Doctor Who – 50 anos de viagens pelo tempo e espaço
Comemorando os 50 anos da mais longeva série de ficção científica da história, a franquia ganhou um longa-metragem que redefiniu os rumos do programa. Mas quem é esse Doutor e como ele se tornou uma parte tão importante da cultura pop?
Em seus mais de 50 anos de história, a série “Doctor Who” se tornou mais do que um simples programa televisivo inglês, mas uma verdadeira instituição britânica. Veiculado em 23 de novembro de 1963, o seriado foi criado por Sydney Newman e produzido por Verity Lambert (uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo tão alto na BBC sessentista) e contava as desventuras de um envelhecido (e rabugento) alienígena, conhecido apenas como o Doutor, e sua neta Susan (Carole Ann Ford), acompanhados pelos incrédulos professores terráqueos Ian (William Russell) e Barbara (Jacqueline Hill).
Vindo do planeta Gallifrey e membro da raça conhecida como Senhores do Tempo, o Doutor “pegou emprestada” uma velha TARDIS (Time And Relative Dimensions In Space – Tempo e Dimensões Relativas no Espaço), embarcação que viaja pelo contínuo espaço-tempo e tem como principais características se camuflar como objetos comuns ao seu ambiente e ser maior por dentro do que por fora.
Infelizmente, a TARDIS do Doutor teve um problema em seu circuito camaleônico, ficando presa na forma de uma caixa de polícia, uma espécie de cabine telefônica policial popular na Inglaterra daquela época (além de ser uma ótima forma de economizar o limitadíssimo orçamento disponível). Rapidamente, a caixa azul tornou-se um verdadeiro ícone da ficção científica. O objetivo do Doutor era simples: explorar os confins do tempo e do espaço em busca de conhecimento e aventuras, geralmente ao lado de companheiros humanos.
Como o ator que interpretava o protagonista, William Hartnell, estava ficando velho e debilitado demais para o serviço, os produtores do programa tiveram a ideia que viria a ser uma das principais características do Doutor: os Lordes do Tempo teriam a capacidade de, quando próximos à morte, se regenerar. Seus corpos iriam mudar completamente, mudando também um pouco de sua personalidade.
O mesmo personagem, com outro rosto e atitudes um pouco diferentes. Patrick Troughton, Jon Pertwee, Tom Baker, Peter Davison, Colin Baker, Sylvester McCoy e Paul McGann viveram respectivamente as demais encarnações clássicas do personagem em sua fase clássica, além de atores como Peter Cushing (“Guerra nas Estrelas”), Rowan Atkinson (“Mr. Bean” – foto abaixo) e Jim Broadbent (“Moulin Rouge! – Amor em Vermelho”) em produções fora da cronologia oficial da série, como o longa “Dr.Who and the Daleks” e a divertida aventura “Curse of Fatal Death”.
Com cada ator acrescentando seu tempero especial à mitologia do programa, este assim seguiu, mostrando cada uma das regenerações do Doutor, suas desventuras e encontro com amigos e vilões que ameaçavam o universo e vidas inocentes, até o show ser cancelado em 1989, com um breve suspiro em 1996 com o filme protagonizado por Paul McGann, ganhando novos ares ao reviver pelas mãos do showrunner Russel T. Davies (“Queer as Folk”) em 2005.
Lidando com uma folha em branco e com a tarefa hercúlea de reconquistar os antigos fãs e captar um novo público, Davies decidiu manter a cronologia da série original, mas adicionar um trágico fato novo: a famigerada Guerra do Tempo dos Lordes do Tempo contra os temidos Daleks. Quando o conflito chegou ao ponto de ameaçar todas as formas de vida que existem ou existiriam, o Doutor não teve outra opção senão destruir ambas as raças, cometendo um duplo genocídio.
Em sua nona encarnação, o Doutor foi vivido pelo ator Christopher Eccleston (“Elizabeth”), que o interpretou como um homem que fora obrigado a cometer um crime de guerra indizível para preservar aquilo que mais amava: a vida. De volta à Terra, o planeta que outrora fora o seu lar longe de Gallifrey, um ainda traumatizado Doutor conhece acidentalmente a jovem Rose Tyler (a popstar britânica Billie Piper), garota da classe trabalhadora londrina que se torna sua nova companheira, com ele criando um vínculo até mesmo com a família da nova parceira, sua tresloucada mãe Jackie Tyler (Camille Coduri) e o quase-namorado da moça, o atrapalhado Mickey (Noel Clarke, de “Além da Escuridão – Star Trek”).
O Doutor e Rose passam a viajar juntos, indo do ano cinco bilhões a uma invasão alienígena à Londres moderna, passando pela Segunda Guerra Mundial e o encontro com o impetuoso (e libidinoso) Capitão Jack Harkness, um dos primeiros personagens abertamente bissexuais de destaque em uma série sci-fi, que se juntaria a eles em suas viagens, até um novo encontro do Doutor com os Daleks, cujos sobreviventes voltaram sua atenção para a Terra.
