Cinema com Rapadura

Colunas   sexta-feira, 10 de julho de 2020

Filmes que me ajudaram a entender o que é ter orgulho de ser LGBTQI+

Aproveitando a comemoração do Orgulho LGBTQI+ nos meses de junho e julho, o Telecine criou uma lista que celebra a luta por direitos das pessoas de diferentes gêneros e afetos.

O papel do cinema vai muito além do entretenimento. Para muitos, o cinema pode ser uma introdução ao diálogo, um meio de descoberta ou uma forma de afirmar e confirmar partes da nossa personalidade e vivência enquanto seres humanos. Uma dessas partes remete à sexualidade e suas questões. Ter contato com filmes que tratavam da forma mais natural possível das complexidades que cercam temas como gênero e orientação sexual foi importante não só para compreender melhor a capacidade do ser humano de desenvolver afetos e desejos, mas também de entender a minha relação com este lado da vida. Alguns filmes marcaram minha experiência enquanto mulher bissexual e reafirmaram a importância em entender o que é ter orgulho de ser LGBTQI+.

A metade do ano costuma ser um período em que essas discussões vêm à tona com mais intensidade, uma vez em que se comemora o Orgulho LGBTQI+ nos meses de junho e (para alguns países) julho. É uma época em que as lutas, avanços e reivindicações de pessoas de diferentes gêneros e orientações sexuais são lembrados e amplificados nas ruas, em meios de comunicação, nas redes sociais e no audiovisual. Uma das formas que o Telecine encontrou de celebrar o momento foi compilando alguns filmes que debatem e exploram as vivências que divergem do padrão heterossexual e cisgênero, e alguns longas desta Cinelist foram importantes na minha trajetória como parte deste grupo social e alguém que deseja ver um mundo em que as diferenças de afeto não ditarão se alguém é mais digno de respeito que outro humano.

Lembro de ter assistidoThe Rocky Horror Picture Show quando comecei a questionar se era somente uma aliada das pessoas LGBTQI+ ou se havia algo ali com o qual eu me identificasse. Ver Tim Curry como o Doutor Frank-N-Furter, misturando todas as concepções de masculino e feminino em um personagem só, se envolvendo com pessoas de todos os gêneros e despertando um lado do casal careta que eles nunca imaginaram ter foi uma forma de me mostrar que nem tudo é tão preto-no-branco quanto achamos ser.

Pedro Almodóvar é um cineasta que marcou minha experiência com o cinema, não só pela forma com que lida com questões do feminino, mas também da maneira com que sempre lidou com a sexualidade de seus personagens.Tudo Sobre Minha Mãe trouxe um olhar diferente e complexo sobre a transexualidade, o amor e a luta pela sobrevivência de grupos marginalizados e constantemente invisibilizados, como o das trabalhadoras sexuais. Almodóvar mostrou que, muitas vezes, essas categorias se entrelaçam e encontram apoio e amor entre elas, e como isso faz diferença nos momentos mais difíceis da vida.

Entrando no território de filmes mais recentes, assistir Tomboy foi uma experiência marcante por abordar algo que constantemente nos esquecemos: até mesmo durante a infância, quando ainda não sabemos quase nada do mundo e não temos as palavras certas para descrever o que sentimos, somos capazes de sentir e viver o diferente, questionando conceitos que já estamos começando a classificar como obsoletos – afinal, o que são “coisas de menino” e “coisas de menina”? Laure, ou Mikäel (Zoé Héran), apesar de ser pré-adolescente, se permite viver uma identidade diferente por não se encaixar naquilo que foi determinado para ela quando nasceu. É reconfortante ver a cineasta Céline Sciamma trabalhar um tema tão complicado quanto questões de gênero na infância de forma natural e leve.

Para além de seus momentos sexuais mais comentados por aí (como a cena do pêssego), Me Chame Pelo Seu Nome é muito mais uma história sobre um amor de verão do que qualquer outra coisa. O filme de Luca Guadagnino não se envergonha ao mostrar dois homens descobrindo a bissexualidade e se permitindo ter algo que pode até ser passageiro, mas não menos intenso, cheio de dúvidas e provocações e, acima de tudo, verdadeiro.

Para finalizar, Retrato de uma Jovem em Chamas é o longa mais recente desta compilação, mas que, pessoalmente falando, cimentou as razões pelas quais ainda faz sentido em falar sobre sentir orgulho de ser LGBTQI+. Histórias de amores proibidos existem aos montes na vida real e no audiovisual, mas poucas abordam casais do mesmo gênero ou captam as nuances da atração entre duas mulheres de forma tão bonita. Assistir ao desenrolar de uma paixão que não poderia acontecer devido a época em que suas protagonistas viveram nos faz lembrar o que leva pessoas de diferentes gêneros e afetividades a batalhar para que sejam reconhecidas, validadas e respeitadas: para que aqueles que sofreram com as restrições do passado não tenham sofrido em vão.

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Jacqueline Elise

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