Cinema com Rapadura

Colunas   sexta-feira, 24 de abril de 2020

Entendendo o que há por trás de A Ascensão Skywalker e um desabafo sobre Star Wars

O último capítulo da Saga Skywalker é um filme que não acaba em si mesmo, e este é o seu maior defeito.

É hora de deixar o passado para trás. Não é preciso matá-lo (me desculpe, Kylo Ren), mas tentar entendê-lo já é um grande passo. Desde a estreia de “A Ascensão Skywalker“, este que vos fala vem tendo dificuldades em aceitar que acabou. Não haverá mais filmes de “Star Wars” nos cinemas, pelo menos não da Saga Skywalker. E esse fim, bom… Esse fim não foi bom. Poderia ter sido algo épico, desses para fechar com chave de ouro, mas não foi. E isso se deu por diversos motivos, e agora, depois de muito remoê-los, é chegada a hora de encará-los para depois, enfim, enterrá-los.

Não que eu não vá assistir “A Ascensão Skywalker” nunca mais, não é isso. O filme tem seus momentos de diversão e, queira ou não, faz sim parte da Saga Skywalker. Uma maratona sem ele, por exemplo, não é uma maratona completa. E em uma comunidade de fãs tão tóxica, apontar dedos e se colocar do lado oposto de quem você discorda é se render ao Lado Sombrio. É preciso buscar compreensão. Essa galáxia muito, muito distante sempre esteve e sempre estará aberta para nós, então não há nada mais justo que nos mantermos abertos a ela também.

Este é o propósito deste texto: buscar compreensão. Tentar enxergar o que há por trás das principais decisões tomadas nesse filme, investigando os materiais de referência, bastidores e até as demais histórias do novo cânone. Tudo para que possamos finalmente entender porque “A Ascensão Skywalker” é o filme que é.

Rey Palpatine

Nos capítulos finais de “Star Wars: Marcas da Guerra“, um dos primeiros livros do novo cânone ambientado logo após os eventos de “O Retorno de Jedi“, um homem chamado Corwin Ballast chega a Jakku procurando emprego. Ele acaba encontrando um bar no Entreposto Niima, onde passou a trabalhar servindo os poucos clientes que apareciam. Tendo perdido sua família no fogo cruzado entre Império e Rebelião, ele só queria distância da guerra, e isso o levou a Jakku. Um homem triste e solitário, que poderia muito bem acabar se envolvendo com alguém e ter uma filha, não?

Rey poderia ter sido uma Ballast. Poderia ter sido uma Skywalker, Palpatine, Kenobi ou até ter sido gerada pela Força. Outra Escolhida. Qualquer que fosse sua real origem, Rey nunca seria o bastante para satisfazer qualquer curiosidade. Mas tendo em mente o zeitgeist atual, os roteiristas J.J. Abrams e Chris Terrio tinham duas alternativas quanto aos pais de Rey: dar continuidade à narrativa de “Os Últimos Jedi” de que a Força não escolhe sobrenomes, ou dar um sobrenome irresistível à protagonista. Optaram pela segunda, o que, em si, não é um pecado, mas sem um mínimo que sustente, fica difícil engolir.

Rey Palpatine era uma das teorias mais célebres entre o fandom. Desde a novelização de “O Despertar da Força” os fãs especulavam que Rey teria sido capaz de derrotar Kylo Ren apenas por deixar de focar na luz e usar um pouco a escuridão, com sussurros sombrios em seus ouvidos. Até os movimentos que a jovem usa ao lutar foram identificados como iguais aos do antigo imperador. Construir uma narrativa que fundamentasse o legado sombrio de Rey era o que faltava, mas não foi o que se viu. Sim, a protagonista tem visões dela no trono e fica com medo do que seu sangue carrega, mas ela sequer cogita o Lado Sombrio. Sua ida a Exegol não tem nada a ver com intenções de assumir o trono, mas sim de confirmar sua linhagem.

Ainda não é possível averiguar como foi o processo criativo que culminou em Rey Palpatine, e tudo que há disponível até o momento são as explicações que Chris Terrio vem dando em entrevistas e no documentário “The Skywalker Saga“. Sua ideia de dar a Rey um passado que seja o oposto daquilo que ela busca é válida, mas não houve uma construção que a sustentasse. A ideia de Terrio, de que “‘Star Wars’ conta a história de Skywalkers e Palpatines’“, soa até estranha, pois antes disso tudo só havia um Palpatine – que só foi ganhar nome próprio, Sheev, em 2014 no romance “Tarkin“, ilustrando justamente seu status de entidade singular dentro desse universo.

