Cinema com Rapadura

Colunas   domingo, 12 de abril de 2020

“Por que caímos, Bruce?” – Thomas Wayne e a mensagem de Batman Begins

Primeiro filme da trilogia de Christopher Nolan apresenta a história de origem ideal para o Cavaleiro das Trevas.

Faz apenas três anos desde a última vez que vimos o Batman nos cinemas, e em breve uma nova versão do herói chegará às telonas. O discurso sobre qual é o jeito certo de representar o personagem, sobre seu verdadeiro propósito e modo de agir, percorre a internet infinitamente, e o fãs, principalmente os atrelados aos quadrinhos, exigem um certo padrão para seu adorado ídolo. Mas quando penso no Batman e em Bruce Wayne, o que vem à mente são as palavras de Thomas Wayne em “Batman Begins” e o efeito que elas tiveram em seu filho.

“Por que caímos, Bruce?”

Meu contato inicial com o Batman foi com o primeiro filme da trilogia de Christopher Nolan. Meu pai, um cinéfilo não declarado, me apresentou ao longa quando eu tinha 11 anos. Nenhum contexto de quadrinhos me foi dado, nenhum “o Batman é isso e aquilo”, apenas um filme, com uma história que eu iria gostar. Ele nem ao menos afirmou que eu conheceria um novo herói, como o Homem-Aranha e os X-Men que já faziam parte do meu cotidiano. Aquele momento seria um dos vários em que meu pai me apresentava um filme que marcaria minha vida para sempre.

“Batman Begins” mostra um pequeno Bruce Wayne, filho de Martha e Thomas Wayne, donos do nome mais importante da cidade de Gotham. Thomas, através de sua empresa, deseja ajudar a população que sofre diariamente com o crime e decadência. Bruce vê o pai não só como seu herói, mas o de toda a cidade. Um certo dia, brincando com sua amiga Rachel na propriedade da Mansão Wayne, Bruce cai através de um buraco e vai parar em uma caverna, onde vários morcegos voam em sua direção. Isso causa um trauma. Quando Thomas vai resgatar seu filho, ele diz as sábias palavras: “Por que caímos, Bruce? Para aprendermos a levantar”. O patriarca conversa com Bruce sobre o medo, e como até os mais ferozes dos animais experimentam essa sensação.

Medo é o tema central de “Batman Begins”. Bruce acaba tendo o medo como a causa de sua maior tragédia. Pois quando ele e seus pais assistem a uma ópera amedrontadora para uma criança que acabara de passar por um acontecimento traumatizante com morcegos, Bruce pede a seu pai para que eles vão embora. E assim, Thomas e Martha encontram a morte. E Bruce sobrevive com a culpa… E depois a raiva.

Já adulto, Bruce decide estar presente no julgamento que permitiria a libertação de Joe Chill – o homem que matou seus pais -, por meio de um acordo que ajudaria a promotoria de Gotham a derrubar a máfia. Para Wayne, nada disso é justo, afinal como poderia ser permitido que tal homem visse a liberdade, depois de ter deixado uma criança órfã? Ele leva uma arma para o tribunal, planejando matar Chill assim que ele fosse liberto. No entanto, alguém chega na sua frente e mata Chill a mando da máfia. Bruce não tem a chance de vingar seus pais, mas diz a Rachel que ele teve o que mereceu. “Isso não é justiça, é vingança”, afirma Rachel. E quando Bruce mostra a arma que trazia consigo, ela completa: “Seu pai teria vergonha de você”. Palavras duras. E necessárias.

Bruce deixa Gotham, abandona sua posição e privilégio para viver uma vida de penitência. Ele merece o castigo por ter causado a morte de seus pais, e depois, por ter considerado cometer um ato tão vil que sujaria a honra e o nome de seu maior herói. Sua penitência dura sete anos, e nesse tempo ele encontra um mestre na figura de Ra’s Al Ghul, alguém que vai lhe ensinar a transformar sua raiva e seu medo em ferramentas a seu favor.

Durante seu treinamento físico, Ra’s explora a raiva de Bruce ao afirmar que a culpa pela morte de seus pais não é sua, e sim de seu pai. Thomas Wayne poderia ter agido, e não o fez. Isso fere a memória de Bruce, o que o faz atacar Ra’s com raiva, assim perdendo a luta. O mestre então profere que Bruce deixou a memória de quem ele ama virar veneno em suas veias. A raiva deve virar determinação e o medo deve ser incorporado.

“Para dominar o medo, você deve se tornar o medo”

Claro que as intenções de Ra’s Al Ghul não eram exatamente as mais nobres. Mas o mestre – e eventualmente antagonista – deu a Bruce o que lhe era necessário para crescer, e conseguir fazer o que seu pai tinha como propósito: defender Gotham. Justiça, não vingança. Bruce pode ter deixado a morte de seus pais virar veneno em suas veias por grande parte de sua vida, mas ele também não esqueceu a compaixão defendida por seu pai, e é pela compaixão que Bruce recusa assassinar a mando de Ra’s Al Ghul. E ao destruir o quartel general da Liga das Sombras, é pela compaixão que Bruce ainda salva seu mestre.

