Edgar Wright Contra o Clichê: a trajetória do diretor mais pop e icônico dessa geração
Conheça o cineasta e entenda como ele se tornou um dos diretores mais importantes da atualidade.
Se esse texto fosse escrito como um filme de Edgar Wright, ele teria a linguagem inventiva, cortes inteligentes e o humor explícito de forma não convencional. As referências formariam algo completamente novo, as frases estariam repletas de subtextos e a transição dos parágrafos quebraria o tradicional. As sentenças seriam irônicas, as mudanças de tema recorrentes e, acima, de tudo, assim como o arco dos quadrinhos em que o Homem-Formiga deu origem aos Vingadores, esse texto já nasceria clássico.
Com 43 anos, o inglês Edgar Howard Wright faz parte da talentosa geração da comédia que despontou na última década e conta com expoentes como Judd Apatow (“O Virgem de 40 anos”, “Superbad – E Hoje”), Ricky Gervais (da série britânica “The Office”) e Jason Reitman (“Juno”, “Obrigado por Fumar”). O mérito para a notoriedade de Wright é a necessidade que ele tem de criar revoluções e algo totalmente novo em cada filme que produz. A forma como o humor permeia suas obras, indicando camadas e subcamadas, e o simbolismo da comédia visual que ele realiza o transforma em um dos diretores mais icônicos da nossa era.
E os vestígios da qualidade técnica de Wright começaram a surgir em 1993, quando aos 18 anos, comandou “Dead Right”, um curta de 48 minutos que parodia o filme “Dirty Harry – Perseguidor Implacável”, de Don Siegel e Clint Eastwood. Contando com aproximadamente 70 atores no elenco (a maioria colegas e amigos do diretor), o filme conta a história de um policial caçando um serial killer e foi escrito, editado, produzido, filmado, sonorizado e dirigido pelo próprio Wright.
Com as filmagens acontecendo apenas nos finais de semana e corante utilizado como sangue, o curta já dava pequenas demonstrações do humor nonsense e da ironia espontânea que tornariam o diretor referência. Muitas das cenas do curta, inclusive, foram referenciadas em “Chumbo Grosso”, filme posterior de Wright.
A personalidade e as características de Wright foram evoluindo e podem ser notadas com mais clareza em seu primeiro longa-metragem, “A Fistful of Fingers” (“Por um Punhado de Dedos”). Paródia dos filmes sobre o Velho Oeste, o longa faz clara referência ao clássico “Por um Punhado de Dólares” e, apesar da pouca distribuição no Reino Unido, hoje é considerado cult e abriu as portas do diretor para a televisão, onde ele alcançaria um novo patamar.
Na TV, ele comandou os seriados de comédia “Mash and Peas”, “Asylum” e “Is It Bill Bailey”, mas foi com “Spaced” que se tornou realmente relevante e deu início a amizade com Simon Pegg (“Star Trek: Sem Fronteiras”), a parceria mais marcante da carreira. “Spaced” conta a história de dois amigos de vinte e poucos anos, vividos por Pegg e Jessica Hynes, que fingem ser um casal para alugar um apartamento. Nick Frost (“Paul – O Alien Fugitivo”), que viria a ser um dos atores mais presentes da filmografia do diretor, também estava no elenco.
Com duas temporadas, exibidas em 1999 e 2001, a série ficou conhecida pelos cortes rápidos, o surrealismo esporádico, a música contagiante e as frequentes referências a ficção científica, filmes de terror, quadrinhos e videogames. Mantendo a tradição de realizar o trabalho com as próprias mãos, Wright filmou a maioria das cenas com uma única câmera, conservando o estilo cinematográfico e sua linguagem visual característica.
Edgar Wright conta que foi convidado para desenvolver uma versão da história nos EUA, mas se recusou, uma vez que uma das principais características da série (elementos da cultura americana na Inglaterra) se perderiam. A Fox até tentou fazer um remake americano sem o cineasta, mas o filme, lançado direito pra TV, foi um fracasso comercial e teve pouquíssima repercussão.
