Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 05 de novembro de 2018

As impressionantes múltiplas faces de Tilda Swinton; conheça diferentes e incríveis personagens vividos pela atriz

As ricas encarnações de Swinton no cinema abrangem mulheres jovens, idosas, belas e estranhas; e contemplam até mesmo a representação de figuras masculinas e arquétipos bíblicos.

Há poucos dias, uma inesperada notícia aumentou ainda mais o entusiasmo de grande parte dos fãs que aguardam com ansiedade a chegada de “Vingadores 4” aos cinemas: o longa, que conclui a narrativa iniciada em “Vingadores: Guerra Infinita” (2018), terá a ilustre participação de ninguém menos que a aclamada atriz Tilda Swinton (“Okja”), conforme informou o produtor executivo Michael Grillo. A britânica interpretará, mais uma vez, a personagem Anciã, que foi introduzida ao Universo Cinematográfico da Marvel no filme “Doutor Estranho” (2016). A conclusão da saga do famoso grupo de super-heróis chegará às salas de exibição em maio de 2019.

No entanto, para quem aprecia a atuação de Tilda Swinton para além de sua presença no UCM, seu trabalho nas telonas ainda poderá ser prestigiado em outro aguardado lançamento: o remake do clássico de terror italiano “Suspiria”, que estreou nos EUA na última sexta-feira (2) e que chegará ao Brasil em breve. Essa participação de Swinton na obra do diretor Luca Guadagnino (“Me Chame Pelo Seu Nome”) já foi especialmente alardeada, mesmo antes da estreia oficial do longa em circuito comercial, devido ao fato da atriz viver pelo menos dois personagens na trama: Madame Blanc, a diretora artística de uma companhia de danças, e o Dr. Josef Klemperer, uma figura masculina e idosa – que Swinton interpretará caracterizada sob forte maquiagem.

O fato de Tilda Swinton, uma mulher ainda na meia-idade, interpretar o papel de um homem idoso é algo no mínimo curioso. A situação nos remete a um dos pré-requisitos clássicos exigidos de um bom profissional da atuação: a dedicação do próprio corpo para a composição de um personagem. Isso inclui a realização de mudanças – às vezes drásticas – no visual, o que, em muitas circunstâncias, pode alterar consideravelmente a fisionomia do intérprete – ainda que apenas por um período de tempo -, fazendo-a destoar de maneira significativa da habitual aparência do indivíduo. Tal característica é facilmente verificável na filmografia de Swinton, sendo uma peculiaridade demonstrada em grande escala ao longo de sua carreira.

Abaixo, seguem listados alguns dos mais variados trabalhos de Tilda Swinton, destacando as diversas mudanças visuais por que essa versátil e emblemática atriz passou através dos anos, quando deu vida a muitos e, na maioria das vezes, excêntricos personagens:

“Okja” (2017)

Em “Okja”, temos Tilda Swinton em dose dupla. No filme do sul-coreano Bong Joon-Ho (“O Hospedeiro”), Swinton interpreta a caricata Lucy Mirando, a poderosa CEO da Miranda Corporation, que busca obter lucro com a exploração de uma porca gigante geneticamente modificada. De quebra, o espectador ainda é brindado com Yep, a irmã gêmea de Mirando e outra versão excêntrica de Swinton em cena. A produção é uma sátira ao mundo corporativo e ao capitalismo, e uma defesa aberta da natureza.

“Doutor Estranho” (2016)

A Anciã é um grande símbolo da multifacetada habilidade de Tilda Swinton em se entregar “de corpo e alma” a seus personagens. A imagem da atriz confere certos aspectos andróginos às figuras que interpreta, e esse elemento está visivelmente presente na própria fisionomia da persona em questão. Aliás, que se ressalte: nos quadrinhos, a “Anciã” é, na verdade, um homem; sendo, portanto, chamada na respectiva mídia de “O Ancião”. No entanto, da maneira como foi concebida pelo diretor Scott Derrickson (“A Entidade”) na adaptação cinematográfica, a Anciã serve como uma espécie de representação do equilíbrio místico evocado pela narrativa de “Doutor Estranho”.

“Descompensada” (2015)

Na comédia romântica “Descompensada”, do diretor Judd Apatow (“Ligeiramente Grávidos”), Tilda Swinton vive Dianna. A atriz está praticamente irreconhecível como a durona editora de uma revista de variedades.

“O Grande Hotel Budapeste” (2014)

“O Grande Hotel Budapeste”, a elogiada comédia de Wes Anderson (“Ilha dos Cachorros”), traz Swinton como Madame D, uma das hóspedes do hotel em que a história é ambientada. A atriz, mais uma vez sob forte maquiagem, interpreta uma idosa cujo assassinato é o ponto de partida da trama.

“Expresso do Amanhã” (2013)

“Expresso do Amanhã”, filme baseado na HQ francesa “O Perfuraneve”, apresenta outra parceria de Swinton com o cineasta Bong Joon-Ho. Na trama pós-apocalíptica, um trem sem destino carrega os únicos sobreviventes do planeta após o surgimento de uma nova era do gelo, dividindo os passageiros em vagões de acordo com a classe social de cada um; quando, então, uma revolução tem início.

Swinton vive aqui mais uma personagem caricata, Mason, responsável pela mutilação daqueles que se opõem ao alto comando do transporte ferroviário que, neste contexto, serve como uma espécie de “Arca de Noé sobre os trilhos”.

“Amantes Eternos” (2013)

Na fantasia gótica “Amantes Eternos”, do diretor americano Jim Jarmusch (“Paterson”), Swinton e Tom Hiddleston (“Vingadores: Guerra Infinita”) vivem um casal de vampiros, numa versão profana de Adão e Eva. Essa adaptação moderna da clássica lenda das criaturas da noite nos permite apreciar um dos mais interessantes tipos melancólicos compostos pela atriz.

