Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 17 de junho de 2019

Principais destaques do Festival de Cannes 2019

Com o bônus de ter ficado marcado para nós como "o ano do Brasil em Cannes", o festival teve em 2019 uma de suas melhores edições.

O maior festival de cinema do mundo, Cannes teve em 2019 uma edição memorável para os filmes brasileiros. Com as vitórias de Bacurau no Grande Prêmio do Júri e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” na mostra Um Certo Olhar, é natural – e necessário – que lembremos deste ano como “o ano do Brasil em Cannes” na história recente. A desvalorização que vem enfrentando a produção nacional da sétima arte torna tais vitórias ainda mais significativas, um verdadeiro gesto de resistência.

Mas nem só de Brasil vive Cannes, e 2019 foi também um ano que chamou atenção para diversos filmes e debates tão necessários quanto os êxitos tupiniquins. Com um mercado de filmes ainda aprendendo a lidar com mídias alternativas e o retorno de grandes cineastas ao festival, é preciso jogar um pouco de luz em tudo que houve além do memorável desempenho brasileiro. Para isso, o Cinema com Rapadura separou os principais destaques desta edição. Allons-y!

Parasite

“Bacurau” pode ter levado o Grande Prêmio do Júri, mas a Palma de Ouro, prêmio máximo de Cannes, ficou com o novo filme de Bong Joon-Ho. O cineasta coreano ficou mais conhecido recentemente por “O Expresso do Amanhã” e “Okja“, filmes como elementos de sci-fi e fantasia como carros-chefe. Em “Parasite”, ele estabelece um meio termo entre seus filmes recentes e sua fase mais realista, que teve em “Mother – A Busca Pela Verdade“, de 2009, seu último expoente.

De início, “Parasite” traz elementos de comédia de classe misturados com drama, até mergulhar de cabeça em um suspense selvagem. A trama mostra a queda de uma família proletária em Seul que, membro a membro, começa a trabalhar para uma mesma família de novos ricos em sua mansão. Gradualmente vemos a queda de cada um à loucura.

O longa já está sendo distribuído no mercado americano pela NEON, ainda sem data para estreia no Brasil.

The Lighthouse

Em 2015, Robert Eggers assombrou o mundo com seu terror “A Bruxa“. Agora ele está de volta com um terror psicológico em “The Lighthouse”, evocando os terrores da solidão e isolamento com um filme desesperador.

Ambientado em uma cidadezinha costeira na década de 1890, o filme traz os personagens de Willem Dafoe e Robert Pattinson confinados pelo trabalho a um farol em uma pequena ilhota na costa da Nova Inglaterra, nordeste dos Estados Unidos. Com nada além de rochas, água e céu a seu redor, a dupla, que já não se dá tão bem, vê sua relação deteriorar ainda mais quando começam a enfrentar os pesadelos da alienação do mundo exterior. O grande trunfo do filme esta nas poderosas atuações da dupla principal, que retrata de forma magistral a derrocada dos protagonistas.

O longa é mais uma produção da RT Features, comandada pelo brasileiro Rodrigo Teixeira. Exibido em Cannes no último dia 19 de maio, “The Lighthouse” ainda não teve uma data de estreia confirmada.

A Hidden Life

Se em suas últimas obras a repercussão não foi grande como é de costume, o retorno de Terence Malick a Cannes com “A Hidden Life” trouxe bons presságios. O filme foi um dos mais elogiados do festival por trazer todas as marcas registradas do cineasta com uma narrativa clara e objetiva.

Na trama, acompanhamos a história real de Franz Jägerstätter, um fazendeiro que vive com sua esposa e filhos em uma fazenda no interior austríaco. Sua vida idílica e bucólica é profundamente afetada quando ele é forçado a responder ao chamado do exército de Adolf Hitler. Incapaz de jurar lealdade ao Terceiro Reich, Franz escolhe seu destino, e o filme analisa quais razões levam um homem a fazer tal escolha.

Protagonizado por August Diehl e Valerie Pachner, “A Hidden Life” traz ainda as últimas atuações dos saudosos ícones Michael Nyqvist e Bruno Ganz. A estreia do longa está prevista apenas para janeiro de 2020, pela Fox Searchlight.

Era Uma Vez Em Hollywood

Quando Quentin Tarantino lança um novo filme, o mundo do cinema para para assistir. No caso de “Era Uma Vez Em Hollywood” não está sendo diferente. O nono trabalho do diretor foi um dos principais destaques do festival, e a repercussão deixou seus fãs ainda mais ansiosos pelo lançamento.

A trama mostrará a história do ator Rick Dalton e seu amigo dublê, Cliff Booth, que tentam reencontrar sucesso em suas carreiras moribundas na Hollywood de 1969, ano do bárbaro assassinato da atriz Sharon Tate. O filme deve abordar principalmente o assassinato de Tate (que foi casada com o cineasta Roman Polanski) e mais quatro pessoas pela chamada Família Manson em 1969.

O elenco tem como protagonistas Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie, além de nomes estelares entre os coadjuvantes, como Al Pacino, Bruce Dern, Lena Dunham, Dakota Fanning e mais. A data de lançamento no Brasil é 15 de agosto. Veja aqui o trailer.

Atlantics

“Atlantics” marca a estreia da atriz e cineasta Mati Diop como diretora. Seu trabalho foi indicado à Palma de Ouro e venceu o Grand Prix, e fez dela a primeira mulher negra a participar destes certames.

