Cinema com Rapadura

Colunas   domingo, 25 de novembro de 2018

Stan Lee e a Era Marvel: uma vida dedicada ao mundo das HQs

Conheça a trajetória de uma das maiores lendas dos quadrinhos, desde seus primeiros passos na Timely Comics até a revolução causada pelos anos dourados da Marvel.

No último dia 12 de novembro, o lendário quadrinista Stan Lee faleceu aos 95 anos, enlutando milhões de fãs ao redor do mundo. Conhecido por ser um dos pais da célebre Marvel Comics, Lee foi um dos responsáveis pela criação de incontáveis heróis e vilões que há décadas vêm encantando gerações de aficionados por histórias de super-heróis, um fato que, somado ao seu carisma inconfundível, fez com que ele se tornasse uma das personalidades mais conhecidas e queridas do mundo do entretenimento como um todo.

Para homenagear essa verdadeira lenda da nona arte, o Cinema com Rapadura preparou esse tributo mais do que especial sobre a trajetória de Lee no mundo dos quadrinhos, destacando seus trabalhos mais importantes e suas parcerias mais marcantes.

Timely e Atlas: os primeiros passos de Stan Lee no mundo das HQs

Nascido em 28 de dezembro de 1922, na cidade de Nova Iorque, Stanley Martin Lieber começou a trabalhar para a editora de histórias em quadrinhos Timely Comics em meados de 1939, ocupando a função de mero assistente. Ao longo de sua vida, Stan Lee deu declarações distintas sobre como teria ocorrido sua contratação, chegando a afirmar em algumas palestras e entrevistas que simplesmente se candidatou à vaga após ler o anúncio em um jornal, sem saber que a editora publicava HQs, e muito menos que o fundador da Timely era Martin Goodman, o marido de sua prima Jean.

Já em sua autobiografia, “Excelsior! The Amazing Life of Stan Lee“, de 2002, Lee afirmou que seu tio desempenhou um papel importante em sua contratação, recomendando que ele entrasse em contato diretamente com Joe Simon, um dos criadores do Capitão América, que na época era o responsável pelas contratações da Timely.

“Meu tio, Robbie Solomon, me contou que eles poderiam usar alguém em uma editora em que ele trabalhava. A ideia de estar envolvido na publicação definitivamente me atraiu. Então eu entrei em contato com o homem que Robbie disse que fazia as contratações, Joe Simon, e me candidatei ao emprego. Ele me aceitou e eu comecei a trabalhar como faz-tudo por oito dólares por semana”, afirmou Lee.

Por outro lado, Joe Simon contou a mesma história de um jeito um pouco diferente em sua autobiografia, “The Comic Book Makers“:

“Um dia, [um parente de Goodman chamado] Tio Robbie veio para o trabalho com um magrelo de 17 anos a reboque. ‘Este é Stanley Lieber, primo da esposa de Martin’, disse o Tio Robbie. ‘Martin quer que você o mantenha ocupado.'”

Independente disso, o fato é que, no início, as tarefas do jovem Stanley eram relativamente simples, consistindo basicamente em auxiliar os artistas da casa, como ele próprio descreveu em uma entrevista concedida em setembro de 2009 ao Los Angeles Times:

“Naquela época eles mergulhavam a caneta em tinta, eu tinha que garantir que os tinteiros estivessem cheios. Eu descia e conseguia o almoço deles, eu fazia a revisão de texto, eu apagava os lápis das páginas prontas para eles.”

Dentre os artistas que ele auxiliou durante esse período, o destaque fica por conta de Jack Kirby, com quem anos depois ele viria a formar a mais famosa dupla de quadrinistas de todos os tempos. Entretanto, nessa época Stanley sequer podia imaginar que esse trabalho seria responsável por mudar sua vida para sempre, acreditando que no final das contas esse emprego não passaria de uma mera nota de rodapé em sua história.