Ao optar por entregar o sobrenome Palpatine à protagonista, Abrams e Terrio acabam renegando não apenas “Os Últimos Jedi“, mas também todas as fãs que se espelhavam em Rey como uma referência feminina autossuficiente. Mas ao afirmar que ela é filha de um clone renegado de Palpatine, como diz a novelização de “A Ascensão Skywalker”, e que isso não contradiz o filme anterior, a dupla se perde em sua própria narrativa.

A Díade na Força

A escuridão ascende e a luz para enfrentá-la“. A fala de Snoke nas preliminares da cena na sala do trono em “Os Últimos Jedi” já havia dado a dica – se é que alguma fosse mesmo necessária àquela altura do campeonato. A ideia de Rey e Kylo serem partes complementares de um todo se fazia presente desde “O Despertar da Força“, com ela representando a Luz e ele a Escuridão. O termo “díade” só deu nome aos bois. O que fez com que as pessoas torcessem o nariz foi mais um termo que ninguém conhece para explicar algo que não precisa de explicação.

No documentário “The Skywalker Legacy“, o roteirista Chris Terrio justifica a inserção do termo na mitologia da saga citando Joseph Campbell e sua visão sobre o termo. A noção de díade, no entanto, vem de Platão e da ideia de que todo ser é composto por duas partes – uma feminina e uma masculina, luz e escuridão, etc. – destinadas a procurar uma a outra pela eternidade até se encontrarem e se completarem. O uso que Campbell fez do termo foi para expressar sua interpretação sobre o casamento enquanto instituição:

“É uma decisão extremamente importante a do casamento, porque ela se resume a e requer uma complacência, e essa precisa ser completa dado que agora se é parte de uma díade, e se age em relação a essa existência a dois. Como eu digo para pessoas que se preocupam com isso, quando você decide fazer o que se chama de sacrifício a uma outra pessoa, não é para ela que você se sacrifica. É para o relacionamento. O relacionamento é o campo onde ocorre o sacrifício, onde ambos estão unidos a essa relação para, então, ser dois juntos. Realmente como aquela coisa de yin-yang. Se você se prende a ser o yin ou se prende a ser o yang na relação, como uma unidade separada, então você não tem um casamento.” (Joseph Campbell, “The Hero’s Journey: Joseph Campbell on His Life and Work”, tradução livre)

Se você lembrou de “Os Últimos Jedi” ao pensar em yin-yang, está no caminho certo. Enquanto Rey começa a ganhar contornos mais escuros, principalmente em seu traje Jedi, Kylo destrói sua máscara. Ambos rompem com seus mestres para que possam lutar juntos. Ambos fazem sacrifícios pela relação. Há até a representação do Primeiro Jedi no templo em Ahch-To cercado de luz e escuridão, representando a dualidade da Força.

O problema que o uso dessa ideia guarda para “A Ascensão Skywalker” é que, bem, não é o que se vê acontecendo. Sim, Kylo se converte e retoma a identidade de Ben Solo, mas Rey… Ela nunca é de fato tentada pela escuridão. Ela tem medo de sua origem, mas nunca questiona se está no caminho correto. Pelo contrário, ela está mais Jedi que nunca.

Teoricamente, uma díade composta por dois Jedi está em equilíbrio dado que a própria função deles é preservá-lo, como veremos no tópico seguinte. Mas quando Rey pensa nos Jedi (e quando Luke a ensina sobre eles, também), o foco é a Ordem tal qual vemos nas Prequels. As vozes que ela ouve são as de Yoda, Obi-Wan Kenobi, Mace Windu e até de Anakin Skywalker (entre outros, claro, mas todos da mesma época), representantes de uma Ordem de ensinamentos ultrapassados.

Nessas condições, colocá-la em uma díade com Ben Solo (que fora treinado por Luke antes de o mestre compreender o papel dos Jedi na Força) até pode ser uma forma de reconhecer o anacronismo dos Jedi de antigamente, já que a dupla também forma um par romântico – e você deve lembrar que boa parte dos acontecimentos ruins da saga veio por conta da doutrina celibatária dos Jedi. Só que se for essa a doutrina sob a qual Rey e Ben treinaram, bom… Então certamente não haverá equilíbrio.

