Cinema com Rapadura

Colunas   sábado, 09 de novembro de 2019

The Mandalorian – O que esperar da primeira série live-action de Star Wars?

Produção que estreia na próxima terça-feira promete ser um divisor de águas dentro da franquia. Mas o que ela tem de especial?

“Disseram que você estava vindo. Que era o melhor no parsec. Diga, você concorda?”

A meros dias do lançamento de “The Mandalorian“, ainda é difícil para nós, aqui do nosso lado da telinha, pensar em uma resposta para essa pergunta – feita pelo personagem de Werner Herzog no último trailer. Obviamente, como seria possível pensar nisso sem ter visto a série, não é mesmo? Mas “Star Wars” é um paraíso para quem gosta de especular, e fornece bastante material para nos divertirmos enquanto aguardamos.

Exibida semanalmente via Disney Plus a partir do próximo dia 12 de novembro, a primeira série em live-action ambientada muito tempo atrás na nossa querida galáxia muito, muito distante promete expandir este universo e quebrar algumas expectativas, apresentando um lado até então desconhecido para alguns dos fãs mais recentes. Pensando nisso, levantamos algumas perguntas e separamos os principais pontos para se prestar atenção durante essa primeira temporada. Todos a bordo da Razor Crest!

A identidade do Mandaloriano

O protagonista de Pedro Pascal é um dos maiores mistérios de “Star Wars” no momento, o que diz muita coisa sobre seu possível papel neste universo. O trailer mais recente mostrou o momento acima, com a personagem de Julia Jones fazendo um movimento que remete à intenção de tirar o capacete do protagonista. Não sabemos seu nome, não sabemos sua origem e – apesar de conhecermos as feições de Pedro Pascal – não sabemos sua aparência. Mas isso tudo não está aí por acaso.

A primeira aparição de um mandaloriano no universo de “Star Wars” foi no mal-fadado-e-agora-cult especial de natal de 1978, com uma versão em desenho animado de Boba Fett. Ele carregava a maioria dos apetrechos que o nosso Mandaloriano atual carrega (pelo menos os que apareceram nos trailers) e utilizava uma armadura com cores parecidas. Logo de cara, portanto, o primeiro palpite sobre a identidade do protagonista tende a ser Boba Fett. As semelhanças com o original mencionado, o timing entre a suposta morte de um e o aparecimento de outro… Oras, por que não seria, não é mesmo?

Bom, não seria por que um é um e outro é, bem, outro. Boba Fett já tem uma história contada em “Star Wars”: ele é um clone perfeito de Jango Fett, a quem via como pai. Ele assumiu a armadura do pai, a carreira do pai… E, assim como o pai, ele também não era um mandaloriano de fato – Jango afirmava ter nascido em Concord Dawn, planeta adepto ao modo de vida mandaloriano, mas há muitos dentro do universo que duvidam.

A cultura mandaloriana é algo muito forte em quem tem essa ascendência. O próprio intérprete do Mandaloriano, Pedro Pascal, já explicou as diferenças entre ambos, afirmando que seu personagem é um mandaloriano de verdade. Dentro dessa ideia, ele pode integrar qualquer um dos clãs – pode ser um Kryze, Vizsla, Wren, Rau ou qualquer outro grande nome da fragmentada sociedade mandaloriana. Ou pode ser um homem comum tentando construir o seu próprio. Nesse momento, não importa quem ele é por dentro do capacete, e sim o que ele pode fazer e trazer para essa galáxia muito, muito distante.

A situação de Mandalore

“Bom, quem está no comando aqui? O Império ou Mandalore?”

Mandalore é… complicado. Para começo de conversa, não estamos falando exatamente de um planeta, mas de um modo de vida. Há o planeta, claro, mas há também diversos sistemas sob sua influência – Concord Dawn, Krownest, etc. “Mandaloriano” não necessariamente é um adjetivo pátrio, portanto, e sim o indicativo de que o sujeito é adepto da cultura de Mandalore (ex.: Jango Fett). Para entender melhor este contexto, escrevemos até um guia para a história e cultura mandaloriana quando a série foi anunciada.

Na última vez que vimos Mandalore e sua cultura pela última vez, em “Star Wars Rebels“, a célula rebelde comandada pela general Hera Syndulla havia se juntado a diversos clãs mandalorianos para libertar o planeta do domínio imperial. Bo-Katan Kryze assumiu o papel de líder ao receber o Darksaber (sabre de luz de cor preta que o líder da cultura mandaloriana porta) de Sabine Wren, com a promessa de unificar o povo e derrotar o Império.