Em 1941, Stanley foi encarregado de escrever sua primeira história para a Timely, publicada na 3ª edição da revista “Captain America Comics“. A narrativa, intitulada “Captain America Foils the Traitor’s Revenge“, não era uma História em Quadrinhos propriamente dita, e sim um simples texto de duas páginas que contava uma breve aventura do Capitão América. Todavia, essa história aparentemente simples acabou gerando aquela que hoje é vista pelos fãs como uma das marcas registradas do Sentinela da Liberdade, pois foi nessa história que o herói arremessou seu icônico escudo pela primeira vez.

Ele escreveu a referida história sob o pseudônimo Stan Lee, que anos mais tarde ele adotaria como seu nome legal. Em uma entrevista concedida à rádio MPR News, Lee conta que utilizou o pseudônimo por vergonha do trabalho que estava fazendo, já que as HQs eram vistas pela sociedade como um entretenimento de baixo nível. Assim sendo, ele não queria associar seu nome verdadeiro ao mundo dos quadrinhos, pretendendo preservar sua imagem para quando ele enfim realizasse seu sonho de se tornar um escritor de grandes e respeitáveis obras literárias. Leia abaixo a transcrição de um trecho da entrevista:

“Eu me dei conta de que as pessoas realmente não respeitavam as Histórias em Quadrinhos. A maioria dos pais não queria que seus filhos lessem quadrinhos. E eu fiquei um pouco envergonhado por estar fazendo o trabalho que fazia, e imaginei que algum dia eu iria escrever o Grande Romance Americano, e não queria arruinar minhas chances tendo meu nome repugnado desse jeito. E eu me tornei Stan Lee.”

A primeira História em Quadrinhos de verdade com roteiro de Lee, “Headline Hunter, Foreign Correspondent“, foi publicada nas páginas de “Captain America Comics” nº 5, apresentando aos leitores o personagem Jerry Hunter, um repórter americano que, no auge da Segunda Guerra Mundial, acaba sendo enviado para o exterior para cobrir o conflito na condição de correspondente estrangeiro. Apesar de não ser muito conhecido pelo público em geral, Hunter merece ser lembrado por ter sido o primeiro personagem criado por Lee para uma HQ.

A partir de então, Lee continuou escrevendo histórias para a Timely, criando personagens como Destroyer, Father Time e Jack Frost. No final de 1941, os criadores do Capitão América, Joe Simon e Jack Kirby, acabaram deixando a editora por conta de um desentendimento com Martin Goodman, levando este a tomar a decisão de promover Lee ao cargo de editor interino. Mesmo com apenas 19 anos, Lee demonstrou levar jeito para os negócios, sendo efetivado como editor-chefe e assumindo também a função de diretor de arte, permanecendo nos referidos cargos durante anos, ausentando-se apenas no breve período em que serviu no setor de comunicações do Exército Norte-Americano durante a Segunda Guerra Mundial. 

Na década de 1950, os quadrinhos de super-heróis de um modo geral passaram por um complicado período de decadência, com a Timely Comics sendo rebatizada como Atlas Comics e deixando os heróis mascarados em segundo plano, passando a ter como foco a publicação de histórias de diversos gêneros, como romance, ficção científica e terror. Ao final da década, Lee estava insatisfeito com o rumo que sua vida profissional havia tomado, chegando inclusive a cogitar a ideia de deixar o mundo dos quadrinhos para trás.

Coincidentemente, foi justamente quando Lee estava o mais descontente possível com sua carreira que os super-heróis voltaram a atrair a atenção dos leitores de HQs, com a DC Comics, que na época ainda era conhecida como National Comics, alcançando um sucesso considerável ao lançar a revista “Liga da Justiça“, que promovia o encontro de seus principais personagens em uma grande equipe.

Diante do sucesso da concorrência, Martin Goodman decidiu que era hora da Atlas, agora já com o nome de Marvel Comics, voltar ao mundo dos super-heróis, passando a Lee a tarefa de criar uma nova super-equipe. O que ninguém podia imaginar naquela época é que este seria o início de uma nova e brilhante era do mundo dos quadrinhos. 

