Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Buscando…(Searching): inovação em linguagem cinematográfica ou artifício passageiro?

Produção levanta a discussão sobre a possibilidade de filmes que se passam em uma tela de computador se tornarem um novo subgênero do cinema.

Praticamente toda inovação em linguagem cinematográfica apresentada em longas-metragens é inicialmente concebida por e empregada em curtas-metragens. Isso acontece porque os curtas não são filmes realizados para o mercado tradicional de distribuição, o que abre espaço para uma forma de expressão que busca o novo, conceitos próprios e experimentação, sendo muitas vezes percebida pelo grande público como ousada em relação às narrativas já estabelecidas. Ainda assim, o cinema comercial precisa se renovar de tempos em tempos, e são os curtas que servem de inspiração para a mudança. Com “Buscando…”, não foi diferente.

Mais do que pela trama em si, o filme, que chega ao Brasil nesta quinta-feira (20), tem gerado curiosidade pela experiência de narrativa que se passa quase que inteiramente dentro de uma tela de computador, já que as cenas são construídas a partir da ilusão de que o que assistimos é proveniente de sites de busca, redes sociais, ferramentas de chamadas de vídeo, livestreaming, aplicativos que mostram a localização em tempo real etc. O intuito, além de inovar a linguagem, é de refletir a realidade digital dos dias de hoje.

O diretor russo Timur Bekmambetov (“Ben-Hur”), que produziu “Buscando…”, já vinha apostando nesse mesmo formato com os filmes “Profile” (2018) e “Amizade Desfeita” (2014), assim como a sequência “Amizade Desfeita: Dark Web” (2018), ainda sem título oficial em português. Antes disso, o único outro filme a ganhar visibilidade com esse tipo de narrativa foi “Noah” (2013), que, não coincidentemente, é um curta-metragem canadense que se tornou aclamado pela crítica especializada após ter sido escolhido para compor a seleção oficial do Festival de Toronto, onde levou o prêmio na categoria de melhor filme canadense daquele ano.

Em “Buscando…”, a trama se passa depois que a filha de 16 anos de David Kim (John Cho, de “Star Trek: Sem Fronteiras”) desaparece. Uma investigação local é aberta e uma detetive é designada ao caso. No entanto, após 37 horas sem pistas, David decide realizar buscas no único lugar em que ninguém ainda olhou, onde todos os segredos são mantidos: o laptop de sua filha. Em um suspense hipermoderno contado a partir dos aparelhos usados para comunicação no cotidiano, David irá traçar as pistas digitais deixadas por sua filha antes que ela desapareça para sempre.

Para Bekmambetov, que também é dono da produtora Bazelevs, o novo formato representa o futuro do cinema. Sua fascinação por esse tipo de projeto é tão grande que ele criou a tecnologia Screenlife, com a proposta única de fazer filmes que se passam em uma tela de computador. A sintonia é tanta que o produtor já declarou que não pretende mais fazer blockbusters convencionais, pois, em sua visão, se tratam de filmes entediantes do ponto de vista narrativo, enquanto o formato Screenlife oferece a liberdade criativa que nenhum filme de alto orçamento permite.

Em entrevistas concedidas ao IndieWire e LA Times, em agosto deste ano, Bekmambetov disse:

“Eu vivo em duas realidades, o espaço físico e as telas. Estou fazendo escolhas morais. […] Eu não sei se é bom ou ruim, mas eu sinto que metade da minha vida – os eventos mais importantes da minha vida – estão acontecendo em uma tela. Estou encontrando e perdendo amigos, me apaixonando, perdendo pessoas que eu amo, fazendo projetos e colaborações, tendo brigas e discussões. […] Não dá mais para capturar isso em câmeras de cinema. Chegou o momento de entender isso e começar a gravar para criar histórias em torno dessa tecnologia”.

Apesar do entusiasmo de Bekmambetov, nem todos dentro da indústria estão convencidos sobre a tecnologia, pois há quem argumente que o Screenlife é um recurso que só funciona em tramas e gêneros específicos, principalmente o terror e suspense, e está longe de ser o futuro do cinema. Um dos profissionais que acredita nisso é o próprio diretor de “Buscando…”, Aneesh Chaganty (em seu primeiro longa-metragem), que deixou seu ponto de vista claro há três semanas, em uma entrevista ao site TechCrunch.

“É como perguntar a Christopher Nolan se todas as histórias devem ser contadas de trás para frente, como em “Amnésia”. Ele vai iniciar um subgênero com filmes de trás para frente? Eu não acho que a resposta dele seria ‘sim’. É como eu me sinto em relação a ‘Buscando…’. É um artifício para contar a história, mas, ao mesmo tempo, há muito mais limitações do que o estilo found-footage tradicional. Talvez a lição a se aprender com o Screenlife é que existe uma maneira de mostrar tecnologia de forma precisa e honesta nos filmes, algo que Hollywood não fez ainda. Normalmente, quando aparece um site ou um telefone em um filme, é algo inventado, não parece real. Agora sabemos que existe uma maneira de enquadrar tecnologia em um contexto cinematográfico. Não há necessidade de trapacear”.

Ao que parece, Bekmambetov não se deixa abalar pelas críticas do colega. A prova disso é que sua empresa Bazelevs já produziu sete longas com um investimento inicial de $8 milhões, e deu carta branca para que outros 14 sejam feitos nos próximos 18 meses. A meta é chegar a 50 filmes por ano em um futuro próximo. Embora as primeiras histórias contadas se restrinjam a terror e suspense, o produtor garante que o formato pode se adaptar a qualquer gênero, como drama e comédia romântica.

E se de um lado não há consenso quanto ao valor artístico da tecnologia para o cinema, do outro os valores monetários de bilheteria são incontestáveis. No caso de “Amizade Desfeita”, $1 milhão foi investido na produção, que garantiu uma receita de $64 milhões ao redor do mundo. A sequência “Amizade Desfeita: Dark Web”, lançada nos Estados Unidos em julho deste ano e que deve chegar ao Brasil em novembro, também teve custo de $1 milhão e arrecadou $9 milhões apenas nos Estados Unidos. Já “Buscando…”, que ainda não estreou no mundo todo, já soma $45 milhões. O longa “Profile” ainda está em turnê por festivais de cinema e não tem data de estreia prevista para os cinemas.

E você, acha que o formato Screenlife vai mudar de vez a forma de fazer cinema? Deixe seu comentário abaixo!

Sarah Lyra
@sarahlyra

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