No fim, falar em díade é apenas um floreio para dar um grau de misticismo explícito à relação entre Rey e Kylo, pois o fundamento mitológico não foi levado adiante. Lembra dos midichlorians em “A Ameaça Fantasma“? Então.

Os Jedi e a esperança

Equilíbrio. Luz poderosa, Escuridão poderosa.” Quem fala agora é Luke Skywalker em “Os Últimos Jedi“, durante sua primeira lição para Rey. Essa é a primeira vez que a noção real de equilíbrio é apresentada de forma clara em toda a saga. A Força é, em si, autossuficiente, e permanece em equilíbrio se não houver interferência. Ela não “pertence” a nenhum dos lados, mas entra em desequilíbrio quando utilizada de uma forma não natural. No caso, isso ocorre predominantemente por usuários do Lado Sombrio (ele é caminho para muitas habilidades que muitos consideram sobrenaturais, afinal), cabendo aos Jedi preservar o equilíbrio.

Isso na teoria. Mas em suas últimas décadas de existência enquanto ordem monástica, os Jedi se perderam em sua própria filosofia, interferindo em assuntos além de sua alçada e liderando exércitos em guerra. Guerras? Guerras não tornam ninguém grande, como mestre Yoda bem disse em “O Império Contra-Ataca“, mas ele próprio precisou perder tudo para recolocar esse ensinamento perto de seu coração.

Luke sabia que havia muita coisa errada com os Jedi. Sua segunda lição para Rey deixa isso explícito. Arrogância, fracasso, violência… É assim que se faz um Darth Vader. Mas Luke não tinha perspectiva para entender algo básico sobre os Jedi: eles deveriam trazer esperança às pessoas. É preciso uma ninguém como Rey para fazê-lo ver isso, pois um Skywalker sempre estará próximo demais para enxergar o todo. Quando ele compreende, a balança cósmica começa a se equilibrar e a fagulha de esperança se acende pela galáxia (e rebeliões são construídas com esperança, lembra?).

Mas por que então o Luke Skywalker de “A Ascensão Skywalker” parece tão diferente do Luke Skywalker de “Os Últimos Jedi” a ponto dos espectadores acharem que há uma rusga entre J.J. Abrams e Rian Johnson? Certa vez Chris Terrio fez uma leitura interessante da questão em entrevista ao THR:

“Quem diz que há uma discussão entre J.J. e Rian não está entendendo. Ao final de ‘Os Últimos Jedi’, Luke mudou. Quando as pessoas olham para isso, sinto que elas não entenderam o final de ‘Os Últimos Jedi’. […] Quando Luke fala ‘a arma de um Jedi merece mais respeito’ em ‘Episódio IX’, isso é ele tirando sarro de si mesmo. É ele falando para Rey ‘por favor, não cometa o mesmo erro que eu’.”

De certa forma, Terrio está certo em sua avaliação do personagem, mas isso nunca fica claro ao longo do filme todo. Se a função de um Jedi no imaginário popular é dar esperança e representar o que há de melhor em nós, por que não utilizá-los de forma mais ampla? Visitamos quatro novos planetas nesse filme, e em lugar nenhum ouvimos seres falando em Luke Skywalker (que deveria ser um mito, lembra?). Luke e Kylo Ren sequer contracenam no filme, desperdiçando mais uma oportunidade de ressignificar a esperança que um Jedi representa, dessa vez no nível pessoal (antes que falem do roteiro não usado de Colin Trevorrow… Luke iria mesmo provocar seu sobrinho daquele jeito? Eu, hein..). Em vez disso, ele acabou criando mais pontas soltas ao revelar um sabre de luz escondido de Leia Organa e fazer sua antiga X-Wing funcionar depois de anos submersa. Era mais fácil ter ido pessoalmente a Crait, desse jeito.