Quarteto Fantástico e o início da Era Marvel

Atendendo ao pedido de Goodman, Stan Lee se juntou ao desenhista Jack Kirby e criou aquela que viria a ser conhecida como a Primeira Família da Marvel: o Quarteto Fantástico. Composta por Reed Richards, Ben Grimm e pelos irmãos Susan e Johnny Storm, a equipe fez sua estreia em “The Fantastic Four” nº 1, de novembro de 1961, e não tardou a cair nas graças dos leitores.

A equipe concebida por Lee e Kirby revigorou o mundo dos quadrinhos de um modo que ninguém esperava que fosse possível, um feito que só foi atingido porque a dupla decidiu dar ao grupo de heróis um elemento que até então estava praticamente ausente das histórias do gênero: humanidade.

Sim, o Quarteto Fantástico era formado por seres com poderes extraordinários, visuais coloridos e que viviam aventuras inacreditáveis, mas não foi isso que fez com que a revista se tornasse um verdadeiro fenômeno. O sucesso do grupo residia no fato de que, apesar de suas habilidades sobre-humanas, eles eram falhos, vaidosos, cometiam erros, e discutiam constantemente. Em outras palavras, eles se comportavam como pessoas reais.

Isso permitiu aos leitores formar uma verdadeira conexão com os personagens, identificando-se com os dilemas enfrentados pelos mesmos, de modo que os fãs sempre ficavam com uma grande expectativa não apenas pela próxima grande aventura da equipe, mas também pelos próximos acontecimentos na vida pessoal dessa família disfuncional.

Outro aspecto que fez a HQ se destacar das demais foi o humor empregado por Lee nas histórias. Enquanto outros gibis do período se levavam à sério demais, a revista do Quarteto Fantástico apresentava um acertado equilíbrio entre momentos dramáticos e situações bem humoradas, algo que Lee viria a aperfeiçoar pouco tempo depois nas histórias de um certo Amigão da Vizinhança.

Vendo o sucesso da revista, Lee, em um verdadeiro momento de genialidade, teve a ideia de estampar na capa de The Fantastic Four” nº 3 o slogan “The Greatest Comic Magazine in the World!!” (“A Maior Revista em Quadrinhos do Mundo“, em tradução livre). Na edição seguinte, o slogan foi alterado para “The World’s Greatest Comic Magazine!“, que essencialmente conservava o significado da frase original, ao mesmo tempo em que ficava mais aprazível tanto visual como sonoramente.

Também é interessante destacar que já nessa época Stan Lee demonstrava sua propensão a fazer participações especiais nas histórias, com ele e Jack Kirby sendo barrados do casamento de Reed Richards e Susan Storm nas páginas de “Fantastic Four Annual” nº 3, de 1965. 

Ao longo das 102 edições em que Lee e Kirby ficaram à cargo do título, a HQ apresentou personagens como Doutor Destino, Surfista Prateado, Galactus e Pantera Negra, apenas para citar alguns, consolidando-se como um dos alicerces do Universo Marvel dos quadrinhos.

Universo em expansão: o polêmico Método Marvel

Apesar de sua importância incontestável, nem só de Quarteto Fantástico vivia o Universo Marvel. Em poucos anos, Lee deu vida à heróis como Hulk, Thor, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Demolidor, Doutor Estranho, Homem-Formiga, Vespa e muitos outros, além de criar equipes como X-Men e Vingadores, de modo que não é nenhum exagero dizer que Stan Lee pode ser considerado um dos pais da Marvel. Entretanto, ele não é o único merecedor dessa honra.

De fato, Lee contou com a colaboração de diversos artistas ao longo de sua carreira, desde o já mencionado Jack Kirby, até nomes como Steve Ditko, John Romita e Gil Kane. Mais do que simples desenhistas, esses artistas eram responsáveis por conceber, juntamente com Lee, as tramas das HQs, dando origem ao dito Método Marvel.