Logo no fim da primeira temporada, Eccleston abandona a série por diferenças irreconciliáveis com Davies. Entra em cena então o décimo Doutor, vivido pelo escocês David Tennant (“Harry Potter e o Cálice de Fogo”). Se o Nono Doutor fora um homem em busca de se resolver com seu passado, sua nova versão abraça uma filosofia pacifista em busca de expiar seus erros. A despeito de ser implacável com aqueles que ameaçam vidas inocentes, a partir daqui, o Doutor jura não mais pegar em armas, resolvendo seus problemas por meio da inteligência, não da força bruta.
Tennant logo se tornaria o Doutor favorito dos fãs, que ficaram de coração partido quando, a despeito do amor de Rose e do Doutor, ficou claro que jamais o destino iria deixar os dois ficarem juntos, tendo em vista que ela podia passar o resto de sua vida ao lado do Senhor do Tempo, mas jamais ele poderia passar o resto de sua vida ao lado dela, descoberta que Rose faz graças à uma das mais conhecidas companheiras do Doutor da série clássica, Sarah Jane Smith (Elisabeth Sladen), que chegou inclusive a ganhar uma série própria, cancelada após a morte da atriz.
Novos amigos surgem, como a valente estudante de medicina Martha Jones (Freema Agyeman), a extrovertida Donna Noble (Catherine Tate) e a misteriosa arqueóloga River Song (Alex Kingston), a única outra pessoa além do Doutor a saber o verdadeiro nome do herói. Velhos inimigos da série clássica também dão o ar da graça, como os Cyberman e o Mestre (John Simm), o insano arqui-inimigo do Doutor e o único outro Senhor do Tempo a sobreviver à Guerra do Tempo.
A despeito da popularidade da série, Davies e Tennant chegaram à conclusão de que seu arco com o personagem precisava acabar. Após um apoteótico final, entram em cena os substitutos da dupla, o novo showrunner Steven Moffat (roteirista de alguns dos melhores episódios da série) e o Décimo Primeiro Doutor, vivido por Matt Smith, o mais jovem ator a interpretar o papel-título da série, então com 26 anos.
Tornando gravatas borboletas legais, essa versão mais excêntrica do Doutor, com aparência jovial e olhar velho, acaba adotando como companheira a esquentada ruiva Amy Pond (Karen Gillam), após a garota esperar acidentalmente por mais de uma década pelo retorno do herói, depois de um esbarrão com o Senhor do Tempo quando criança. Além de Amy, o noivo da garota, Rory, se junta à trupe da TARDIS, com o Doutor dando uma forcinha ao romance dos dois. Quem também volta é River Song, cuja origem está entrelaçada aos destinos dos três personagens.
Smith deu uma nova energia ao personagem, conseguindo sobreviver à sombra de David Tennant e dar o seu ritmo ao Doutor, encontrando a mistura certa entre herói e louco com uma caixa. Moffat e sua equipe, por sua vez, adotaram para a série um padrão de longos arcos de história, mantendo o público ligado para descobrir mais sobre o passado, presente e o futuro do Doutor, Amy e Rory.
Como Doctor Who significa mudança (e com o especial de 50 anos da série chegando), Moffat quebrou corações com a despedida de Amy e Rory na temporada 2012/2013, introduzindo a carismática e atrevida Clara (Jenna-Louise Coleman) como a nova parceira de viagens do Senhor do Tempo. No filme comemorativo da série, exibido simultaneamente pela BBC e por diversos cinemas ao redor do mundo em 3D – inclusive no Brasil -, as encarnações 10 e 11 do Doutor, Rose e Clara unem forças com o Doutor renegado que lutou na Guerra do Tempo (John Hurt), para juntos revisitarem o dia mais sombrio dos 1200 anos de vida do último Senhor do Tempo.
Elogiado por público e crítica, ganhando até mesmo uma entrada no Guinness pelo recorde de maior transmissão dramática simultânea de todos os tempos, o longa-metragem preparou o terreno para a oitava temporada da série nova e teve a participação especial do próximo ator a viver o Doutor, Peter Capaldi (“Guerra Mundial Z”), que assume como protagonista a partir do especial de natal, que vai ao ar na Inglaterra em 25 de dezembro próximo.
O fato de a franquia, espalhada por livros, séries, áudio dramas e colecionáveis, ser tão mutável, tendo um séquito fiel de fãs (incluindo aí Stephen Hawking, Peter Jackson, Steven Spielberg e Neil Gaiman), a torna quase tão difícil de matar quanto o seu herói. Matt Smith brincou que gravou uma participação especial para o aniversário de 100 anos do programa. Não é improvável que o show chegue até lá. Allons-y!
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.