Descrito como “um ‘Romeu e Julieta’ às avessas“, o longa conta a história de Ada, uma jovem senegalesa de 17 anos profundamente apaixonada pelo pedreiro Souleiman, mas prometida em casamento a outro rapaz. Um dia, Souleiman e seus colegas deixam a capital Dakar em um barco em busca de um futuro melhor, apenas para que seu barco reapareça na costa da cidade sem sobreviventes. Alguns dias depois, um incêndio arruína o casamento de Ada, uma doença misteriosa começa a afligir os moradores locais e muitos afirmam terem visto Souleiman à espreita.

O lançamento de “Atlantics” está previsto para o circuito comercial francês em outubro deste ano. Para o restante do mundo, a Netflix adquiriu os direitos de distribuição, devendo lançá-lo apenas após seu período em cartaz nos cinemas franceses.

Les Miserábles

Não, esta não é mais uma releitura do clássico de Victor Hugo. Em sua estreia como diretora em filmes de ficção, a documentarista Ladj Ly escolhe a dedo símbolos marcantes da unidade francesa – como o próprio título da obra e a vitória francesa na Copa do Mundo de 2018 – apenas para destruí-los e ver a fragmentação socioeconômica que há por trás.

Na trama, uma equipe de policiais que atua na periferia de Paris enfrenta desafios constantes e crescentes, evidenciando a panela de pressão que se tornou a sociedade francesa: multicultural, mas cheia de preconceito.

“Les Miserábles” foi adquirido pela Amazon após uma longa batalha com a Netflix. No fim, a gigante de Jeff Bezos venceu ao prometer o lançamento do filme nos cinemas, tema que vem sendo o fiel da balança neste tipo de decisão recentemente. Assista ao trailer aqui.

Dor e Glória

A essa altura, todos sabemos quais são os elementos essenciais a um bom filme de Pedro Almodóvar: Antonio Banderas e Penélope Cruz. Quando o trio está junto, não há como errar e o resultado será excelente. Com “Dor e Glória”, o diretor espanhol repete a fórmula de sucesso olhando agora para si, com um filme que analisa sua própria relação com o envelhecimento.

Banderas dá vida a Salvador Mallo, um icônico diretor de cinema inspirado no próprio Almodóvar que sofre muito com dores nas costas, ansiedade, enxaquecas e um esôfago sensível, consequência de anos de bebidas e heroína. Sua principal dor, no entanto, vem da falta de inspiração para novas histórias. “Sem gravar, minha vida perde o sentido”, ele diz. Em suas tentativas de fazer as pazes com si mesmo e com o passado, ele relembra constantemente sua infância em Valencia junto a sua mãe, interpretada por Cruz.

“Dor e Glória” tem estreia prevista no Brasil para 25 de junho, e chegará ao mercado americano apenas em outubro – mas a tempo de concorrer a um eventual Oscar, claro. Assista ao trailer aqui.

Diego Maradona

É fato que El Pibe de Oro foi um dos maiores jogadores de todos os tempo, mas o debate será eterno: teria ele sido melhor que Pelé? Em seu novo projeto, o renomado documentarista Asif Kapadia destrincha o homem por trás do mito, mas sem tomar partido neste polêmico debate.

Kapadia é um dos especialistas em desmistificar grandes figuras da cultura pop, tendo feitos os grandes “Senna” (sobre o saudoso piloto Ayrton Senna) e “Amy” (sobre a igualmente saudosa cantora Amy Winehouse). Seu estilo é claro: o da troca por relato em primeira mão (as chamadas “cabeças falantes”) por uma abordagem mais documental e factual.

Maradona é uma figura que tem a polêmica como fiel acompanhante, e ela estará presente ao longo do filme em episódios marcantes de sua carreira, como a transferência ao Napoli em 1984 (onde fez histórica dupla com o brasileiro Careca) e, claro, a Mão de Deus na Copa do Mundo de 1986.

O documentário chegou aos cinemas internacionais no último dia 14 de junho, e será disponibilizado pela HBO através do streaming HBO GO após sua saída do circuito comercial. Assista ao trailer aqui.

Mercado em transformação

Além das mostras competitivas e exibições, o Festival de Cannes também é centro de um dos principais mercados de títulos e obras da indústria do cinema. Entre potenciais blockbusters e filmes da própria mostra competitiva, diversas obras foram adquiridas por distribuidoras, mas a principal lição tirada deste ano é a inevitável influência dos streamings e novas mídias.

Os principais destaques, além das obras listadas acima, são “Portrait of a Lady on Fire“, da diretora Céline Sciamma e adquirido pela NEON e pelo streaming Hulu, e “The Climb“, de Michael Angelo Covino, adquirido pela Sony Pictures Classics. A Netflix, principal nome da categoria de streaming, adquiriu ainda a aclamada animação “I Lost My Body“.

O veredito final dos produtores foi de que o principal desafio da indústria continua a ser conciliar o lançamento em salas de cinema com a nova modalidade do streaming. Enquanto um habilita o filme a participar, principalmente, de festivais e premiações, o segundo difunde a obra mundo afora, angariando espectadores onde anteriormente não conseguiria chegar. Este, no entanto, é um debate que continuará a gerar bastante polêmica até que a indústria aprenda a incorporar as novidades nos padrões de consumo do público.

Julio Bardini
@juliob09

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