Resumidamente, pode-se dizer que o Método Marvel, ou Estilo Marvel, como também é chamado, consistia em Lee ter uma ideia e repassá-la para o artista responsável pela HQ, o qual desenharia a história, criando todos os detalhes da trama por conta própria. Uma vez que a história estivesse pronta, ela seria enviada para Lee inserir seus diálogos.

É justamente por isso que algumas pessoas afirmam que Lee não seria merecedor do reconhecimento que conquistou ao longo de sua vida, com os verdadeiros responsáveis pela qualidade e pelo sucesso das histórias da Marvel sendo os artistas com quem ele trabalhou.

Contudo, por mais polêmico que o Método Marvel possa parecer na visão de alguns, essas tentativas de desmerecer Lee e diminuir sua importância no mundo dos quadrinhos são simplesmente lamentáveis, na medida em que fazem vista grossa para o fato de que, ainda que ele não as executasse pessoalmente, as ideias para as histórias partiam dele. Além disso, conforme já foi mencionado, era ele quem redigia os diálogos das HQs, os quais eram um dos principais atrativos das histórias para muitos leitores.

E como se isso não fosse o bastante, Lee ainda viria a se tornar uma peça-chave para que os heróis da editora ganhassem vida fora dos quadrinhos, de modo que sua contribuição para o gênero como um todo jamais pode ser menosprezada.

O Espetacular Homem-Aranha

Da mesma forma que Walt Disney sempre será ligado ao Mickey Mouse, a imagem de Stan Lee será eternamente associada ao Espetacular Homem-Aranha. Justamente por essa razão, o período em que Lee ficou à cargo das histórias do personagem merece ser destacado.

Antes de adentrar no conteúdo das aventuras do jovem Peter Parker, é interessante mencionar que Lee enfrentou uma verdadeira batalha para fazer com que o personagem conseguisse ver a luz do dia. Por mais que uma afirmação como essa possa parecer completamente absurda nos dias de hoje, o fato é que Lee inicialmente enfrentou vários obstáculos em sua tentativa de persuadir Martin Goodman a publicar as histórias do Homem-Aranha, como ele mesmo narra em sua belíssima introdução ao primeiro volume de “Biblioteca Histórica Marvel: Homem-Aranha“, uma coletânea das primeiras aventuras do personagem:

“Pobre Aranha… Quase que ele não nasceu! E se eu não te chamei a atenção com isso, nunca mais escrevo introdução alguma. É duro lembrar todos os argumentos ditos na tentativa de me convencer que o nosso amigo da vizinhança escalador de paredes não devia estrelar sua própria série. […] Você não pode chamar um herói de ‘Homem-Aranha’ porque as pessoas odeiam aranhas! Você não pode apresentar um super-herói adolescente. Um adolescente só pode ser o parceiro de um herói adulto (o Aranha era adolescente quando a série teve início). Você não pode fazer um  protagonista com muitos problemas. Os leitores vão pensar que ele não é heroico o suficiente. Você não pode criar um herói que não seja galante e bonito (Peter era justamente o tipo de estudante nerd bem normal naqueles primeiros dias). Você não pode fazer um herói cuja titia viva mimando-o. Isso não é macho o suficiente.”

A partir disso, é possível ter uma noção do tamanho das dificuldades que Lee precisou superar para convencer Goodman de que o herói adolescente merecia pelo menos uma chance de brilhar. Após muita insistência, ele conseguiu a permissão para publicar a história de origem do personagem na 15ª edição da revista “Amazing Adult Fantasy“, que justamente naquele número seria renomeada como “Amazing Fantasy“.

Entretanto, havia uma verdadeira pegadinha por trás da suposta mudança de ideia de Goodman: aquela seria a última edição da revista, com Lee afirmando mais de uma vez que o cancelamento iminente de “Amazing Fantasy” foi o único motivo pelo qual Goodman deixou que ele publicasse a história:

“[…] a parada foi difícil, pois a chefia da editora não permitiu lançar o personagem em revista própria. Mas como estávamos prestes a cancelar Amazing Fantasy ninguém se importaria com qualquer história que colocássemos em sua última edição. […] Era uma boa oportunidade de ‘queimar’ de uma vez o Homem-Aranha e dar razão aos sabichões.”

