Corredores e diálogos carregados: o cinema de Aaron Sorkin
Um dos roteiristas mais aclamados de Hollywood, Sorkin também dirigiu seus últimos dois filmes.
No próximo dia 16 estreia “Os 7 de Chicago“, novo filme do cineasta Aaron Sorkin. Conhecido primeiramente por seu trabalho como roteirista, esta é a segunda vez que Sorkin assume a função de diretor, a primeira sendo “A Grande Jogada“, com Jessica Chastain. Na nova empreitada, ele tem um grande elenco à disposição – Eddie Redmayne, Yahya Abdul-Mateen II, Sacha Baron Cohen e Frank Langella -, um tema espinhoso, mas oportuno e, claro, toda a expectativa de quem se acostumou às grandes histórias que Sorkin escreve.
É impossível não falar de Aaron Sorkin sem pensar em suas maiores obras ou em alguns de seus momentos mais memoráveis, como o monólogo do coronel Jessep (Jack Nicholson) em “Questão de Honra“; o confronto entre Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em “A Rede Social“, filme que lhe rendeu um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado; o presidente Bartlet (Martin Sheen) confrontando uma extremista cristã em “The West Wing“; Will McAvoy (Jeff Daniels) em “The Newsroom” afirmando que os EUA não são o melhor país do mundo, mas poderiam ser…
Poderíamos ficar o dia todo relembrando vários desses momentos icônicos, mas uma coisa todos eles têm em comum: apesar de escritas por Aaron Sorkin, as histórias acabaram contadas por outras pessoas, de Rob Reiner a David Fincher. Agora, em “Os 7 de Chicago”, ele volta para a cadeira do diretor para contar uma de suas histórias a sua própria maneira. Mas, afinal, o que é “um filme de Aaron Sorkin”, e por que as pessoas costumam gostar tanto?
A fórmula
Os filmes roteirizados por Aaron Sorkin são praticamente um subgênero próprio. É muito fácil identificar um, pois alguns elementos estão presentes em quase todos. A esquete abaixo, de Seth Meyers, compila os principais (sem legendas):
Em suma, boa parte do que hoje constitui uma cena envolvente é marca registrada de Sorkin, tendo influenciado diversos outros artistas. Alguns dos momentos citados pela esquete: duas pessoas caminhando por um corredor enquanto debatem com diversas tiradas irônicas; o discurso apaixonado feito por alguém sobre a importância do que todos estão fazendo naquele momento; o casal que entra em discussões afloradas como forma de disfarçar os sentimentos que nutrem um pelo outro; e o diálogo com cortes rápidos entre um grupo de personagens.
O uso destas ferramentas ganha mais notoriedade em seus trabalhos para televisão, onde há mais espaço para que sejam usados sem que se tornem repetitivos. Tomando “The Newsroom” como exemplo, há três casais cujas discussões servem como um flerte disfarçado, discursos apaixonados (e apaixonantes) são dados a praticamente cada episódio e o diálogo ping-pong é uma constante.
Nas séries, Sorkin utiliza o cotidiano de locais de trabalho como pano de fundo para contar suas histórias, e estas ferramentas o permitem desenvolver seus personagens em espaços fechados, seja a redação de um telejornal ou os corredores da Casa Branca – ou a sala de um tribunal, que é um dos ambientes favoritos de Aaron Sorkin e onde boa parte de “Os 7 de Chicago” se passa.
O diálogo
Se os elementos citados acima são figurinhas carimbadas nas obras de Aaron Sorkin, o diálogo é normalmente o que fisga os espectadores. Rápido, lá-e-cá, carregado de conteúdo, repetições, ironia e respostas espertinhas, ele é a base de qualquer uma de suas obras, em contraposição à maioria dos filmes no circuito comercial atualmente, que costumam ter momentos de ação física como clímax.
Quando perguntado sobre a origem dos diálogos carregados, Sorkin sempre responde que, para ele, filmes são quase como música e que é muito mais fácil ouvir um filme a assistir um, e que seu objetivo ao escrever é tentar reproduzir o som e os ritmos dos diálogos que ouvia quando pequeno. Para isso, ele acaba incorporando muito de seus trejeitos pessoais em suas obras: a fala rápida, repetição de frases e expressões, começar frases com interjeições.
Esse diálogo característico, no entanto, pode ter efeitos colaterais. Por conta da repetição constante no formato das histórias, é frequente que os protagonistas passem a ser vistos como uma entidade só, como se houvesse um arquétipo criado por Sorkin para seus personagens principais. O Mark Zuckerberg de Jesse Eisenberg é muito parecido com o Steve Jobs de Michael Fassbender, que é ambicioso como o Billy Beane de Brad Pitt. Apesar de envolvente, a fórmula utilizada por Sorkin nos anos 2010 pode ter ficado um pouco batida. “A Grande Jogada” e “Os 7 de Chicago” indicam mudanças nesse sentido; o primeiro com uma protagonista mulher, que é algo novo para Sorkin, e o segundo com múltiplos protagonistas.