Não obstante, Rey, que em sua inocência foi quem fez Luke compreender o papel de um Jedi em uma galáxia tão grande, acaba se apegando aos ensinamentos antigos, buscando contatar os Jedi antigos. Claro que compreender o passado é essencial para construir o futuro (não precisa matar nada, não), mas cabia a ela ser o novo símbolo de esperança para a galáxia e de equilíbrio para a Força, havia espaço na história. Em vez disso, ela acabou jogada de um lado para o outro, totalmente envolta em uma busca pessoal. Coube a Lando Calrissian reunir os povos livres da galáxia ao redor dessa mensagem de esperança. Mas mesmo com o respaldo da Resistência, é difícil crer que ele, um notório fora-da-lei e autointitulado “canalha”, teria mais credibilidade para isso que uma Jedi.

A Primeira Ordem e a Ordem Final

Quando o primeiro trailer de “A Ascensão Skywalker” trouxe as imagens de uma frota de Star Destroyers, diversas teorias começaram a surgir. A ideia de uma frota escondida não é algo novo em “Star Wars”, e é um dos mecanismos favoritos dos fãs para apimentar cenários de conflito galático iminente. A icônica Trilogia Thrawn, obras-primas do Universo Expandido (UE), falam da Frota Katana, por exemplo, colocando centenas de dreadnoughts (naves maiores que Star Destroyers) à disposição de quem a encontrar primeiro. Nos quadrinhos “Dark Empire“, novamente no UE, o retorno do Império só é possível graças a uma frota escondida no sistema Byss.

Não, nem o uso de frotas escondidas, nem o retorno de Palpatine são novidades no universo de “Star Wars”, e a incorporação desses dois elementos narrativos atende uma demanda antiga de parte dos fãs: a de utilizar o material do UE para incrementar a Trilogia Sequel. Por mais que o UE não faça mais parte do novo cânone da Disney (tendo sido até renomeado Legends, reforçando seu caráter extra oficial), são histórias muito queridas, que fizeram parte do crescimento de muitos fãs (inclusive este que vos fala). Até a díade de Kylo e Rey vem daí, de certa forma, com a dupla sendo levemente baseada nos gêmeos Jacen e Jaina Solo, filhos de Han e Leia, que acabam tendo que se enfrentar quando Jacen se rende ao Lado Sombrio.

Remontar a essas histórias foi um aceno interessante de “A Ascensão Skywalker”, mas levantou muitas dúvidas. Afinal, no novo cânone, quantas “ordens” eram no total se houve uma Primeira e uma Final? Infelizmente, quantas eram ainda não sabemos. Aliás, não sabemos nem se a Primeira Ordem foi de fato, bom, a primeira ordem. Agora que está claro que Palpatine era a entidade por trás de tudo (como sempre, né), pode-se dizer até que a Primeira Ordem teve seu início com o Império. Ou com o fim do Império. Ou com a destruição da capital da Nova República Hosnian Prime. É tudo uma questão de interpretação.

O que se sabe de fato é que a Primeira Ordem como a conhecemos fez parte do famigerado Plano de Contingência de Palpatine para seu eventual falecimento. A Contingência apareceu pela primeira vez nos quadrinhos “Shattered Empire“, mas ganhou tração entre os fãs apenas com o jogo “Battlefront II“. O fundamento desse plano era que um império que não tem condições de proteger seu imperador não merece sequer existir. Entre as etapas, a Operação Cinder e a Batalha de Jakku eram os pontos altos, e o objetivo não era derrotar a Nova República, mas expurgar toda a fraqueza do antigo Império e preservar o que havia de mais forte. O restante deveria seguir para as Regiões Desconhecidas, onde se reagrupariam e passariam as décadas seguintes planejando seu retorno. Os líderes desse movimento, principalmente a almirante Rae Sloane e o general Brendol Hux, seriam os fundadores da Primeira Ordem.

O nome “Primeira Ordem”, por sua vez não tem uma origem definida. Segundo a almirante Sloane no romance “Star Wars – Marcas da Guerra: Fim do Império“, a primeira ordem que o grupo de remanescentes do Império deveria ter em mente era reestruturar suas forças e fazê-las crescer, para só então ser capaz de retomar o controle da galáxia. Já segundo o capitão Cardinal no romance “Phasma” o nome seria um reflexo da falta de controle da Nova República, sendo primeiro necessário reestabelecer a ordem na galáxia como forma de evitar o caos completo (“primeiro, ordem“). Já a Ordem Final é, na verdade, uma sacada ótima de Abrams e Terrio, demonstrando que a dupla até que fez a lição de casa (o próprio Terrio já elogiou a série literária “Marcas da Guerra“).

