[Artigo] Ted Lasso não é a série que você quer, é a série que você precisa
Com mensagens necessárias e bem-vindas, a produção da Apple TV+ se tornou um fenômeno.
Todos os dias, ao acordar, uma avalanche de situações e sentimentos é despejada sobre os nossos ombros. Saímos de uma cama quentinha para mergulhar em um maremoto de desafios, escolhas e incertezas. A forma como vamos lidar com isso dá o tom dos aprendizados e das lembranças que virão daí. Na série “Ted Lasso”, o protagonista seguiu um atalho pouco habitual nos dias de hoje para enfrentar os obstáculos de sua rotina. Ele escolheu o otimismo.
Este texto não é uma crítica, não vou questionar escolhas de roteiro ou apontar os valores técnicos e atuações memoráveis, ainda que, sim, a série tenha tudo isso. Este texto é uma ode a “Ted Lasso”, que há poucos dias ganhou o prêmio de Melhor Série de Comédia no Emmy 2021, a consagração merecida para uma história sobre esperança que contrasta com o espírito angustiante de algumas histórias da cultura pop que amamos ou que amamos odiar.
Ted Lasso é um treinador de futebol americano vivido por Jason Sudeikis que sai dos EUA e embarca rumo à Inglaterra para comandar o AFC Richmond, um time pequeno de futebol na Premier League, a primeira divisão do país. Pouco habituado ao “soccer”, ele precisa conhecer as regras do esporte, entender o campeonato, lidar com as críticas da imprensa e conquistar a confiança da dona do clube, uma mulher que quer se vingar do ex-marido e contratou Ted esperando que o técnico arruíne o time.
Parece bobo, eu sei. Um pouco simplória demais num universo com tantas complexidades, mas é justamente esta leveza que torna a série tão grandiosa. É uma obra sobre como perspectivas são capazes de transformar realidades. A cada episódio, o espectador mergulha numa jornada que deixa o futebol em segundo plano para abordar a profundidade de relacionamentos, a força da esperança e o poder do acolhimento.
Os clichês tradicionais das obras de esporte são introduzidos na trama sem parecerem piegas demais e os conflitos se desenvolvem sob o ponto de vista de um protagonista que acredita sempre no melhor das pessoas. É claro que, às vezes, nos deparamos com dramas mais profundos, como a razão pela qual Ted aceitou o convite para se mudar dos EUA, a relação de Jammie Tartt (Phil Dunster) com o pai e outros percalços do enredo que não vou falar aqui para não estragar a sua experiência.
É fato que a série não se exime de abordar temas importantes e atuais que vão de traumas, traições e luto até a exploração de países subjugados por potências internacionais. No entanto, tudo isso é feito sem espetacularização ou sensacionalismo. Há uma clara diferença de tom da primeira para a segunda temporada, que está indo mais fundo em algumas questões, mas, mesmo nestas situações de entrave, o tom otimista se mantém.
Acompanhamos um grupo de pessoas que, por si só, representariam arquétipos convencionais, como o macho alfa, a mulher traída ou o cara amargurado, mas que são mostrados sob um novo prisma. Com exceção de um ou dois vilões que raramente aparecem em tela e servem apenas como escada para motivar a transformação de alguns personagens, a série mostra humanos. Imperfeitos, com cicatrizes, cargas emocionais, densidades e equívocos. Às vezes, até um pouco maldosos, mas sempre humanos.
Neste momento, a série da Apple TV+ finaliza sua segunda temporada, com a terceira já garantida pelo canal de streaming. Nem Ted Lasso imaginaria que aquele comercial da NBC Sports publicado em 2013 para promover a Premier League nos EUA se tornaria uma obra tão amada e com mais de 20 indicações para o Emmy, a principal premiação da TV norte-americana.
Porém, isso não acontece à toa. Em um período tão duro para sociedade, com uma pandemia impondo um longo isolamento social e milhões de pessoas lidando com o luto enquanto enfrentam transtornos mentais, como ansiedade e depressão, “Ted Lasso” é uma brisa fresca. É um afago para quem procura um cobertor para se esconder por alguns minutos dos sofrimentos que acontecem diante da tela – seja nos telejornais, programas policiais ou filmes e séries – ou distante dela, na vida real.
“Ted Lasso” nos transporta para uma realidade onde as desavenças são resolvidas com conversas amigáveis, em que jogadores de futebol combatem a masculinidade tóxica e são carinhosos entre si, e onde abraços curam feridas abertas. É um mundo quase igual ao nosso, mas com muitas camadas de otimismo e esperança, onde mesmo os copos quebrados tendem a estar mais cheios do que vazios.