Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Para além do Snyder Cut: outros filmes que também ganharam uma versão do diretor

Na história do Cinema, outras produções já recorreram a uma "versão do diretor", respeitando a visão original que os cineastas tinham de seus filmes.

Quem acompanha minimamente o noticiário de cinema, certamente já ouviu falar do Snyder Cut. Em 2017, “Liga da Justiça” foi lançado nos cinemas, mas não da forma que muitos fãs gostariam. Zack Snyder, cineasta por trás de “Homem de Aço” e “Batman vs Superman”, era o responsável pelo projeto quando teve de deixar a produção por conta de uma tragédia familiar. Assim, seu filme teve de ser completado por Joss Whedon (“Os Vingadores”), e desde então, os fãs clamam pelo lançamento do Snyder Cut, que seria a versão original do diretor para a produção.

Foram anos de petições online, pedidos em Comic-Cons e muito barulho nas redes sociais, sempre mobilizando milhares de pessoas e até contando com o apoio de atores envolvidos no longa. Eis que, em maio deste ano, a versão foi oficializada pela Warner Bros. e será lançada no serviço de streaming HBO Max em 2021. Agora, especula-se muito sobre quais serão as mudanças e as novidades da versão de Snyder, com ele já tendo indicado que o projeto pode ter mais de 3h30min de duração.

Cinema com Rapadura já debateu se o lançamento do Snyder Cut é bom ou ruim. Agora, aproveitamos para relembrar alguns outros filmes que também ganharam uma versão do diretor, seja com sequências estendidas de cenas da produção original ou toda uma série de cenas inéditas, que dão um completo novo significado para a história. Veja abaixo!

Apocalypse Now (1979)

Um clássico de guerra do diretor Francis Ford Copola, “Apocalypse Now” é uma das maiores referências cinematográficas sobre os horrores da guerra do Vietnã. A produção acompanha o capitão Benjamin L. Willard (Martin Sheen) em uma missão perigosa rio acima, na qual ele deve encontrar e matar o coronel Walter Kurtz (Marlon Brandon), um ex-oficial que ficou louco durante o conflito. Acompanhado por um grupo de jovens de diferentes personalidades, Willard terá a sua sanidade testada à medida que ele adentra a floresta e se aproxima de cumprir o seu objetivo.

A versão estendida, batizada de “Apocalypse Now Redux”, foi lançada décadas depois, em 2001. Com 49 minutos a mais de produção, o novo corte cumpre com êxito o objetivo de tornar a missão ainda mais densa e desgastante para o espectador, colocando-o na pele do personagem principal. Esse “cansaço” ganha um peso ainda maior no último ato do filme, que apresenta um outro ritmo do restante da obra. Um dos segmentos adicionais é o do encontro de Willard com os colonialistas franceses, algo que até hoje é discutido pelos fãs e não agrada a todos, pois para alguns, é um momento deslocado do restante da obra e que prejudica o ritmo da produção. Outras cenas adicionais são focadas no lado mais humanos dos soldados, criando um laço mais forte entre eles e os espectadores.

Blade Runner (1982)

Muito provavelmente, o clássico da ficção científica “Blade Runner” é o caso mais célebre entre as versões de diretor, principalmente pela diferença entre a versão que saiu nos cinemas e a versão do diretor Ridley Scott, lançada 10 anos depois. A trama é ambientada no ano de 2019, em que uma grande corporação é responsável pela fabricação de robôs mais fortes e ágeis que os seres humanos e se equiparando em inteligência, conhecido como replicantes. Fisicamente parecidos com os humanos, eles são utilizados como mão-de-obra escrava em colônias fora da Terra. Entretanto, quando um grupo fugitivo chega a Los Angeles, cabe ao ex-policial Rick Deckard (Harrison Ford) investigar o paradeiro dos replicantes e aposentá-los.