“Você escreve sua m**** sarcástica em um quarto escuro porque é isso que gente raivosa faz hoje em dia.”
Desenvolvimento de personagens
Em qualquer história, seja na mídia que for, os protagonistas passam por uma transformação do início até o fim. Para ir do ponto A ao ponto B, eles precisam enfrentar desafios, vencer antagonistas, superar qualquer obstáculo que o mundo possa pôr em sua frente. Isso ajuda o espectador a definir quem aquele personagem é.
Nas obras mais recentes de Aaron Sorkin, no entanto, a pergunta fundamental sobre um personagem não é “quem é ele?“, mas “o que ele quer?“. Mark Zuckerberg sonha em entrar para um final club em Harvard como forma de se destacar, mas ao não conseguir (e ver seu melhor amigo Eduardo entrar para um), tenta obter o referido destaque de outra forma. Em “A Grande Jogada“, Molly Bloom (Jessica Chastain) passou anos lidando com a pressão que seu pai lhe impunha para conseguir sucesso, e quando se liberta decide organizar jogos de pôquer para poder controlar homens poderosos.
Geralmente o estabelecimento de uma ambição vem logo após um grande fracasso. Em “Moneyball“, Billy Beane (Brad Pitt) vê seu time, o Oakland A’s, ser eliminado da liga de beisebol, em “A Rede Social” Mark Zuckerberg é rejeitado pela namorada, e em “A Grande Jogada” Molly Bloom é forçada a encerrar sua carreira como atleta.
O fracasso, então, serve para estabelecer o que, afinal, o protagonista quer e, a partir daí, a estrutura segue um formato mais tradicional, com o personagem sendo obrigado a entrar em conflito com as pessoas ao seu redor para, enfim, obter sucesso custoso em sua empreitada. Mark Zuckerberg criou a rede social mais importante e influente do mundo atual, revolucionou a forma como as pessoas se relacionam… Mas termina “A Rede Social” adicionando a ex-namorada no Facebook, sozinho na sala de reuniões de um escritório após uma audiência contra seu antigo melhor amigo.
O diretor Aaron Sorkin
“Não entendo como que essas pessoas, pelo menos três [diretores com quem ele trabalhou] não me agrediram. No segundo dia de gravações, liguei para David Fincher, que dirigiu ‘A Rede Social’, e perguntei: ‘David, em que parte você deixava os atores respirar quando eles estavam fazendo meus diálogos?’. E esse foi o som que ele fez: ‘HE-HE-HE-HE’.”
A fala acima é da participação de Sorkin no programa de Seth Meyers, quando o anfitrião o perguntou como foi dirigir seu próprio material em “A Grande Jogada“. Os roteiros de Aaron Sorkin são tidos como alguns dos melhores em Hollywood, mas também dos mais difíceis de se trabalhar por parte dos atores e mais difíceis de se dirigir por parte dos diretores, tudo por conta do diálogo – e se um roteirista escreve a história, quem tem que contá-la é o diretor através dos atores.
Nos filmes anteriores, a visão de um diretor para o roteiro de Sorkin ajudou a polir o material e torná-lo mais palatável não apenas para o público, mas para os próprios atores. Uma das colaborações mais celebradas entre diretor e roteirista, David Fincher soube em “A Rede Social” canalizar o elemento principal das histórias de Sorkin – o diálogo – e adaptá-lo ao seu próprio estilo, trocando as longas caminhadas por cenas em lugares fechados com cortes rápidos. Em vez de caminharmos por Harvard ouvindo os personagens conversarem, vemos como a universidade é por dentro e fazemos parte das discussões. Bennett Miller faz algo similar em “Moneyball” durante as reuniões de Billy Beane com a equipe do Oakland A’s.
Em “A Grande Jogada“, Sorkin pela primeira vez dirigiu um filme e, bem, logo um roteiro de Aaron Sorkin. Não é tarefa fácil, mas dirigir o próprio roteiro costuma garantir mais fidelidade à visão original que um cineasta tem para uma obra. No entanto, o filme se resumiu, basicamente, a Sorkin atuando em sua zona de conforto: ambientes fechados e a ação focada na troca entre personagens através do diálogo. Ainda assim, houve momentos em que pode-se sentir um talento natural para a coisa – afinal, transformar um jogo de pôquer em algo emocionante não é tarefa fácil para quem não está jogando.
“Os 7 de Chicago” será o segundo “filme de Aaron Sorkin” feito por Aaron Sorkin, e por mais que a essência esteja presente com as reuniões entre os manifestantes e o drama de tribunal, o desafio existe para um diretor que ainda caminha. O episódio foi uma das maiores manifestações políticas do século 20 e ocorreu em boa parte ao ar livre em Chicago, tendo confronto entre policiais e manifestantes. Ele chegou a afirmar que não tem senso visual e que confia muito em sua equipe de cinegrafistas e editores para compor uma cena. Sendo assim, será interessante ver como ele se sai frente a mais esse desafio.
“Os 7 de Chicago” estreia em 16 de outubro na Netflix.