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Colunas   quarta-feira, 07 de abril de 2021

O retorno de Avatar e 5 histórias para expandir esse mundo

O primeiro projeto do Avatar Studios será um filme de animação a ser lançado nos cinemas, ainda sem sinopse. Mas possibilidades não faltam para novas histórias.

Escrito por Júlio Bardini, com colaboração de Luís Gustavo e Martinho Neto

Após anos contando histórias fascinantes e de altos e baixos nas telonas e telinhas, “Avatar” enfim fará seu retorno triunfal. No final de fevereiro, Brian Konietzko e Michael Dante DiMartino (os criadores franquia estrelada por Aang, Korra, Katara, Sokka, Zuko, Toph e mais) anunciaram a criação do Avatar Studios, uma companhia que irá atuar diretamente junto à Nickelodeon para expandir esse mundo tão encantador e querido.

A notícia vem como um alento para os fãs após a saída de Konietzko e DiMartino da série que iria adaptar “A Lenda de Aang” ao formato live-action para a Netflix. Citando a falta de apoio à visão da dupla por parte da gigante do streaming, a criação de um estúdio específico para esse universo é uma cartada ainda melhor do que qualquer aventura em live-action dentro da franquia – que, além da série da Netflix, já teve “O Último Mestre do Ar“, infame filme de M. Night Shyamalan – pois é a promessa de novas histórias, novos personagens, talvez até uma nova Equipe Avatar.

Por mais que adaptações em live-action sejam uma tendência atual da indústria do entretenimento, no caso de “Avatar” essa é uma tentativa ousada, mas essencialmente estética. Claro, seria ótimo ter a chance de ver um Agni Kai nesse formato, por exemplo, mas o poder das histórias desse universo não reside na capacidade de seus habitantes de dobrarem elementos, mas na humanidade de seus personagens e no diálogo com questões atuais que suas histórias carregam.

Pensando nisso, nos juntamos para pensar em quais seriam as melhores histórias para a franquia contar em sua nova fase. Com nosso mundo de cabeça para baixo, é natural que isso seja refletido em “Avatar”, que nunca teve medo de abordar questões políticas e identitárias em seus episódios. Vejamos, então, cinco rumos que gostaríamos de ver – com exceção das que já foram contadas nos livros e quadrinhos, claro. Vamos saciar essa sede!

Novo Avatar dobrador de terra após Korra

Terra. Fogo. Ar. Água. Como o ciclo das estações, o ciclo do Avatar sempre há de recomeçar. Já acompanhamos a ascensão de Aang, o primeiro Avatar dobrador de ar em cem anos, e a jornada de Korra, sua sucessora dobradora de água, para pacificar um mundo moderno e cheio de novos desafios. Por mais que adoremos ambos, todo ciclo chega ao fim para poder recomeçar, e o próximo Avatar será um dobrador de terra.

A vida de um Avatar é uma de conciliação, simbolizada pela comunhão dos quatro elementos, mas, acima de tudo, de aprendizado constante. Para poder proteger seu mundo, um Avatar precisa compreendê-lo, conhecer suas pessoas e respeitar sua história. Última dobradora de terra a ocupar esse posto, Kyoshi, é sempre lembrada como alguém de pavio curto e medidas drásticas. Seu período como Avatar, narrado um pouco em “A Lenda de Aang” e nos livros “The Rise of Kyoshi“, foi marcado por críticas e culminou em uma cidade inteira com ranço dos Avatares e, pior, na criação do Dai Li em Ba Sing Se.

Mais do que apenas herdeiro do ciclo do Avatar, um novo dobrador de terra teria que lidar com o legado deixado por Kyoshi, além de ser o representante do maior país de “Avatar”, outrora o grande e orgulhoso Reino da Terra. Ao final de “A Lenda de Korra“, a monarquia absolutista foi dissolvida pelo rei Wu com a ajuda da Avatar, em prol de Estados independentes e democráticos. Um povo orgulhoso, a nação da Terra certamente veria em um novo Avatar um elemento unificador, o que certamente representaria um desafio à manutenção desse novo regime.

É necessário lembrar ainda que Korra conseguiu restabelecer sua ligação com Raava, entidade de luz responsável pela manutenção do ciclo do Avatar, mas sua conexão com os Avatares anteriores permaneceu quebrada ao fim de “A Lenda de Korra“. Ou seja, um dobrador de terra teria que enfrentar seus desafios sem o auxílio de seus antepassados… Ou aprender a restabelecer essa conexão.