“Precisamos Falar Sobre o Kevin” (2011)

Swinton viveu outra Eva no cinema: em “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, que a diretora escocesa Lynne Ramsay (“Você Nunca Esteve Realmente Aqui”) adaptou do livro homônimo escrito pela americana Lionel Shriver. A trama mostra a difícil e conturbada relação entre uma mãe depressiva e seu filho primogênito problemático – da infância à adolescência deste -, que resultaria em um desfecho trágico e surpreendente.

“Os Limites do Controle” (2009)

Em outro trabalho com o diretor Jim Jarmusch, Tilda Swinton faz uma participação especial em “Os Limites do Controle”, um enigmático suspense, no qual vive a personagem Blonde. Com uma peruca e chapéu de vaqueira, sua presença em cena, embora rápida, é intensa e marcante.

“Julia” (2008)

No filme francês dirigido por Erick Zonca (“A Vida Sonhada dos Anjos”), Swinton, na pele da protagonista que dá título ao longa, vive um papel desafiador: Julia é uma mulher exuberante, mas manipuladora e mentirosa. Desesperada e entregue ao alcoolismo, ela acaba se envolvendo com o mundo do crime.

“Conduta de Risco” (2007)

“Conduta de Risco”, suspense dramático dirigido por Tony Gilroy (da trilogia “Bourne”) e protagonizado por George Clooney (“Ave, César!”) – sobre uma corrupta firma de advogados -, proporcionou a Tilda Swinton o reconhecimento, por parte da indústria cinematográfica, quanto ao seu excelente trabalho de atuação: ela conquistou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, graças à sua interpretação irrepreensível como Karen Crowder, uma advogada responsável por defender com absoluta lealdade uma controversa empresa.

Trilogia “As Crônicas de Nárnia” (2005, 2008, 2010)

Tilda Swinton é nada menos que a grande vilã dos três filmes da franquia de fantasia “As Crônicas de Nárnia”, a adaptação cinematográfica da icônica obra literária do escritor irlandês C.S. Lewis. Em “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa” (2005) e em “Príncipe Caspian” (2008), ambos dirigidos pelo neozelandês Andrew Adamson (“Shrek”), e em “A Viagem do Peregrino da Alvorada” (2010), comandado pelo inglês Michael Apted (“Conspiração Terrorista”), ela dá vida à terrível Jadis, a Feiticeira Branca.

“Flores Partidas” (2005)

Dirigido por Jim Jarmusch e protagonizado por Bill Murray (“Caça-Fantasmas”), o drama cômico “Flores Partidas” traz Swinton em não mais que cinco minutos de tela. No entanto, esse é o tempo suficiente para que a atriz roube a cena como Penny, uma das ex-namoradas do protagonista.

“Constantine” (2005)

Além da Anciã de “Doutor Estranho”, a androginia como elemento simbólico de transcendência metafísica está presente em outro personagem vivido por Tilda Swinton nos cinemas: o Anjo Gabriel, do filme “Constantine”. O drama sobrenatural dirigido por Francis Lawrence (“Operação Red Sparrow”), que adapta o universo do personagem John Constantine – da HQ “Hellblazer”, do universo DC Comics -, foi protagonizado por Keanu Reeves (“John Wick – Um Novo Dia Para Matar”) e Rachel Weisz (“A Favorita”). A produção causou polêmica por apresentar uma mulher interpretando o notório anjo bíblico.

“Wittgenstein” (1993)

Dirigida pelo inglês Derek Jarman (“A Tempestade”), “Wittgenstein”, a cinebiografia teatralizada do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, mostra Tilda Swinton como Lady Ottoline Morrell, uma aristocrata inglesa da era vitoriana. O longa apresenta uma estrutura narrativa incomum, na qual a trama é reproduzida contra um fundo preto, diante do qual os atores e os principais adereços de cena são posicionados, como em um teatro.

Essa foi apenas uma das muitas parcerias de Swinton com o já falecido Jarman, com quem trabalhou em diversos outros filmes no início de sua carreira, como: “Caravaggio” (1986), “Crepúsculo do Caos” (1987), “War Requiem” (1989), “O Jardim” (1990) e “Eduardo II” (1991).

“Orlando: A Mulher Imortal” (1992)

O histórico de Tilda Swinton como intérprete de personagens masculinos teve início na década de 90, quando a atriz protagonizou a fantasia dramática “Orlando: A Mulher Imortal”, com direção da inglesa Sally Potter (“Ginger & Rosa”). Na trama, o nobre Orlando (Swinton) é condenado pela rainha Elizabeth I a permanecer eternamente jovem, maldição que se cumpre e o faz atravessar os séculos experimentando vidas e mudanças de gênero.

A carreira de Tilda Swinton ainda é permeada por diversos papéis de destaque em muitas outras produções da sétima arte, e seria impossível aqui relacioná-los a contento. Entretanto, os personagens destacados nos dão um pouco de percepção quanto à proporção do ilimitado talento dessa excelente atriz. A imensa galeria de tipos que Swinton construiu no decorrer dos anos demonstra os fartos recursos dramáticos de que ela dispõe.

Por fim, os neutros e marcantes traços faciais de Tilda constituem um dote natural tão precioso que, não por acaso, já foi empregado consideráveis vezes como uma das mais perfeitas representações de alguns dos principais arquétipos da iconografia cristã – e, assim sendo, seria mesmo um pecado que a grande dádiva desse imenso talento não fosse dessa forma aproveitado.

Fernando Gomes
@rapadura

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