A primeira escolha de Lee para desenhar a história foi seu grande parceiro, Jack Kirby, mas Lee não ficou satisfeito com os esboços de Kirby, acreditando que o artista havia deixado Peter Parker heroico demais, contrariando sua visão para o personagem. Assim, Lee acabou recorrendo a outro artista da Casa das Ideias: Steve Ditko, que foi o responsável por criar o icônico uniforme do herói. 

Em agosto de 1962, “Amazing Fantasy” nº 15 apresentou aos leitores a história do tímido adolescente Peter Parker. Após ser picado por uma aranha radioativa, ele ganha poderes incríveis e se torna o Espetacular Homem-Aranha, decidindo utilizar suas recém adquiridas habilidades para conquistar fama e fortuna. Entretanto, uma tragédia pessoal o leva a compreender que grandes poderes trazem grandes responsabilidades.

Para a completa surpresa de Martin Goodman, o gibi se tornou um dos mais vendidos da Marvel, o que o levou a pedir para que Lee continuasse a jornada do herói em uma revista própria. Em 1963, “The Amazing Spider-Man” nº 1 enfim chegou às bancas, e o resto é história.

Durante 38 edições, Lee e Ditko brindaram os leitores com aventuras de tirar o fôlego, colocando o herói aracnídeo em combates sensacionais contra aqueles que até hoje permanecem como seus adversários mais marcantes, como Duende Verde, Doutor Octopus, Homem-Areia, Lagarto, Electro, Abutre, Mysterio, Escorpião, Camaleão e Kraven.

Além disso, a dupla fez questão de colocar a vida pessoal de Peter Parker em destaque, deixando claro para os leitores que no fundo ele era apenas um adolescente como outro qualquer, com preocupações típicas da referida faixa etária, tendo dificuldades em conseguir um encontro com uma garota e precisando lidar com o fato de que era o alvo favorito do valentão da escola, apenas para citar alguns exemplos. 

Após uma discussão acerca de qual deveria ser a verdadeira identidade do Duende Verde, Ditko deixou o título, sendo substituído por John Romita a partir da 39ª edição de “The Amazing Spider-Man“. Sabendo do talento de Romita para desenhar belas garotas e rapazes bonitos, Lee aproveitou essa oportunidade para focar ainda mais na vida privada de Peter Parker, transformando a revista em uma verdadeira novela repleta de triângulos amorosos.

Saia de cena o esguio e tímido Peter das primeiras histórias, que era praticamente um excluído social, e surgia um novo e remodelado Peter, com seu próprio círculo de amigos e com a confiança para se envolver com lindas mulheres como Gwen Stacy e Mary Jane Watson.

Isso demonstra outro elemento que faz com que a passagem de Lee pelo título do Homem-Aranha seja considerada por muitos como uma das melhores fases de todos os tempos não apenas do personagem, mas dos quadrinhos de um modo geral: sua constante evolução.

Teria sido muito simples, diante do sucesso alcançado pelas primeiras histórias, manter o personagem como um eterno patinho feio, deixando-o para sempre na escola sem que qualquer mudança significativa ocorresse. Entretanto, Lee não teve medo de alterar o status quo do herói sempre que necessário, fazendo com que os leitores pudessem acompanhar o crescimento de Peter a cada nova edição.

Quando Lee enfim deixou o título após mais de 100 edições, Peter não era mais um simples adolescente, e sim um jovem adulto empenhado em seus estudos na Universidade Empire State, com um emprego fixo como fotógrafo do Clarim Diário e envolvido em um relacionamento duradouro com a bela Gwen Stacy, cogitando seriamente a ideia de se casar com sua namorada em um futuro próximo. 