Os Nômades do Ar sob comando de Tenzin

Apesar de ser filho de um Avatar, a vida de Tenzin nunca foi fácil. Junto com seu pai, ele era um dos últimos dobradores de ar, e sob seus ombros recaiu a missão de reconstruir toda uma cultura praticamente do zero. Filho mais novo de Aang e Katara, a pressão sobre ele durante a infância deve ter sido grande em se tratando do único dobrador de ar entre os três filhos – Bumi, o mais velho, não tem dobra, e Kya, a do meio, é dobradora de água tal qual a mãe. Mesmo após o falecimento de Aang, Tenzin permaneceu ligado ao Avatar, morando sob sua imensa estátua em Cidade República e treinando sua sucessora, a Avatar Korra.

Quando ocorre a Convergência Harmônica durante a segunda temporada de “A Lenda de Korra“, o poder da dobra de ar desperta em diversas pessoas mundo afora, inclusive no primogênito de Aang. Antes ordinárias, sem dobra, agora elas precisam se acostumar com suas novas habilidades e aprender a domá-las. Tenzin, que já treinava seus filhos Jinora, Ikki e Meelo, toma os novos dobradores como seus alunos, uma tarefa que, de início, se mostra ingrata. Os Nômades do Ar são uma nação profundamente espiritualizada e reclusa, o que afasta alguns dos novos dobradores. Mesmo dobradores mais velhos, como o próprio Bumi, não têm mais tanta paciência para assumirem de novo o posto de aprendizes após terem vivido já a maior parte da vida.

Naturalmente, uma cultura ser resgatada dessa forma é algo complicado e não ocorre da noite para o dia. Ainda com diversos novos dobradores a serem descobertos, Tenzin decide que a nova Nação do Ar irá retomar suas raízes nômades durante “A Lenda de Korra” e usar suas habilidades para ajudar todos que precisem. Afinal, a união ao Mundo dos Espíritos leva tempo para que as pessoas se acostumem, e lugares como o Reino da Terra agora passam por adaptações após o breve – mas danoso – reinado da imperatriz Kuvira.

A Nação do Ar bebe muito da fonte do budismo, e, em termos de espiritualidade, é possível até traçar paralelos com os Jedi em “Star Wars” – o fardo de Tenzin é, em boa parte, comparável ao de Luke Skywalker. Com tantas similaridades com nossa realidade e outras da cultura pop, uma série ou filme sobre a jornada dos novos Nômades do Ar seria uma boa variação do formato corriqueiro da franquia “Avatar”, podendo focar em diversos núcleos diferentes, e pregando união e fraternidade em uma sociedade dividida.

Zaheer e a Lótus Vermelho

Um dos grandes trunfos de “A Lenda de Korra“, além da protagonista e seus amigos, reside em seus vilões. O maior deles, Zaheer é um personagem que intriga por sua filosofia e habilidade com a dobra de ar. Isso porque, na verdade, ele veio a adquirir a dobra apenas com a ocorrência da Convergência Harmônica.

Líder da Lótus Vermelho, ele e Unalaq já arquitetavam a ascensão de sua ordem anos antes dos eventos da série, quando planejaram o sequestro de Korra, ainda criança, para educá-la na filosofia anarquista do grupo. A Lótus Vermelho surgiu a partir do desgosto de uma facção da Lótus Branco, fundada e chefiada por Iroh após “A Lenda de Aang“, com o fato de se dedicarem demais à proteção do Avatar. A Lótus Vermelho passou então a dedicar sua existência à destruição dos governos do mundo todo e ao fim do ciclo do Avatar, única forma de garantir igualdade rigorosa entre todos, segundo o grupo.

Não é raro o surgimento de grupos radicais a partir de causas inicialmente justas. O fascinante nessas ocorrências é justamente o processo de radicalização de seus membros e a deturpação de sua filosofia para criar-se ideologias erradas e até odiosas. Apesar de sua megalomania e psicopatia, Zaheer demonstra grande espiritualidade e conhecimento sobre os Avatares, além de compreender as injustiças da classe dominante sobre os dominados.

A jornada de Zaheer rumo ao extremismo político e à liderança de uma organização terrorista como a Lótus Vermelho, além de poder trazer uma história interessante sob o ponto de vista do desenvolvimento pessoal do personagem, é algo também extremamente oportuno por dialogar com a ascensão do extremismo no nosso próprio contexto atual. Com isso em vista, sua conversão e o recrutamento de seus parceiros certamente daria pano para manga.

Formação de Cidade República

Entre “A Lenda de Aang” e “A Lenda de Korra” há cerca de 70 anos. Com o fim da Guerra dos Cem Anos, a equipe Avatar – Aang, Katara, Zuko, Toph, Sokka e Suki – pôde dedicar seu tempo a manter a paz onde fosse necessário e também a pensar no que viria a seguir. Muitas das novas aventuras do grupo foram narradas nos quadrinhos lançados pela Dark Horse junto à Nickelodeon, mas a história mais interessante é uma que ainda precisa ser contada com mais profundidade: a criação de Cidade República.