Ainda assim, o personagem de Werner Herzog falar para o protagonista “é uma pena que seu povo tenha sofrido” levanta ares desanimadores sobre o situação atual de Mandalore. O futuro certamente parecia mais promissor ao final de “Rebels“. Estaria ele então falando sobre todo o histórico de guerra entre os clãs mandalorianos, que datam de milhares de anos e deixaram o planeta Mandalore em frangalhos? Ou teria algo mais recente acontecido? As informações sobre o enredo dão conta de que o principal macguffin da série seria relacionado ao futuro desse povo, então ainda há esperança.

O Império e a Nova República

Abrir uma porta e encontrar um destacamento de stormtroopers do outro lado nunca é bom sinal. Mas as imagens até agora vêm mostrando soldados um pouco diferentes do normal. Na imagem acima, o Mandaloriano encontra um esquadrão de stormtroopers magros e de movimentos morosos. Mesmo nunca tendo sido o parâmetro de eficiência nos filmes, os soldados do Império Galático são conhecidos nesse universo por serem intimidadores e eficientes. E, bom… Esses da imagem não parecem muito.

“The Mandalorian” tem sua trama ambientada pouco tempo após os acontecimentos de “O Retorno de Jedi“, com o Império já derrotado pela Aliança Rebelde, que agora mudou seu nome para Nova República. A trilogia de livros “Marcas da Guerra“, situada entre as batalhas de Endor e Jakku, que pôs um fim definitivo ao regime totalitário de Palpatine, mostra bem o contexto político do período. Se de um lado temos um governo democrático tentando para se consolidar, do outro temos o resquício da oligarquia imperial lutando para não ser destruído.

Após a derrota em Endor e a suposta morte de Palpatine (ênfase no “suposta”), diversos setores da galáxia que estavam sob domínio imperial tentaram sobreviver da maneira que podiam. O setor Anoat, por exemplo (onde fica Bespin), foi totalmente bloqueado por seu governador, que viu uma chance de tomar o poder local para si próprio. Isso ocorreu em muitos outros lugares. Os imperiais fieis à figura de Palpatine continuaram seguindo as ordens de seu imperador com o Plano de Contingência (“um Império que não consegue proteger seu imperador não merece continuar a existir“), tentando destruir diversos planetas como Naboo e Vardos. Meses depois ocorreu a batalha de Jakku, que marcou o fim de fato do Império, que agora se resumia a pequenos núcleos de conflito.

Enquanto isso, do lado da Nova República não havia nada garantido. O principal desafio do novo regime era alcançar lugares desolados e oprimidos, além de ganhar a confiança da população nos grandes centros da galáxia. Mudar a mentalidade de um lugar que viveu décadas sobre um regime totalitário e antidemocrático não é fácil, e a promessa de liberdade e democracia nem sempre era suficiente. Como medidas iniciais, a chanceler Mon Mothma determinou a desmilitarização após o fim da guerra e que a Nova República não teria uma capital fixa, como era Coruscant na Velha República e no Império. A primeira foi Chandrilla, e seguiu passando por diversos planetas até chegar a Hosnian Prime, que viria a ser a última até ser destruída pela Primeira Ordem em “O Despertar da Força“.

Até agora, os trailers e imagens de divulgação de “The Mandalorian” não mostraram muitas diferenças nessa transição política. Mas, ao que tudo indica, a série também não deve chegar a mostrar pontos mais ricos e centrais da galáxia, onde essa mudança tende a ser mais visível, e provavelmente focará na Orla Exterior, onde a linha entre civilização e barbárie é bem tênue, com os próprios moffs e governadores imperiais ligados ao crime organizado. Mas quaisquer menções ao status político da galáxia certamente serão bem vindos.

O submundo do crime

Falando em linha tênue entre civilização e barbárie, ela certamente será cruzada várias vezes em “The Mandalorian”. Ela já fora cruzada antes na própria Trilogia Original – ou alguém vai dizer que congelar gente em carbonita, como o Império fez com Han Solo em “O Império Contra-Ataca“, é legal? Caso haja dúvida, a resposta é não, não é. Mas a galáxia é um lugar cruel, e quem mexe com as pessoas erradas acaba correndo esse risco.

