Wes Anderson: mais que mera obsessão estética e visual
Ao longo de sua filmografia, o diretor ficou marcado por sua estética visual diferenciada, mas sua carreira apresenta outras boas qualidades.
Mesmo que ele não seja um dos nomes mais conhecidos do público geral, o diretor Wes Anderson conseguiu, ao longo de sua carreira, conquistar uma fiel legião de fãs e tornou-se um dos cineastas mais reconhecíveis na indústria cinematográfica americana atual. A sua estética visual centrada na simetria dos quadros, raras vezes copiada por outros cineastas, é uma das características mais chamativas do diretor, que já foi indicado seis vezes ao Oscar, sendo três vezes na categoria de Melhor Roteiro.
Aproveitando a estreia de “Ilha dos Cachorros”, nova animação em stop-motion do diretor que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (19), o Cinema com Rapadura elaborou uma lista (um dos elementos que mais aparecem em seus filmes) com algumas das principais características dos longas de Anderson, que ajudaram a consagrar o diretor como alguém com uma visão tão única em Hollywood.
1. A obsessão visual e simétrica
Impossível não começar esta lista pelo aspecto que torna os filmes de Wes Anderson tão distintos e imediatamente reconhecíveis: o seu esmero, praticamente obsessivo, por enquadramentos simétricos. Em oito filmes lançados até hoje, é possível contar nos dedos de uma mão as vezes que o diretor recorreu a ângulos enviesados, com o uso de planos holandeses. O uso de câmera de mão ou de uma movimentação de câmera mais acentuada também são dispensadas pelo diretor, que prefere filmar com a câmera fixa e que raramente se mexe. Para ele, cada frame do filme é um verdadeiro quadro, e não importa se ele está filmando planos mais abertos, enquadrando múltiplos personagens, ou um plano detalhe focado em um objeto específico (quase sempre, em um take aéreo). O foco da atenção do telespectador sempre estará no centro da tela, causando, quase sempre, a sensação de que as duas metades do frame são perfeitamente simétricas.
Mais do que causar esta boa sensação para os olhos, o verdadeiro mérito de Anderson reside em manter essa característica ao mesmo tempo em que, esteticamente, consegue criar uma obra dinâmica. O giro da câmera em ângulos de 90º, explorando cada um dos quadrantes de um aposento, é uma dessas técnicas, que ajudam a imergir o espectador no universo dos filmes. O uso do travelling em paralelo ao que está sendo filmado, acompanhando os personagens durante uma conversa ou por vários ambientes, ajuda a dinamizar a obra, mas mesmo em movimento, essa busca pela simetria permanece lá. Bons exemplos são durante a discussão entre Steve Zissou (Bill Murray) e Ned Plimpton (Owen Wilson) pelo navio em “A Vida Marinha com Steve Zissou”, de 2004, ou enquanto o escoteiro mestre Ward (Edward Norton) inspeciona as atividades de seus comandados em “Moonrise Kingdom”, de 2012. Essa composição de cenários feita por Anderson é uma de suas melhores qualidades visuais, e a combinação dessas características é o que torna suas obras tão chamativas, de modo que nenhum outro cineasta tenta imitar o estilo do diretor.
2. Personagens peculiares
Para além do visual, outra qualidade de Anderson (que também roteiriza seus filmes) está na criação de seus personagens, que são, muitas vezes, peculiares e marcantes. Há um certo padrão entre os protagonistas, seja no modo de falar (quase sempre, de forma apressada, autoritária e demasiadamente sistemática), no ar de sabichão, na determinação em fazer o que quer, não importe o custo, ou na aura depressiva e triste que vários deles têm. Aspectos que podem ser notados, por exemplo, em Dignan (Owen Wilson) em “Pura Adrenalina” (1996), Max Fisher (Jason Schwartzman) em “Três é Demais” (1998), Steve Zissou em “A Vida Marinha com Steve Zissou”, Francis (Owen Wilson) em “Viagem a Darjeeling” (2007), Sr. Raposo (George Clooney) em “O Fantástico Sr. Raposo” (2009) e o jovem casal Sam (Jared Gilman) e Suzy (Kara Hayward) em “Moonrise Kingdom”.
Os diálogos, não raro, aparentam tratar para questões fúteis ou de menor importância na obra, mas é por meio deles que o espectador tem a chance de conhecer melhor os personagens, ao mesmo tempo em que o roteiro consegue desenvolvê-los. Mais do que isso, as conversas do texto também mostram um curioso senso de humor de Anderson, em que ele consegue causar o riso em cenas que, necessariamente, isso não deveria acontecer. As situações e os diálogos, em vários momentos, são tão inusitados e surreais que é impossível não conter o riso, trilhando um caminho semelhante ao que é comumente utilizado no texto dos irmãos Coen (“Ave, César!”).
