Na calada da noite: o poder do silêncio nos atuais filmes de terror
"Hereditário" faz parte de um silencioso grupo de filmes de terror recentes que demonstra a utilidade do silêncio para construir atmosferas opressivas.
Já dizia o velho ditado popular que se não houvesse trevas, não seria possível reconhecer a luz. De uma maneira prática, o silêncio e o som também funcionam da mesma forma. Em meio a um mundaréu de barulhos, um ruído não se destaca. Mas é só se diminuir o volume que o cair de um alfinete se equipara a uma turbina de avião. É munido desse poder que o cinema de terror tem se destacado entre os demais gêneros, ao utilizar o silêncio de maneira prolífica ao longo de sua existência.
De forma geral, o impacto do silêncio e da sua quebra tem sido usado para dois fins: o de grudar os espectadores na poltrona ou de fazê-los saltar delas. A este último chamamos de jump scare, popularmente conhecidos como “(filmes de) susto“. Nesta ferramenta, o silêncio é usado após trilha sonora de tensão, para fazer a audiência relaxar antes de ser pega de guarda baixa sob um grito ou uma figura assustadora que aparecerá do nada. No início do século XXI, contudo, o sucesso deste instrumento fez com que ele gradativamente engolisse todo o gênero do horror, de forma que o público passou a confundir terror com sustos, com histórias ralas e rasas, escondendo-se por trás de monstros genéricos que saltavam às telas.
Mas existe o outro silêncio. Existe a ausência de sons que cria uma atmosfera opressiva, e que não tem pretensão nem pressa de ser quebrado. Embora sempre presente no gênero, a mais recente virada de década viu o retorno de filmes que não pretendem ser resumidos a seus sustos, e exploram o mutismo de um ambiente de forma a torná-lo mais perigoso. Da mesma forma que o escuro gera tensão por prenunciar o que se esconde nele, o silêncio incita o medo por nunca sabermos quando ele será violentamente despedaçado.
A ciência explica isso ao apontar que, além de sermos evolutivamente propensos a prestar mais atenção aos sons em meio ao silêncio para garantir nossa sobrevivência, as últimas gerações que nasceram e cresceram em meio à cacofonia da vida urbana não sabem o que é viver sem barulho. Quando estas pessoas são expostas ao mudo absoluto, o cérebro se põe em alerta ao notar aquela situação como incomum, e não tarda para que a ansiedade cresça ao ponto da mente começar a pregar peças. O ser humano, tendo aprendido a depender de sons para toda forma de comunicação, paralisa frente ao silêncio.
É esta paralisia que é explorada, por exemplo, nos recentes “Um Lugar Silencioso” e “Hereditário“, para fins diferentes. O primeiro, dirigido por John Krasinski, coloca seus personagens na ponta dos pés ao colocar monstros cegos à espreita do primeiro ruído para atacar suas vítimas, obrigando os seres humanos sobreviventes a viver sem barulhos. Aqui, o silêncio ocupa um papel central na trama; além de ser parte integrante da premissa, ele é elevado ao protagonismo no filme, por determinar a forma como os personagens se relacionam. Em terra de “Um Lugar Silencioso”, quem é quieto é rei, e o filme constrói sua tensão em torno deste conceito.
Já no impressionante “Hereditário”, o silêncio volta a espreitar às margens enquanto as desgraças na família de Annie (Toni Collette, de “Pequena Miss Sunshine“) se desenrolam na tela. Embora também seja quebrado em sustos, o silêncio aqui é usado de forma a aumentar a pressão sobre pessoas que não têm ideia do que está acontecendo ao seu redor. A atmosfera opressa intensifica o impacto do sobrenatural, e mergulha o público dentro da projeção, ao ajudar no processo de isolamento. Se não há barulho lá fora, não há ninguém que possa vir nos salvar.
Outro longa recente que trabalha seus sons para fins de isolamento de maneira ainda mais drástica é “A Bruxa“, de 2016. Colocando sua família protagonista isolada junto à floresta, o silêncio se mescla ao cenário e é pano de fundo para um filme que prefere usar a ansiedade em detrimento da violência para por seu público de cabelos em pé. Assim, é possível observar o silêncio ocupando uma tríade macabra no horror contemporâneo, combinando composição de cenário, opressão atmosférica e mesmo protagonismo no decorrer das tramas.
Esta redescoberta do poder da ausência de sons em filmes recentes demonstra a força dos nossos instintos aplicados ao entretenimento e à arte. No terror, a tratativa do silêncio se torna tão impactante quanto o escuro, sendo que ambos ainda têm em comum a percepção do medo do que eles podem esconder. Em outras palavras, só porque você não está escutando som algum, não quer dizer que não tenha algo atrás de você.