O submundo do crime é um dos lugares mais fascinantes do universo de “Star Wars”, e já se fez sentir em praticamente todos os filmes da saga, de Shmi e Anakin Skywalker sendo escravos em Tatooine em “A Ameaça Fantasma“, passando por Han Solo prometendo a Jabba que iria pagá-lo em “Uma Nova Esperança” até Unkar Plutt tendo adquirido a Millennium Falcon por meios escusos e não muito claros em “O Despertar da Força“. Mas é também uma forma de fazer alguma diferença durante um regime ditatorial como o Império de Palpatine, como os Cloud Riders de Enfys Nest em “Han Solo: Uma História Star Wars“.

Lugares como a Orla Exterior costumam atrair todo o tipo de escória e vilania, com os próprios burocratas do Império no local tendo costumeiramente o rabo preso com o crime organizado. Chefões como Jabba eram a principal autoridade de fato em lugares como Tatooine. O contexto político conturbado como o que “The Mandalorian” mostra é o ideal para isso se prolifere ainda mais, já que governadores imperiais deverão ter que se alinhar ainda mais aos mafiosos para se manterem no poder. Tido como o principal vilão dessa primeira temporada, resta saber qual será a intenção de Moff Gideon, personagem de Giancarlo Esposito: fazer vista grossa para o crime ou usá-lo a seu favor.

Tatooine

Todo fã de “Star Wars” tem uma obsessão por Tatooine. Talvez seja o pôr-do-sol binário, talvez a atmosfera familiar relativa aos Skywalker… Fato é que basta verem um deserto que os fãs já gritam internamente “É TATOOINE!“. Jakku em “O Despertar da Força” era Tatooine no coração dos fãs até J.J. Abrams confirmar o nome do planeta; o mesmo que ocorreu em relação a Pasaana em “A Ascensão Skywalker“.

Mas parece que desta vez o deserto de dois sóis realmente vai aparecer. Entre as diversas imagens promocionais e de bastidores, são várias as que mostram paisagens inóspitas, mas há algo em algumas delas que chama atenção: sandcrawlers. Os grandes veículos que os Jawas utilizam para navegar pelo deserto aparecem mais de uma vez entre trailers e divulgação. Pode muito bem ser que existam sandcrawlers em outros planetas, mas a questão é que Jawas são uma espécie oriunda de Tatooine, que por sua vez é conhecido também por abrigar em suas cidades antros de escória e vilania.

No cânone atual, Tatooine apareceu pela última vez em “Marcas da Guerra“. Após a morte de Jabba the Hutt e sua corte no Poço de Carkoon, um homem chamado Cobb Vanth entra em conflito com a mineradora Red Key. A empresa buscava preencher o vácuo deixado por Jabba, mas Vanth tinha outros planos. Ele próprio um ex-escravo, seu objetivo é libertar a população oprimida de Tatooine e garantir que o planeta passe a agir de acordo com o rigor da lei, com liberdade para todos.

O início da empreitada de Vanth se dá quando ele vence um duelo contra um capanga da mineradora. Ambos disputavam naquele momento um artefato raríssimo: uma armadura mandaloriana. O set não estava completo e parecia danificada, como se algum tipo de ácido tivesse sido jogado sobre ela, mas continuava eficiente e impunha o respeito que só uma armadura mandaloriana consegue impor. Se você acha que sabe de quem era esta armadura… Bom, também achamos, mas a essa altura não há como afirmar com certeza.

Vanth seguiu com sua missão e fundou a cidade de Freetown sob as ruínas da antiga Mos Pelgo. Lá a única pessoa que tinha algum tipo de autoridade era ele próprio, autodeclarado xerife. Ainda assim, Vanth não abusava de seu posto e fazia o possível para manter a paz e a ordem. Ele costurou acordos até mesmo com o Povo da Areia, garantindo que os Tusken oferecessem proteção à vila em troca de provisões e de uma pérola encontrada dentro da barriga de um dragão Krayt. Diversos conflitos com a mineradora Red Key seguiram, mas Freetown emergiu vitoriosa em todos.

Dada a possibilidade de Tatooine aparecer em “The Mandalorian” e o recorte temporal da série se aproximar ao de “Marcas da Guerra“, algumas perguntas são inevitáveis. A quantas anda o planeta, afinal? Cidades como Mos Eisley, Mos Espa, Anchorhead cresceram sem estar sob a sombra de Jabba? Teremos notícias de Freetown – ou, pelo menos de alguém usando uma armadura mandaloriana no planeta?