A versão original conta com uma narração em off de Ford durante o desenrolar da trama, o que emula um pouco a estética noir que se pretendia ter com o filme. Porém, isso acabou tornando-o muito expositivo e retirando a interpretação de várias cenas, o que diminuiu o peso das questões filosóficas propostas pela obra. Outro ponto chave é que o corte dos cinemas incluía um final feliz, na qual Deckard foge com Rachael (Sean Young) após Gaff (Edward James Olmos) ter ido em seu apartamento. Esse segmento conta, inclusive, com planos gerais utilizados em “O Iluminado“, provando como esse desfecho foi feito as pressas para o filme poder ser lançado.

No final, essa versão foi um fracasso de bilheteria e de crítica. Foi apenas com o lançamento em VHS e com o tempo que “Blade Runner” começou a se tornar o clássico cult que é hoje, conquistando um número cada vez maior de fãs. E foi esse crescimento que motivou o lançamento da versão de Scott, lançada em 1992 e que se aproxima mais do que ele pretendia desde o começo. Essa versão retira a narração em off e o final feliz, e acrescenta a famosa cena do sonho de Deckard com o unicórnio, criando a eterna discussão de se ele, também, não seria um replicante.

A produção ainda ganhou o “Corte Final” em 2007. Ela é praticamente idêntica a versão de 1992, porém com remasterização de som e imagem, além de uma sequência mais longa para o sonho do unicórnio e cenas de violência da versão internacional do filme, que eram mais explícitas que a versão lançada nos EUA originalmente.

A trilogia Senhor dos Anéis (2001, 2002 e 2003)

A adaptação cinematográfica da obra de J.R.R. Tolkien dirigida por Peter Jackson fascinou os fãs – e conquistou milhares de novos – com o seu lançamento nos cinemas em 2001. Sucesso de bilheteria e de crítica, a trilogia, que acompanha jornada de Frodo, Sam, Aragorn e o restante da Comitiva do Anel para destruir o Um Anel e impedir que Sauron governasse a Terra Média, é um verdadeiro marco do cinema. Colecionando Oscars (só “O Retorno do Rei” conquistou 11 estatuetas), os filmes provaram como é possível transportar dos livros para as telonas um universo tão rico e cheio de detalhes.

As versões estendidas são um deleite principalmente para quem leu os livros. Em muitos casos, o tempo a mais não são de cenas totalmente inéditas, mas de versões mais extensas das que estão presentes no corte original, o que colabora para aprofundar os personagens e tornar a dinâmica entre eles ainda mais agradável de se ver. Isso, no geral, deixa a jornada ainda mais épica. Afinal, para os fãs, quanto mais tempo investido em desfrutar desse universo, melhor.

Entre as cenas que mais se destacam das versões estendidas, pode-se citar a de Galadriel presenteando toda a Sociedade do Anel, assim como acontece nos livros. Outros momentos que merecem destaque é a morte de Saruman, o duelo entre Aragorn e o lacaio “Boca de Sauron” e o resultado da competição de mortes entre Gimli e Legolas, além da maior duração das grandes batalhas dos filmes, como a do Abismo de Helm em “As Duas Torres”.

Watchmen (2009)

Muito antes do Snyder Cut, Zack Snyder já se mostrava um interessado em versões estendidas. A primeira vez que ele explorou esse recurso foi com sua adaptação da obra-prima dos quadrinhos, “Watchmen”. A clássica história, escrita pelo quadrinista Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, é uma verdadeira desconstrução do gênero de super-heróis, subvertendo clichês e apresentando para o grande público uma abordagem mais adulta, diferente da maioria das produções cinematográficas do gênero.

O filme conta não só com uma, mas duas versões estendidas. A primeira delas, batizada de “Corte Definitivo”, conta com 24 minutos de cenas extras, como a bela montagem do destino cruel do Coruja original. Já o “Ultimate Cut” traz incluso a animação “Contos do Cargueiro Negro”, que conta com a dublagem de Gerard Butler (que estrelou “300”, de Snyder). Nas HQs, a trama do Cargueiro Negro é uma história a parte contada por Moore, mas que apresenta um paralelo muito forte e bem construído com o enredo principal. Sua presença no “Ultimate Cut” torna a adaptação mais fiel aos quadrinhos, melhorando a experiência para os fãs do material original.

Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016)

A verdade é que Zack Snyder poderá pedir música com o lançamento do Snyder Cut. Em 2016, aconteceu o aguardado lançamento de “Batman v Superman: A Origem da Justiça”, produção que colocaria frente a frente não apenas os dois maiores heróis da DC Comics, como também os colocaria ao lado da Mulher-Maravilha, apresentando a “Santíssima Trindade” da editora pela primeira vez nos cinemas.

Se tem um filme de heróis que divide as pessoas, é este. A recepção na crítica foi morna, mas muitos fãs aprovaram o longa. Porém, o resultado de bilheteria não alcançou o que era esperado, já que a obra tinha claro potencial para alcançar a marca de US$ 1 bilhão. Em meio a essa recepção divisiva, a produção ganhou uma versão estendida, com cerca de 30 minutos a mais, em seu lançamento para o home video.

E é fato que esta versão melhora o filme como um todo, estruturando melhor o plano de Lex Luthor para desacreditar o Superman e, consequentemente, tornando a investigação de Lois Lane durante a obra mais focada e proveitosa. Os minutos a mais também servem para mostrar Clark Kent usando suas habilidades como repórter para investigar o Batman, o que torna mais claro e sólido a animosidade que fará os dois se enfrentarem. Por fim, a versão estendida melhora o arco do Superman como um todo e mostra como o corte para os cinemas foi prejudicial para o personagem e a recepção de sua história para com o público.

Midsommar (2019)

O diretor Ari Aster é um dos cineastas que mais chamou a atenção do público e da crítica nos últimos anos, com ele se tornando um dos nomes mais proeminentes do gênero de terror. O seu primeiro trabalho, “Hereditário“, arrebatou os espectadores com uma história perturbadora e uma excelente atuação da atriz Toni Collette. Já em seu segundo longa-metragem, “Midsommar”, o diretor conseguiu emplacar a versão estendida da obra. O filme acompanha a história de Dani (Florence Pugh), uma jovem que passa por um momento traumático após uma tragédia familiar. Ela aceita viajar com o namorado, Christian (Jack Reynor), e seu grupo de amigos para a Suécia, onde o grupo ficará alguns dias em uma comunidade isolada, que faz os preparativos para celebrar o solstício de verão. No entanto, ao invés de esquecer os problemas, a viagem proporciona uma jornada aterrorizante e transformadora para Dani, que nunca mais será a mesma.

A versão estendida conta com 23 minutos a mais da versão colocada nos cinemas, totalizando 171 minutos de duração. O tempo a mais não traz grandes mudanças para o enredo, mas conta com cenas novas e mais extensas que deixam mais claro como Christian age de maneira egoísta e babaca não apenas com sua namorada, mas também com seus amigos. Essas cenas incluem ele esquecendo o dia do aniversário de Dani, seu planejamento para roubar a tese de um de seus amigos e uma discussão do casal durante um misterioso ritual noturno – em uma das poucas cenas no filme que se passa à noite. Essas cenas a mais servem não apenas para aprofundá-lo como uma figura antagonista na história, mas também para tornar mais justificável o desfecho da obra.

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Com o clamor dos fãs pelo Snyder Cut e a eventual aprovação do projeto pelo estúdio, é interessante pensar em que outras produções também seriam beneficiadas por um corte do diretor. No âmbito das adaptações de quadrinhos, já se fala sobre um possível Ayer Cut de “Esquadrão Suicida”, filme dirigido por David Ayer e que segundo o próprio foi altamente modificado em sua versão para os cinemas. Há também o famigerado “Quarteto Fantástico” de 2015, dirigido por Josh Trank, que já deixou claro que ninguém nunca vai ver sua versão.

A verdade é que, com sorte, os cineastas conseguem colocar sua verdadeira visão direto na obra que acaba sendo lançada, deixando os “cortes de diretor” como raridade em vez de lugar comum.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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