3. A auto descoberta e o drama familiar
Ao longo de sua filmografia, Anderson trabalha alguns temas que se repetem. Os incontáveis conflitos familiares, a sensação de deslocamento e a falta de compreensão pelo outro são fatores que acabam transformando os personagens, em uma jornada de conciliação com o próximo, mas também consigo mesmo. A paternidade, por exemplo, é o tema central de “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001), a medida que o patriarca da família, Royal (Gene Hackman) se esforça para se reconectar com seus familiares. A ligação perdida entre Zissou e Ned em “Steve Zissou” é uma outra roupagem sobre essa temática.
“O Fantástico Sr. Raposo” mostra como o filho do protagonista, Ash, tenta conquistar a aprovação do pai a todo custo, arriscando-se além do necessário, enquanto é possível dizer que, em “O Grande Hotel Budapeste“, o concierge Gustave (Ralph Fiennes) “adota” o jovem Zero (Tony Revolori), com a relação dos dois sendo um dos pontos principais da trama. Já “Viagem a Darjeeling” opta por destacar a maternidade (ou a ausência dela), à medida que mostra a busca dos irmãos Francis, Jack (Jason Schwartzman) e Peter (Adrien Brody) em reencontrar com sua mãe, Patricia (Anjelica Houtson), justamente após terem perdido o pai.
Em “Três é Demais“, Max, que perdeu a mãe, vê-se deslocado dos demais alunos da escola de Rushmore, e nem o fato de participar em inúmeras atividades extra curriculares consegue fazer com que ele faça amigos, o que faz dele alguém muito sozinho. Não à toa, ele acaba fazendo amizade com Herman (Bill Murray), com quem depois entra em um complicado triângulo amoroso pela disputa do coração de sua professora, Rosemary (Olivia Williams). Adotada, Margot (Gwyneth Paltrow) não se vê como parte da família Tenenbaum, sendo que sua paixão pelo seu irmão, Richie (Luke Wilson, de “O Estado das Coisas“) apenas complicam ainda mais as coisas. Outra que se sente deslocada e reprimida pelos pais é Suzy, um dos motivos que a levam a fugir de casa ao lado de Sam – um órfão – em “Moonrise Kingdom“, com o desfecho da trama mostrando o garoto encontrando uma família ao lado do Capitão Sharp (Bruce Willis), ao mesmo tempo em que Sharp se vê como um pai após dias a procura do jovem casal.
4. A direção de atores
Os longas de Anderson são carimbados por várias figurinhas repetidas, como o texto já provou até agora, mas a trupe de atores que acompanham o diretor também são um elemento primordial que tornam seus filmes mais especiais. Parte do sucesso pela persona que Bill Murray conquistou ao longo da carreira é por causa dos personagens das obras do diretor, com sua personalidade desajeitada e atrapalhada. Owen Wilson, que roteirizou alguns dos filmes ao lado de Anderson, mostra uma faceta de humor que foge do típico pastelão pelo qual ele ficou marcado. Ralph Fiennes tem uma de suas melhores atuações da carreira em “O Grande Hotel Budapeste“, em um trabalho carismático, imponente ao mesmo tempo que pomposo e que poderia, facilmente, ter lhe rendido uma indicação ao Oscar de Melhor Ator daquele ano.
Com tramas majoritariamente focadas nos homens, Anjelica Houtson mostra uma presença de cena elogiável e importante, sendo o pilar feminino fundamental em mais de uma obra do diretor. O trabalho com jovens atores também se destaca, com Jared Gilman e Kara Hayward conseguindo serem o centro emocional de “Moonrise Kingdom“, ao mesmo tempo que Toni Revolori não deixa a peteca cair ao lado de Fiennes em “Budapeste“. Até mesmo na dublagem, aspecto que deve ser um dos pontos fortes de “Ilha dos Cachorros”, há destaques do trabalho de artistas que geralmente não desempenham esta função, caso de George Clooney e Meryl Streep – se bem que essa consegue ser boa com qualquer coisa, não é verdade?
5. A música
Uma das características que reforçam o ar indie que as obras de Anderson apresentam é a trilha sonora. Nos primeiros filmes, o grande colaborador do diretor nesta área foi Mark Motherbaugh (“Thor: Ragnarok“), que em diversas vezes optou por colocar músicas pop ou um rock alternativo, responsáveis por conduzir a história e evidenciar o tom das obras.
Mas é a entrada do compositor francês Alexander Desplat (“A Forma da Água“), a partir de “O Fantástico Sr. Raposo“, que revigora e torna os longas mais marcantes. Com foco maior na composição instrumental, Desplat tem méritos ao criar temas, principalmente, para os locais em que a trama se passa. Seja a música infantil que brinca com os vilões em “Raposo“, o toque militarista do Campo Ivanhoe, conduzido por tarois, em “Moonrise Kingdom” ou o sereno piano que ajuda a transformar o Hotel Budapeste em um dos personagens da trama que leva seu nome, parte de uma trilha sonora que levou Desplat a conquistar seu primeiro Oscar da carreira.
E para você, quais são os melhores momentos da filmografia de Wes Anderson? Percebeu alguma característica marcante do diretor que não foi listada? Deixe sua opinião nos comentários e ajude a enriquecer o debate!