Simon Pegg, Nick Frost e Edgar Wright
Então, em 2004, o diretor deu início a Trilogia Sangue e Sorvete, ou Trilogia do Cornetto, uma brincadeira de Wright e Pegg em referência a Trilogia das Cores, de Krzysztof Kieslowski. Os filmes da Trilogia do Cornetto foram escritos em conjunto e satirizam gêneros clássicos de Hollywood. Além disso, em todos os longas, um sorvete Cornetto deveria aparecer em alguma cena.
Sucesso de crítica, o primeiro filme da trilogia foi aquele que tornou o diretor popular no resto do mundo: “Todo Mundo Quase Morto” (Shaun of the Dead). Descrito pelos próprios criadores como uma comédia romântica com zumbis, a ideia do projeto surgiu de um episódio de “Spaced” e deveria ser uma paródia do jogo “Resident Evil”. Posteriormente Pegg afirmou que o filme era uma forma de homenagear os clássicos de George A. Romero.
Com Frost, Kate Ashfield, Lucy Davis e Bill Nighy no elenco, a obra segue Shaun (Pegg), um homem cansado e monótono, quase sem vontade própria, que, ao confrontar com mortos-vivos, vê a chance de se tornar um herói e conquistar sua namorada de volta. Aqui, Wright se mostra como um cineasta mais maduro e inteligente, dando boas-vindas ao tipo de cinema que consagraria o diretor. Cortes rápidos e bem-feitos, posicionamento de câmera, uso da música de forma inteligente e referências a outros filmes da cultura pop fizeram de “Todo Mundo Quase Morto” uma das mais geniais e brilhantes sátiras a filmes de zumbi.
Romero, um dos criadores e maiores entusiastas do gênero de zumbi gostou tanto do longa que convidou a dupla para fazer uma participação em “Terra dos Mortos”. Pouco tempos depois, em 2007, ele participou do projeto “Grindhouse”, encabeçado por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez para homenagear os filmes de horror da década de 1970 e que também contou com as colaborações de Eli Roth e Rob Zombie. Wright escreveu e dirigiu o trailer de “Don’t”, uma sátira dos filmes italianos de terror dos anos 70, que conta com uma narração assustadora, uma mansão assombrada e dicas do que fazer para sobreviver.
Após o grande sucesso de “Todo Mundo Quase Morto”, o diretor ganhou aval de Hollywood e três anos depois lançou a segunda parte da trilogia: “Chumbo Grosso”. Ainda com Simon Pegg e Nick Frost nos papéis principais, o longa utilizava filmes de ação policial como referência para construir a história. Inspirados em “Duro de Matar”, “Exterminador do Futuro” e outros, “Chumbo Grosso” acompanha um policial de Los Angeles que é punido pela corporação por ser “bom demais” e mandado para uma sossegada vila britânica. Desconfiado da tranquilidade do local, ele começa uma investigação e descobre um mistério muito maior do que havia imaginado.
Neste filme, Wright reutiliza os conceitos que aprendeu em “Todo Mundo Quase Morto” de forma magistral. As cenas nonsense e o tradicional humor inglês que permeia suas obras se faz presente e nenhum frame está colocado lá sem ter sua importância para a obra. Os recursos cinematográficos característicos do diretor reafirmam seu talento para produzir comédias visuais, como essa cena de transição brilhante:
Para finalizar a trilogia do Cornetto, em 2013 o diretor lançou “Heróis da Ressaca”, ou “The World’s End” (O Fim do Mundo). O longa segue um grupo de amigos de infância que se reúne para beber em vários bares na mesma noite, mas eles acabam testemunhando uma invasão alienígena e têm que lutar para salvar o mundo. Apesar de não ser tão emblemático como os dois primeiros, “Heróis da Ressaca” finaliza a trilogia com louvor.
Entre “Chumbo Grosso” e “Heróis da Ressaca”, Wright conseguiu fazer o melhor filme de videogame da história, sem fazer um filme inspirado em um jogo de videogame. “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, adaptação da HQ, trazia atores completamente diferentes dos que ele estava acostumado a trabalhar e, seguindo a tradição, era algo completamente novo. Adaptação de uma história em quadrinhos, o longa tem um elenco repleto de estrelas, com Michael Cera, Mary Elizabeth Winstead, Ana Kendrick, Kieran Culkin, Brie Larson, Chris Evans, Jason Schwartzman, Aubrey Plaza, Alison Pill, Ellen Wong, Mark Webber, Bradon Routh, Mae Whitman, Bill Hader e Johnny Simmons.
