jacob.
Faz perfeito sentido que Newt Scamander seja o protagonista de uma nova franquia em que o vilão prega a supremacia bruxa. Para Grindelwald, os não-mágicos são inferiores, e os bruxos devem tomar parte na luta em “defesa” dos puro-sangue. Helga Lufa-Lufa, a fundadora desta casa de Hogwarts, dizia: “Ensinarei a todos e os tratarei como iguais”. Uma mensagem sempre relevante, e sempre necessária, para um mundo que parece esquecer as barbaridades que já aconteceram todas as vezes que algum líder pregou a supremacia de uma raça.
Credence Barebone – quando o mundo não aceita quem você é
Por volta dos 20 anos de idade começamos a ter uma ideia de quem somos ou quem queremos ser. Já temos uma noção de que estilo de roupa preferimos vestir, que gênero de música gostamos de ouvir, que curso queremos estudar e que conquistas buscamos alcançar. Este é, porém, um dos mais frágeis momentos de nossas vidas, pois é quando começamos a tomar nossas próprias escolhas e ter uma opinião formada que o mundo começa a nos olhar diferente, como se dissesse “por que você está se destacando?”.
“Animais Fantásticos e Onde Habitam” apresenta um dos personagens mais importantes de toda a franquia Harry Potter. Credence Barebone é um jovem de cerca de 20 anos, adotado por Mary Lou Barebone, líder de um grupo não-mágico extremista chamado Second Salemers, que prega que bruxos existem, e que devem ser exterminados. Credence, no entanto, é um bruxo, e tem de reprimir a magia inerente a sua existência para que sua mãe adotiva não descubra. Não bastasse isso, Credence sofre abuso físico e psicológico de Mary Lou, o que deixa o jovem ainda mais perturbado.
Descobrimos, então, que quando um jovem bruxo tem de reprimir sua magia, uma força parasita acaba surgindo, o consumindo aos poucos, e fazendo com que o bruxo tenha episódios incontroláveis de raiva, transformando-se em uma forma etérea, que sai destruindo tudo. O problema é que bruxos com tal força dentro de si acabam vivendo bem pouco, morrendo quando crianças por não ter mais como resistir ao parasita chamado de Obscurus. Credence é um exceção, pois já tem 20 anos, e possui um Obscurus dentro de si. Abusado pela mãe adotiva, manipulado por Grindelwald, que está interessado apenas em adquirir a força obscurial para sua causa, Credence, carente de afeição, só conhece a dor e a raiva por ter que reprimir quem ele verdadeiramente é.
Quantos jovens passam pelo mesmo problema de não serem aceitos pelos pais ou pela sociedade em que vivem, e acabam reprimindo seus verdadeiros eus para não serem julgados ou até agredidos? Quantos são abusados em suas próprias casas, sem ninguém para defendê-los? Quantos sofrem e choram todos os dias por não entenderam como o mundo pode ser tão cruel para não aceitar alguém diferente? No mundo real não existe a forma física do Obscurus, mas esta força existe, e consome a todos que passam por tais situações. E ter Credence como um ponto central em “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, onde Newt Scamander está lá, disposto a ajudá-lo, indica que há esperança, e devemos nos agarrar ao que há de bom ao nosso redor, por menor que isso seja.
“A felicidade pode ser encontrada mesmo nas horas mais difíceis, se você se lembrar de acender a luz”. – Alvo Dumbledore
“Eu quero ser um bruxo”
Com “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald”, a história de Newt Scamander continua, assim como a história da luta entre bruxos e no-majs, em uma franquia que durará até 2024, com outros três filmes programados. Com a criação do selo Wizarding World, é provável que J.K. Rowling e a Warner Bros. continuem a contar diversas outras histórias do mundo bruxo por mais anos e anos. Se for o caso ou não, seremos sempre gratos pelo universo que mudou nossas vidas.
“A Harry Potter: o menino que sobreviveu!”