Palpatine e os Sith Eternos

Hoje podemos criticar à vontade, mas era impossível que um fã de “Star Wars” não tivesse ficado animado com o retorno de Palpatine quando o primeiro trailer de “A Ascensão Skywalker” saiu em 2019, durante a Star Wars Celebration. O antigo imperador estar por trás de tudo era uma das teorias predominantes desde “O Despertar da Força”. Claro que há aquele setor do fandom que nunca gosta de nada, mas no geral a recepção foi repleta de animação e ansiedade. Quem sabe ele não tentaria contar para Rey a tragédia de Darth Plagueis, o sábio, não?

E novamente é possível retraçar a volta de Palpatine ao UE. Nos quadrinhos “Dark Empire“, Sidious reassume o Império cinco anos após os eventos de “O Retorno de Jedi” e estabelece Luke Skywalker como seu alvo. Luke se rende ao Lado Sombrio para tentar derrotar o Império por dentro, enquanto Leia toma para si o legado dos Jedi, já tendo iniciado seu treinamento com o irmão e tendo até sabre de luz. No fim, Palpatine revela ter diversos clones prontos para serem possuídos por seu espírito, tudo mantido por seu culto secreto de fanáticos Sith. Assim, ele governaria eternamente.

J.J. Abrams e Chris Terrio nunca mencionaram “Dark Empire“, mas será mesmo que as semelhanças são mera coincidência? No filme da Disney, Palpatine também habita um clone e tinha até planos para mais, com o pai de Rey sendo um. Sem seu culto de fanáticos, os Sith Eternos, ele jamais teria conseguido sobreviver tanto, nem conseguido estabelecer a Primeira Ordem e lançar a Ordem Final.

Infelizmente a história acaba caindo no lugar comum ao lançar mão de Palpatine, usando-o como o grande vilão que unifica todos contra si. Sim, “Star Wars” acaba tendo suas próprias idiossincrasias com as peças do tabuleiro, mas em essência é isso que acontece. Kylo Ren é quem muda de lado, pois o a Força precisa do equilíbrio, e Palpatine é poderoso demais (mesmo daquele jeito). Kylo quer o controle da galáxia para si e deixar o passado para trás, mas sozinho ele não consegue, e Palpatine é uma ameaça imediata. A tendência é naturalmente gravitar para perto de Rey, que já mostrou ser uma aliada natural. Não há dúvidas, não há conflitos. Todo mundo sabia que ele voltaria à Luz, mas não por inércia, sem vontade de lutar (o final do duelo nos destroços da Estrela da Morte é sofrível) e sem convicção no que o levou até o topo. Rey, por sua vez, pode até ter se assustado com a revelação e com as visões, mas sempre se refugia na Luz.

Talvez seja até possível comparar a figura de Palpatine em “A Ascensão Skywalker” com a de Thanos nos dois últimos “Vingadores“: uma figura imbatível que faz com que todos parem o que estão fazendo para lutarem em conjunto. J.J. Abrams afirmava sempre que podia que a intenção era que seu filme encerrasse toda a saga “Star Wars”, da mesma forma com que “Ultimato” encerra o Universo Marvel nos cinemas (até agora, claro). Mas não há nada que justifique a existência de uma entidade como Darth Sidious naquele momento da história. Sim, é legal demais vê-lo de novo, mas explicações ditas com pressa (“ciências sombrias, clonagem, segredos que só os Sith sabiam“, ou a clássica “o Lado Sombrio é um caminho para habilidades que muitos consideram sobrenaturais“) nunca serão suficientes para dar algum sentido a isso. Nos resta aceitar que, de alguma forma, ele voltou naquele momento específico e aproveitar.

Toda obra é um reflexo de seu tempo

Assumir o comando de um “Star Wars” não é, nunca foi e nunca será tarefa fácil. É preciso confiar muito no próprio taco. Quando o Episódio VII procurava diretores, este que vos fala pensava que ninguém seria louco de querer segurar esse abacaxi. É só ver o quanto sofreu o próprio George Lucas após as Prequels. Hoje os fãs mais ortodoxos rogam pela volta do criador, mas à época só faltou crucificá-lo. Se George Lucas, que é quem é, sofreu, por que outros não haveriam de sofrer?