O local é capital da República Unida das Nações, um novo Estado surgido nas antigas colônias da Nação do Fogo no território do Reino da Terra, conquistadas durante a guerra. Com o fim do conflito, o Avatar Aang e o Senhor do Fogo Zuko negociaram a criação da República junto ao Rei da Terra Kuei. A proposta era que esse novo país abrigasse dobradores e não dobradores de toda parte, sem um elemento predominando sobre os outros e com todos coexistindo.

Cidade República logo se tornou uma das principais cidades, sendo um foco de diversidade e inovação. Durante os 70 anos entre as duas séries houve uma verdadeira revolução industrial, fazendo a sociedade evoluir de uma economia baseada manufaturas simples e agricultura a uma infraestrutura baseada em eletricidade (mantida primariamente por dobradores de raio) que lembra a estética steampunk.

É inevitável, contudo, que desigualdades apareçam em um ambiente urbano como Cidade República – no caso, não apenas econômica, mas também em relação a dobras. Conciliar tantas diferenças sob o guarda-chuva da República é um desafio e tanto, o qual vemos apenas um pouco em “A Lenda de Korra“. Com nosso próprio mundo tentando se dividir cada vez mais entre “nós e eles”, talvez uma série tratando de tolerância e diversidade situada na consolidação de Cidade República venha bem a calhar.

Ascensão da Nação do Fogo na ausência de um Avatar, sob a perspectiva de Iroh

Há muito tempo, as nações viviam em paz e harmonia. Tudo isso mudou quando a Nação do Fogo atacou. Só o Avatar domina os quatro elementos e poderia impedi-los. Mas quando o mundo mais precisava dele, ele desapareceu…

O sumiço do Avatar durou cem anos, ao longo dos quais a Nação do Fogo investiu sobre vários territórios e chegou muito perto da dominação total. Nesse período, os Nômades do Ar e a Tribo da Água do Sul foram exterminados pelos Senhores do Fogo Sozin e Azulon, respectivamente. A ausência de um Avatar é o contexto ideal para a ascensão de um regime totalitário, e os Senhores do Fogo foram implacáveis, conquistando boa parte do mundo e promovendo dois genocídios.

Só que esses cem anos também foram responsáveis por forjar um dos personagens mais adorados e intrigantes de toda a franquia, o querido tio Iroh. Um militar hábil e exímio dobrador de fogo, ele conseguiu feitos até então tidos como impossíveis, como romper a primeira muralha da capital do Reino da Terra, Ba Sing Se, após um cerco de mais de 600 dias, e ficou conhecido como O Dragão do Oeste por seu domínio sobre o elemento, além de afirmar ter “derrotado” o último dragão existente. Um homem de espiritualidade aflorada, ele também conseguia ver certos espíritos – como o dragão do Avatar Roku – e habitava o Mundo dos Espíritos à época de “A Lenda de Korra“. Mas Iroh também teve tristezas em sua vida, como a perda do filho Lu Ten durante o cerco a Ba Sing Se e as inúmeras frustrações com sua família.

A existência de um personagem como Iroh em “Avatar” é talvez um dos símbolos maiores de redenção, ensinando seu sobrinho Zuko a respeitar e valorizar a vida que tem, auxiliando o Avatar Aang a derrotar seu irmão, o Senhor do Fogo Ozai, e até refundando a Ordem do Lótus Branca como instituição para garantir que atrocidades como as cometidas durante a guerra nunca venham a se repetir. Iroh é a prova de que, pelo menos no universo da série, é possível se redimir e trabalhar para atenuar o sofrimento que uma pessoa pode ter causado.

Um jovem Iroh como protagonista de uma série ambientada nos anos da ascensão da Nação do Fogo é uma oportunidade interessante para desenvolver ainda mais esse personagem tão querido, mas tão cheio de contradições. Afinal, ele cometeu as atrocidades que cometeu e defendeu causas deturpadas por ser uma pessoa ruim ou o meio no qual ele estava inserido corrompeu sua moral durante esses anos? É possível uma pessoa nascer boa em meio a uma família notadamente má, ou lhe resta apenas buscar redenção após tudo ser consumado?

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O primeiro projeto do Avatar Studios será um filme de animação a ser lançado nos cinemas. Ainda não há, contudo, uma sinopse. A produção está prevista para ter início no final de 2021.

Julio Bardini
@juliob09

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