Os coadjuvantes

Uma história costuma ser tão boa quanto seus personagens, e o Mandaloriano, por melhor que possa ser, não faria uma boa história sozinho. Tampouco faria sentido cercá-lo de personagens supérfluos, então podemos esperar certa profundidade de cada um deles. Pouco sabemos de suas respectivas histórias, mas já existem elementos em cima dos quais é possível criar certa expectativa.

Dune, interpretada por Gina Carano, é descrita como uma antiga soldado e membro da tropa de choque rebelde que se reinventou e tornou-se mercenária após o fim da guerra. Mas, sendo ela uma pessoa que carrega o símbolo da Rebelião tatuado abaixo do olho esquerdo e que lutou anos pela liberdade na galáxia, transitar pelo submundo do crime na Orla Exterior não deve ser algo tão simples. A natureza de sua relação com o Mandaloriano tende a rumar para a camaradagem, enquanto ambos buscam serviço… E, quem sabe, causas pelas quais lutar, também.

Já IG-11, com voz do ator e cineasta Taika Waititi, promete ser o alívio cômico da série. É impossível não relacionar a figura de Waititi a um humor simples e inocente. O droide assassino tende a seguir essa linha, com seu intérprete já tendo adiantado que ele não consegue identificar sarcasmo e é programado para seguir à risca as normas dos caçadores de recompensa. Muito se fala sobre qual seria sua relação com IG-88, outro droide assassino de mesmo modelo. Apesar de 88 não estar previsto para aparecer em “The Mandalorian”, ele está operacional quando a série ocorre, e ambos fazem parte de uma série de robôs assassinos que foi proibida na galáxia. Talvez 11 seja a ovelha negra dessa família?

Greef Carga, personagem de Carl Weathers, é quem aparentemente juntará todos na mesma missão. Chefe de um grupo de caçadores de recompensa, ele dará ao Mandaloriano e Cara Dune suas missões iniciais. Sua lealdade antes dos eventos da série não é conhecida, mas ninguém se torna uma figura reconhecida entre foras-da-lei trabalhando para o Império ou para a Rebelião.

Por fim, o ugnaught Kuiil, interpretado por Nick Nolte, deve acompanhar o Mandaloriano e servir como o ponto de vista dos telespectadores. Sua fala “eu nunca conheci um mandaloriano, só li as histórias” é marcante nesse sentido, aprendendo junto conosco mais sobre essa cultura milenar, mas praticamente extinta. Antes da série, ele era um fazendeiro de humidade (como a família Lars e Tatooine, por exemplo) em Arvala-7, e se mudou para um mundo um pouco fora de mão em busca de paz, até perdê-la quando um grupo de mercenários invadi-lo.

Uma faceta diferente de “Star Wars”

Para quem está acostumado apenas com os filmes da Saga Skywalker, “The Mandalorian” promete ser um divisor de águas em todos os sentidos. Aqui provavelmente não veremos o embate entre Luz e Escuridão como o ponto principal, não haverá a Força como ponto de equilíbrio entre os personagens e o destino da galáxia não estará em jogo. Por bem ou por mal, o que veremos são seres (e droides) comuns, lutando para sobreviver em um universo vasto e cruel, que não liga para suas respectivas existências. Com diversas frentes ainda pouco exploradas nas telas grandes e pequenas, mas que os fãs conhecem a partir de outras mídias, a principal expectativa para a série é que ela possa expandir ainda mais essa galáxia tão, tão distante, povoada por seres estranhos e cheia de situações inusitadas.

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Jon Favreau (“O Rei Leão”) é roteirista e showrunner da série, e produz junto a Dave Filoni, mais conhecido por dirigir as animações “Star Wars: The Clone Wars” e “Star Wars Rebels”, e que também é o diretor do primeiro episódio. A direção dos demais episódios fica a cargo de Bryce Dallas Howard (do curta “Solemates“), Deborah Chow (da série “Jessica Jones”), Rick Famuyiwa (“Dope”) e Taika Waititi (“Thor: Ragnarok“).

Recentemente, Ming-Na Wen teve seu personagem confirmado. Ela interpretará a assassina Fennec Shand.

“The Mandalorian” estreia junto ao lançamento do streaming Disney Plus, no dia 12 de novembro. A plataforma não estará disponível no Brasil até o segundo semestre de 2020.

Julio Bardini
@juliob09

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