Mas J.J. Abrams topou o desafio. Aliás, não só topou, como fez um golaço em “O Despertar da Força“, com doses generosas de nostalgia e criando personagens intrigantes para os sucessores explorarem. Sem ele não haveria Rey nem Kylo Ren, e Luke Skywalker e seus Jedi provavelmente seriam action figures ambulantes indestrutíveis – como são no falecido Universo Expandido, aliás. Os fãs devem muito a ele, pois a franquia não teria chegado ao ponto atual sem sua visão.

Infelizmente, a história de Abrams com “Star Wars” acabou com um filme medíocre como “A Ascensão Skywalker”, um filme que entretém, mas não tem gosto. E tudo bem. É o que os tempos atuais pedem, não é? Preze pela nostalgia, como “O Despertar da Força“, e todos te criticarão por isso; preze pela inovação, como “Os Últimos Jedi“, e seja criticado de novo da mesmíssima forma. Seja até ofendido e ameaçado nas redes sociais. Como é possível fazer um filme nessas condições?

Mas você falou tanto do roteirista Chris Terrio, então deve achar que a culpa é dele!” Mas de forma alguma, jovem. Ninguém – NINGUÉM – ganha um Oscar de Melhor Roteiro por acidente, e Terrio tem um em casa. Ele gosta tanto de “Star Wars” que se deu um trabalho que poucos cineastas fizeram: ler os livros que compõem o cânone fora do cinema. Junto nessa, talvez só Rian Johnson. Então não, o problema não era Terrio. O problema é que nada do que ele ou qualquer outro roteirista fizesse jamais agradaria os autointitulados “fãs”. Ele reescrevia o roteiro diariamente no próprio set de filmagens de “A Ascensão Skywalker” porque precisava fazer a coisa andar de algum jeito, nem que fosse empurrando. Ele só não se deu conta que poderia ter usado rodinhas para aliviar o peso (a tal “falta de imaginação” mencionada pelo Rotten Tomatoes).

Então o problema é de quem toma as decisões na Lucasfilm!” De novo, não. Cinema não é futebol, em que basta tirar um técnico para que todos os problemas sumam aos olhos da torcida (mas só por uns dois meses). Não, o problema não era Kathleen Kennedy. Olhem o currículo dela, por favor. Se existe alguém que teria condições de perpetuar “Star Wars” como A mitologia do nosso tempo seria ela. O problema é que ela não teve condições. Não lhes foram dadas tais condições. Cada filme vinha acompanhado de uma explosão de negatividade internet afora, o que afeta o funcionamento de qualquer empresa. E a Lucasfilm não é a fábrica dos seus sonhos, é uma empresa. Já era antes de ser comprada pela Disney, encare isso. O filme sequer teve sessão teste, pois imaginem a hecatombe que seguiria nas redes sociais caso a repercussão fosse ruim.

O grande problema que fez com que “A Ascensão Skywalker” fechasse com uma chave ordinária de latão a maior franquia da história do cinema fomos nós, os fãs. Nós, que quase levamos um ator a cometer suicídio após as Prequels com tanta negatividade. Nós, que ofendemos diariamente pessoas que estavam apenas tentando trabalhar. E nós, que não defendemos nossa galáxia tão, tão distante desse tipo de coisa. Nós somos o melhor de “Star Wars”, e se “Star Wars” não é grande, é porque talvez nós também não estejamos nesse ponto atualmente.

Mas essa é uma posição a qual podemos voltar. Em todos os lugares, os fãs e amantes do cinema reconhecem a iconografia de “Star Wars” e, de certa forma, veem nela uma mensagem de esperança – seja na jornada de Luke Skywalker, de Rey, nas redenções de Darth Vader e Kylo Ren ou no que for. É ela que permitiu aos melhores de nós, por exemplo, aplaudir de pé Hayden Christensen em seu retorno a conferências da franquia após mais de uma década em 2017; ou criar uma atmosfera eletrizante na Star Wars Celebration em 2019 quando Ahmed Best, intérprete de Jar Jar Binks nas Prequels, reencontrou o público depois de tudo que sofreu; ou ainda reverter a decepção com o final da saga em algo positivo, como levantar fundos para a ONG de Adam Driver como agradecimento por sua interpretação de Kylo Ren/Ben Solo.

Após tudo isso, se nos ativermos ao que há de melhor em “Star Wars”, sempre poderemos olhar para qualquer por-do-sol binário e nos sentir como Skywalkers também.

Julio Bardini
@juliob09

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