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Colunas   quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Mulher-Hulk é a Marvel me conquistando novamente | Fala, Menino! #01

Assisti aos quatro primeiros episódios da nova produção da Marvel e confesso que não esperava nada, mas recebi o que pode ser a melhor série do estúdio até agora — e sem pretensão nenhuma de ocupar esse lugar.

(Photo courtesy of Marvel Studios. © 2022 MARVEL.)

Como descrevi na crítica sobre “Ms. Marvel”, a Marvel vem aplicando um verdadeiro golpe nos seus fãs. O esquema consiste em entregar produtos de qualidade duvidosa e desviar a atenção do público com participações especiais e vendendo um futuro que parece nunca chegar. Lembro quando cheguei a dizer que a série protagonizada por Iman Vellani seria meu último desgosto com o estúdio. A partir de então, não esperaria mais nada e não me decepcionaria mais. Dito isso, parece brincadeira que exatamente uma série depois cá estou eu, vendido para a Marvel, após assistir aos quatro primeiros episódios de “Mulher-Hulk”. Mas, ao menos desta vez, estou mais cauteloso, embora acredite que esta pode ser uma mudança de paradigma nas produções do MCU para o Disney Plus. E explico o porquê.

Finalmente uma SÉRIE da Marvel

Não quero me ater a muitos detalhes da história, até mesmo para permitir que todos aproveitem a obra ao máximo, mas o destaque é bem simples: a Marvel finalmente está fazendo uma série. Sim, aquele negócio que tem vários episódios, subtramas que começam e terminam no mesmo capítulo — algumas até fazem o estilo “caso da semana”. Diferente do “filme de seis horas” que vinha se instituindo entre as produções seriadas do estúdio, agora finalmente temos algo que podemos chamar de série.

Não por acaso, o ritmo dos episódios iniciais é muito gostoso e fácil de acompanhar. O roteiro não só não se leva a sério, como por vezes ridiculariza as situações, brincando com a própria megalomania das obras de super-heróis e sua ardente necessidade de expandir a escala de perigo a níveis galácticos. Eu me vi abrindo a boca para concordar verbalmente com Tatiana Maslany quando sua personagem quebra a quarta parede e nos lembra que esta é, antes de qualquer coisa, apenas uma série legal de advogada.

Mulher-Hulk é uma protagonista forte (ah vá)

Em outro momento, Jennifer Walters cita os vários personagens do MCU que aparecem e fazem a alegria do público, como Abominável e, principalmente, Wong — afinal, todo mundo gosta do Wong. Mas ela adverte: lembre-se sobre quem esse show realmente é. E a personagem realmente se garante, viu? Enquanto Iman Vellani brilhou como uma adolescente numa série para adolescentes, Tatiana Maslany se mostra uma escolha perfeita para uma série de adultos com conflitos de adultos.

A personagem não possui um alter ego como seu primo Bruce Banner/Hulk. Ao invés disso, a transformação dá a Jennifer a possibilidade de ser uma nova ela, por vezes mostrando mais autoconfiança, além, é claro, dos superpoderes. Contudo, é muito bem feita a forma como essas duas personalidades se interpõem e a personagem evolui. Há momentos em que Jennifer mostra muita confiança sem estar transformada, assim como passa por dificuldades quando é obrigada a manter a aparência de Mulher-Hulk, ou quando ela é dispensada ao revelar sua forma humana. Esses conflitos aproximam a protagonista dos espectadores, gerando identificação e fazendo com que a sua jornada seja importante também para nós.

Alguns desses momentos, em especial, expõem condutas masculinas tóxicas de forma bem-humorada e descontraída. Certas cenas podem soar exageradas (embora sejam um retrato fiel desses comportamentos), assim como outras são bem divertidas (como as constantes disputas entre o Hulk e a Mulher-Hulk); mas em outros momentos, é entristecedor pensar que mesmo com superpoderes e salvando várias vidas, a personagem ainda sofra porque seu ato de heroísmo trouxe consequências negativas aos seus empregadores — o que dificilmente seria visto caso se tratasse de um homem. Apesar de tudo, Tatiana Maslany sempre toma as rédeas das situações e nunca fica por baixo — e ai de quem se atreve a enfrentá-la.

Nem tudo são flores

Dois detalhes particularmente me trazem preocupação quanto ao futuro de “Mulher-Hulk”. O primeiro diz respeito à trama em si, com relação a alguns vilõezinhos de quinta que surgem e rapidamente somem em um dos episódios. Dotados de um armamento peculiar (sem spoilers aqui), eles citam um chefe que até agora não foi mencionado. Embora isso tenha a cara do golpe da Marvel, abrindo espaço para uma participação especial, espero de todo o coração que ao menos mantenham a escala a nível mundano. Até então foram episódios curtos, leves e divertidos, e duvido que o público queira que isso se transforme em destruição mundial.

O segundo ponto já é uma prova da minha ânsia de não sofrer tanto — eu achava que não, mas ainda me importo com a Marvel mais do que gostaria. Ao verificar os créditos dos episódios, notei que os quatro primeiros que vi são dirigidos pela mesma pessoa: Kat Coiro. Ela tem vários episódios de séries de comédia no currículo, e aqui mostra que consegue manter bem uma unidade de estilo e narrativa. Porém, os três episódios seguintes (5, 6 e 7) serão dirigidos por outra pessoa, Anu Valia, que também tem episódios de séries conhecidas na carreira.

Já os episódios finais (8 e 9) voltam para o comando de Kat Coiro. Aí vem o questionamento: será possível que aconteça a mesmíssima coisa que ocorreu em “Ms. Marvel”, em que a troca de diretores entre os episódios coincidiu exatamente com o declínio completo da qualidade da obra? Espero errar feio nessa, mas fica registrado o receio — se me virem falando “eu avisei”, já sabem.

Precisamos falar sobre o CGI de “Mulher-Hulk”?

Sinceramente? Não. Os efeitos já foram assunto de tantas discussões antes mesmo da série estrear que se tornaram um desvio de foco sobre o que realmente importa. Pessoalmente, não senti dificuldades de me conectar com a história e com a personagem por causa do CGI. E espero muito que você também não tenha esse problema.

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Apesar de ser mais uma obra que exige conhecimentos prévios do MCU, “Mulher-Hulk” traz uma leveza e um descompromisso que poucas vezes já vi a Marvel fazer. As próprias origens, tanto dela quanto do seu nome de heroína, deixam bem claro o quanto a obra não se leva a sério. Podemos citar os Guardiões da Galáxia, ou ainda o Thor de Taika Waititi, mas ambos possuem ameaças interplanetárias e poderes incomensuráveis orbitando-os. Já estava na hora do estúdio nos entregar algo simples, que divirta e só. Nem tudo precisa fazer parte de uma narrativa maior (que o diga “What If…”, o primeiro caso de antologia que precisa estar totalmente conectada). Às vezes o que queremos é apenas sentar e rir de uma advogada superforte em uma corte judicial defendendo um mago supremo e com uma bêbada hilária e spoilerenta como testemunha. Por favor, Marvel, não nos decepcione de novo.

P.S.: todos os quatro primeiros episódios possuem cenas pós-créditos. E elas são divertidinhas e só, não precisa ir esperando o futuro do MCU porque, pelo menos agora, você não vai encontrar. 😉

Martinho Neto
@omeninomartinho

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