O medo enquanto tema principal do filme está presente em toda a estrutura narrativa, como bem aponta o canal Just Write, em seu vídeo “O que roteiristas deveriam aprender com Batman Begins” (legendas em português disponíveis). Ao voltar para Gotham, Bruce tem um propósito. Ele se tornará a imagem daquilo que tanto o amedrontava quando criança, e usará o medo como símbolo contra os criminosos da cidade, a fim de proteger a população. Enquanto isso, Carmine Falcone lidera a máfia e através do poder do medo mantém o povo de Gotham refém. Já o Dr. Jonathan Crane usa do medo para explorar a fraqueza dos criminosos que acabam caindo em suas mãos. Por fim, Ra’s Al Ghul, com seu ideal “admirável” de limpar a sujeira impregnada em Gotham, usa o medo contra a população.

Quando Bruce retorna à Gotham, a cidade está tomada pela criminalidade, sem qualquer esperança de derrotar a máfia, pois os policiais, juízes e políticos que em tese deveriam defender os cidadãos são facilmente comprados pelo dinheiro sujo. O policial Jim Gordon é um dos poucos honestos que ainda existem na cidade, e Bruce decide que o Batman precisa dele como aliado.

“Você é apenas um homem?” – “Agora somos dois”.

O Batman se estabelece como o defensor de Gotham. Os criminosos se assustam pela figura que surge da escuridão como um Homem-Morcego, quase uma entidade incansável cujo objetivo é limpar a verdadeira sujeira de Gotham. Mas isso não é nada para Ra’s Al Ghul. E em seu último embate a fim de se consolidar como um herói, Bruce tem de enfrentar seu antigo mestre. Aquele que o ensinou a transformar a raiva em força e o medo em escudo. E aquele para qual a compaixão é uma fraqueza.

Mas a compaixão é o que seu pai representava, é o que permite que haja justiça e não vingança, é o que guia seu código de conduta enquanto defensor de Gotham. É o que torna Bruce digno do nome Wayne.

“Batman Begins” pode ter sido uma nova adaptação de uma história em quadrinhos para os cinemas. Um filme que veio oito anos depois do rechaçado “Batman e Robin”, com uma versão bem-vinda daquele personagem já consagrado na cultura pop. Mas para mim, uma criança de 11 anos, tão próxima da idade do pequeno Bruce, “Batman Begins” é a história de um herói criado e motivado pelos ensinamentos de seu pai.

“Porque caímos, Bruce?”

A influência de Christopher Nolan na minha vida só estaria começando. Seria com “O Cavaleiro das Trevas” que o cineasta se tornaria o grande motivador da minha paixão pelo cinema. Meu pai me apresentou “Batman Begins” porque sabia que eu entenderia a mensagem de perseverança que o filme passa. E em 2008, eu fui ao cinema assistir a melhor sequência que “Begins” poderia ter. Uma obra cinematográfica primorosa em todos os aspectos, de fato, e marcada pela atuação inesquecível de Heath Ledger como o Coringa. O ator infelizmente nunca chegou a ver o legado que deixou, mas sua performance permanecerá incomparável, dentro de um filme tão primoroso.

Considerado por muitos como o melhor da trilogia – e por outros tantos como a melhor adaptação de quadrinhos já feita -, “O Cavaleiro das Trevas” se sobressai, mas vem como uma expansão bem encaixada de seu antecessor. O Batman é o defensor de Gotham não como um homem, mas como uma ideia de protetor. E a ideia de um protetor é mais importante do que a posição de heroísmo. Assim, Bruce permite sujar o nome do Batman para que o nome de Harvey Dent, o Cavaleiro Branco de Gotham, permaneça limpo.

“Eu sou o que quer que Gotham precise que eu seja”.

Enquanto esperamos a versão do Batman de Matt Reeves, aqueles fãs previamente mencionados dos quadrinhos mantêm suas expectativas e esperam que o cineasta faça a “coisa certa” com o herói. O que seria isso, afinal? O uniforme certo, o design certo para o batmóvel… o ator certo? Ha! Robert Pattinson já sofre hate desde mesmo antes de ser o escolhido para ser o novo Bruce Wayne. Será que ele é realmente a escolha certa?

Nada disso importa. Pois se o filme for apenas mais uma adaptação de quadrinhos no meio de tantas outras, ele fracassará, não importa o quão “certa” seja esta nova versão. O sucesso de “The Batman” reside apenas na capacidade que o filme terá ou não de mostrar por que o herói resiste ao tempo.

Louise Alves
@louisemtm

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