O filme conta a história de Scott (Cera), um jovem canadense preguiçoso e desempregado que se apaixona pela misteriosa Ramona Flowers, mas para engatar o namoro ele tem que derrotar os sete ex-namorados dela. O filme é a extrapolação do estilo do diretor. É o que ele faz de melhor elevado a décima potência. A utilização dos diálogos de forma pouco óbvia, a mesclagem de animação 8 bits com live-action, a reprodução de frames exatamente iguais aos quadrinhos, a música casando com as cenas e os easter eggs inseridos em partes fundamentais da trama são os elementos que transformam o filme na comédia visual mais emblemática de Wright. A dedicação do diretor foi tão grande que ele mesmo escreveu uma carta para a Nintendo pedido para usar a música tema de “The Legend of Zelda: A Link to the Past” no filme.
No entanto, a carreira de Edgar Wright não é feita só de alegrias. Em 2014, ele saiu da direção de “Homem-Formiga” após ter trabalhado no roteiro e na produção do longa por mais de oito anos. A circunstância, que marcou um dos momentos mais polêmicos da Marvel Studios, teria acontecido por diferenças criativas do diretor com o estúdio. Ao ser questionado, Wright disse que ele procurava fazer um filme da Marvel, mas a Marvel não queria fazer um filme dele. Ainda admitiu que ficou de coração partido por sair do projeto depois de tanto tempo trabalhando nele.
“Eu era o diretor e roteirista, e queriam fazer um rascunho sem mim. Depois de ter escrito todos os meus filmes, foi algo difícil de deixar seguir adiante. De repente, tornando-se somente um diretor contratado, você começa a investir menos emocionalmente e se pergunta por qual motivo está ali realmente” – disse Wright.
Com a saída de Wright, Peyton Reed (“Sim, Senhor”) assumiu o comando do filme, que teve resultado positivo nas bilheterias e agradou a crítica. No entanto, ainda é possível enxergar a linguagem do ex-diretor em vários segmentos do longa. Joss Whedon, diretor de “Vingadores” e um dos principais expoentes das duas primeiras fases do Universo Marvel, afirmou, em entrevista ao Buzzfeed, que o roteiro de Wright era o melhor já escrito para o estúdio.
“Eu não só achava que era o melhor roteiro que a Marvel já teve, como também era o roteiro mais Marvel que já li. Estava desinteressado em Homem-Formiga, então li e pensei ‘Cara, isso é muito bom!’. Me lembrou os quadrinhos: irreverentes, criativos e divertidos, não sei porque as coisas deram errado. Eu fiquei triste e sentido, parecia o casamento perfeito”. – Whedon.
Recentemente Wright disse que nunca viu o filme e nunca vai ver, apesar de ainda ser citado nos créditos. Resta a nós imaginar e especular como seria o Universo Marvel com a participação de Edgar Wright, um diretor com a assinatura tão marcante.
Continuando a hábito de surpreender o público e produzir filmes completamente diferentes um do outro, chegou aos cinemas do Brasil na última quinta-feira (27/07) “Em Ritmo de Fuga” (Baby Driver). Apontado por alguns críticos como um dos melhores filmes do ano, o longa conta a história de Baby, um piloto de fuga que precisa ouvir música o tempo todo por causa de um problema na audição. Ao se apaixonar por uma garçonete ele pretende sair do mundo do crime, mas não vai ser tão fácil assim. O longa é inspirado em um videoclipe da banda Mint Royale, que ele mesmo dirigiu e tem um enredo bem parecido. Olha aí:
Parte da popularidade de Wright se construiu porque ele consegue se comunicar com seu público. A construção da linguagem fílmica do diretor acompanha o processo de adaptação aos novos meios e necessidades impostas pelos espectadores. Ele entende a inconsistência dessa geração e utiliza isso em suas obras. Produtor, diretor, roteirista e ator, Wright utiliza com louvor os recursos do cinema e sabe, como ninguém da atualidade, utilizar a linguagem visual a favor do filme. Ele transforma algo banal em extraordinário. Com filmes audaciosos e inovadores, Edgar Wright já está consolidado na cultura pop e no cinema como o diretor mais representativo e icônico dessa geração.