Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Do drama ao surreal: o inquietante, obsessivo e perturbador cinema de Darren Aronofsky

Analisamos alguns pontos vitais da carreira do diretor e especulamos o que esperar de seu próximo trabalho.

Embora seja um dos diretores mais aclamados pela crítica, Darren Aronofsky ainda é um jovem, com uma carreira curta, porém sólida, que sequer rompeu a barreira do primeiro bilhão de dólares em arrecadação. Mas seu sucesso inegável não foi fruto do acaso, afinal, basta acompanhar sua filmografia e ver que ele permanece constante em uma temática principal: a jornada pessoal de seus protagonistas.

Atrelando distúrbios psicológicos mostrados em tela de uma forma magistral com a sempre obsessiva trajetória de seus personagens, Aronofsky costuma nos manter prisioneiros em uma atmosfera inquietante, capaz de nos transportar para situações inimagináveis e, acima de tudo, nos fazer pensar.

Aproveitando a proximidade do lançamento de “Mãe!”, vamos passar por algumas de suas obras, refletir e tentar entender as mensagens que esse diretor tão singular tentou (ou não) nos passar.

Pi e a busca do sentido da vida

Ok, talvez um padrão que preveja os acontecimentos do mercado de ações ou algum código oculto no Torá não seja exatamente a resposta para tudo. Mas para o jovem e cheio de problemas Max Cohen (Sean Gullette, “Traitors”), era muito mais que isso. O brilhante matemático seguia em sua busca obsessiva por encontrar um sentido que explicasse tudo na natureza, da direção que o vento toma até uma mancha formada por um copo de água jogado contra a parede. Ordem. Advinda do caos.

Ao mostrar Max travando batalhas contra todos que desejam seu precioso conhecimento e contra sua própria mente, Aronofsky constrói um verdadeiro horror psicológico, capaz de fazer o simples ato de escrever números em uma cena extremamente tensa, para o protagonista e para nós, espectadores.

Podemos ver ainda a utilização de diversas técnicas de direção que contribuem ainda mais para o já desesperador ambiente que o diretor nos inflige. É o caso de repetição frenética de cenas e diálogos, fotografia repleta de contrastes (vale lembrar que o filme é preto e branco), a forma como os efeitos de substâncias químicas no organismo são retratados e, é claro, a trilha sonora sensacional de Clint Mansell, que dava início a uma das grandes parcerias diretor/músico do cinema.

Fuga da realidade ou O que é o vício?

Por mais interessante que “Pi” (1998) seja, não há como negar que o longa parecia ser um teaser do que estava por vir. Dois anos depois, Aronofsky lançava “Réquiem para um Sonho” (2000), colocando-nos na pele de viciados de uma forma incrivelmente verossímil e angustiante, englobando tanto suas relações interpessoais quanto seus problemas internos.

Descrever esse longa como “um filme de drogas” não consegue fazer jus a profundidade da trama – algo característico e recorrente na carreira do diretor. A forma como as histórias de Harry, Marion e Tyrone são mostradas já tem seu valor, mas, de longe, o maior destaque vai para a jornada e atuação brilhante de Ellen Burstyn (“Interestelar”) como Sara Goldfarb. Ao contrapor a história dos viciados com a viúva solitária, Aronofsky nos faz refletir de forma contundente o que é um sonho e como a busca por realizá-lo pode se tornar uma obsessão trágica e viciante.

Mostrar a fixação de Sara em aparecer num programa de TV e como isso a fazia se sentir viva e amada novamente revela uma ótica totalmente nova de como apresentar o vício e suas consequências. Como em um ciclo já conhecido porém surpreendente, Aronofsky nos mostra a satisfação sentida no início do processo de dependência e a degradação contínua do ser, desde o eventual enfraquecimento da condição, o qual leva ao consumo cada vez maior da substância em questão (seja ela física ou mental). E, ao nos transportar para os terríveis devaneios mentais que a personagem começa a sofrer, o diretor soca nosso estômago com a dura realidade do esperado, mas não menos chocante, fim trágico.

Mesclando as técnicas vistas em seu primeiro filme com toda essa narrativa peculiar, vivemos, através dos personagens, uma verdadeira jornada de desespero e autodestruição. Apenas para pontuar (porque não há muito o que falar), ouçam, ou melhor, sintam esta trilha:

Dança perfeita e obsessiva

Permitam suprimir outras grandes obras do diretor para analisar esta película que talvez tenha reunido o que houve de melhor em toda sua carreira. “Cisne Negro” (2011) já marca a história de Aronofsky por ter lhe rendido grande parte de suas indicações à prêmios, incluindo, até então, sua única denotação ao Oscar de Melhor Diretor. Mas o seu maior mérito foi, sem dúvidas, transformar uma narrativa simples em algo tão profundo e denso, capaz de nos deixar angustiados sem saber o que de fato é real – talvez nada seja.

Como ele fez isso? Nos infiltrando naquilo que está tão próximo e, ao mesmo tempo, é tão incompreendida por todos: a mente. E, ao nos colocar na mente de Nina Sayers (Natalie Portman, “Jackie”), somos por muitas vezes incapazes de distinguir a loucura da realidade de fato apresentada na história, assim como a própria protagonista também não consegue. Isso acaba tornando estranhos todos os personagens que a rodeiam, transformando sua já reduzida vida (devido à intensa dedicação em busca da perfeição artística) em uma verdadeira prisão dentro de si própria.

Interpretar o Cisne Branco não é nenhuma dificuldade para Nina, pois corresponde à sua personalidade artificial, inocente e frágil. Quando a bailarina precisa desempenhar o Cisne Negro, o grande confronto do longa se mostra. Mesmo com uma técnica impecável, como ela poderia desenvolver um lado carregado de malícia e sensualidade se esses sentimentos se mostram reprimidos em sua psique desde tão nova?

Atrelando sua busca obsessiva por ser a melhor com o medo de não corresponder às expectativas, Nina vai mergulhando em um abismo de decadência física e mental, definhando em busca da perfeição. Embora seja um recado poderoso (pagar duras penas pelos excessos dessa busca), ele não deixa de se manter dúbio até o fim, uma decisão acertada visto que o foco da jornada sempre é o caminho, quase sempre tortuoso, e não o objetivo final.

O que esperar agora?

Antes um sincero pedido de desculpas por não discorrer sobre as outras grandes películas de Darren Aronofsky, “Fonte da Vida” (2006), “O Lutador” (2008) e “Noé” (2014). São filmes igualmente maravilhosos e importantes que tratam de temas como amor, morte e superação, sempre com as jornadas pessoais tratadas como prioridades.

O real motivo de esmiuçar apenas estes três filmes já citados é a aparente semelhança deles com todo o quase indecifrável material promocional de “Mãe!”, que estreia nesta quinta (21/09). Descrito como um thriller psicológico, não há como não relacionar toda a angústia ostensiva da personagem de Jennifer Lawrence (“Passageiros”) com os longas supracitados. Caso essa conexão seja comprovada, podemos esperar um filme igualmente profundo de direção elegante como só Aronofsky nos entrega.

E você, concorda ou discorda com os pontos apresentados? Está ansioso para assistir “Mãe!”? Imagina alguma história conhecida sendo adaptada pela visão de Aronofsky? Deixe um comentário para nós!

Martinho Neto
@omeninomartinho

Compartilhe


Conteúdos Relacionados