Após a saída de Lee, o herói ainda teve muitas histórias memoráveis ao longo dos anos, mas nunca mais Peter Parker cresceu tanto como pessoa em um espaço tão curto de tempo. Chega até a ser engraçado ver que, enquanto Lee estava sempre buscando novas formas de evoluir o personagem, hoje a Marvel faz de tudo para manter Peter eternamente como um jovem, acreditando que assim ele tem mais chances de continuar atraindo novos leitores.

Embora a estratégia atual da editora até faça um certo sentido sob uma perspectiva puramente comercial, é indiscutível que a visão de Lee para o personagem era muito mais interessante, deixando os fãs cada vez mais ansiosos pelos novos e surpreendentes desdobramentos da vida de Peter Parker.

É triste perceber que o Homem-Aranha dos quadrinhos contemporâneos na maior parte do tempo não passa de uma caricatura do personagem concebido por Stan Lee e Steve Ditko nos idos de 1962, mas as histórias clássicas do Amigão da Vizinhança sempre estarão disponíveis não apenas para aqueles que queiram revisitá-las, mas também para novos fãs descobrirem o motivo de o herói ser um personagem tão apaixonante. 

Além disso, embora Lee tenha se despedido oficialmente das HQs do Homem-Aranha no início dos anos 1970, ele passou a escrever uma tira de jornal dedicada ao personagem a partir de janeiro de 1977. “As Tiras do Homem-Aranha“, como ficaram conhecidas, são ambientadas em uma continuidade diferente das HQs do herói, o que permitiu que Lee não tivesse que se submeter às restrições impostas à revista do personagem. As tiras permanecem sendo publicadas até hoje, com Lee escrevendo os roteiros continuamente até seu falecimento, o que demonstra seu imenso carinho por aquela que é a sua maior criação.

Muito além dos roteiros: Stan Lee como o rosto da Marvel

Em 1972, após mais de três décadas de trabalho como roteirista e editor-chefe, Lee foi escolhido para substituir Martin Goodman na função de publisher da Marvel, tornando-se o verdadeiro rosto público da editora e participando de incontáveis palestras e convenções com o objetivo de divulgar e fortalecer cada vez mais a imagem da Casa das Ideias.

Nesse sentido, Lee teve um papel fundamental em levar os personagens da Marvel para fora dos quadrinhos, e quando finalmente os heróis da editora passaram a ser transpostos para outras mídias, ele se imortalizou no imaginário popular como a cara da Marvel por conta de suas participações mais do que especiais nos filmes, seriados e animações baseados em seus personagens.

A primeira dessas aparições ocorreu em “O Julgamento do Incrível Hulk” (1989), um filme para a TV que continuava a história da clássica série estrelada por Bill Bixby e Lou Ferrigno, interpretando um dos jurados presentes no julgamento do Doutor David Bruce Banner (Bixby), que em um momento de fúria se transforma no Hulk (Ferrigno) e começa a destruir tudo o que se encontra ao seu redor. No fim das contas, tudo não passava de um mero pesadelo de Banner, mas nem por isso a cena deixa de ser emblemática. Assista abaixo (sem legendas em português):

Desde então, Lee não parou de aparecer nos filmes, de tal modo que suas participações acabaram se tornando alguns dos momentos mais esperados e festejados pelos fãs em diversas produções. São tantas cenas marcantes que chega a ser difícil, ou até mesmo impossível, escolher qual é a melhor, mas existe uma que retrata com perfeição tudo aquilo que Stan Lee tentou transmitir ao longo de sua carreira como quadrinista.

Por mais que “Homem-Aranha 3” (2007) esteja longe de ser um dos filmes favoritos dos fãs, a participação de Lee no filme é simplesmente genial, com ele aparecendo em cena para passar à Peter Parker (Tobey Maguire) a mensagem de que “uma pessoa pode fazer a diferença“. Assista abaixo (sem legendas em português):

De fato, Stan Lee fez a diferença na vida de milhões de pessoas, e continuará fazendo graças ao legado incomparável que deixou, permanecendo vivo para sempre nos corações de todos aqueles que foram tocados por suas histórias.

João Antônio
@rapadura

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