Começando com o pé direito: grandes estreias de diretores em Hollywood
O Cinema com Rapadura reuniu uma lista com diretores e diretoras que causaram uma ótima impressão em seu primeiro trabalho.
“A primeira impressão é a que fica”. O conhecido ditado popular nem sempre é uma verdade – afinal, todos estão sujeitos ao erro e as más interpretações, sendo necessário dar o ônus da segunda chance -, mas, às vezes, ele sintetiza perfeitamente a sensação de surpresa e encantamento que se tem quando há um primeiro contato com algo novo. Seja conhecendo novas pessoas, um lugar que você nunca esteve, experimentando uma nova atividade, iniciando um novo emprego ou começando os estudos em um novo campo, as primeiras impressões e reações podem ajudar a fortalecer este vínculo com o novo, no que pode se transformar em uma relação duradoura.
No cinema, não é diferente. Quando um cineasta iniciante apresenta seu primeiro trabalho, cria-se a expectativa para que tipo de novidade ele ou ela podem trazer para o cenário cinematográfico. Este pode ser o caso da diretora Greta Gerwig (roteirista de “Frances Ha”), que comandando seu primeiro longa, “Lady Bird – Hora de Voar”, conseguiu cinco indicações ao Oscar deste ano, nas categorias de Melhor Roteiro, Melhor Direção, Melhor Atriz Coadjuvante (Laurie Metcalf, da série “The Big Bang Theory”), Melhor Atriz (Saoirse Ronan, de “Brooklyn”) e Melhor Filme. Aproveitando, então, a estreia de Gerwig, o Cinema com Rapadura relembra outros(as) diretores(as) que começaram a carreira com o pé direito, apresentando, de cara, um grande trabalho.
Guy Ritchie – “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998)
A estreia do britânico Guy Ritchie como diretor apresentou um longa de máfia distinto de outros do gênero que marcaram a década de 90, como “Os Bons Companheiros” e “Cassino“, ambos de Martin Scorsese (“Silêncio“). No enredo, Eddy (Nick Moran, de “Accident Man“) consegue, com a ajuda de três amigos, juntar muito dinheiro para jogar uma rodada de pôquer contra o chefão do crime local, Hatchet Harry (P.H. Moriarty, de “Evil Never Dies“). Harry acaba trapaceando e vencendo, fazendo com que Eddy e seus amigos lhe devam 500 mil libras. Tendo apenas uma semana para juntar o montante – caso contrário, o pai de Eddy perderá o bar de qual é dono -, o grupo de amigos decide roubar a quantidade necessária, mas acabam entrando em uma série de confusões, coincidências e erros desastrados.
Em seu primeiro filme, Ritchie já apresenta uma série de características que marcariam sua filmografia. Um deles é o típico humor inglês que, com sua estranheza, ajuda a transformar a história em algo mais leve e a jornada dos amigos, mais gostosa de ser acompanhada. Aliado ao humor está a edição, que combina diferentes narrativas (e, normalmente, são várias) e as mescla de maneira precisa, entrelaçando todas no final de forma precisa, cômica e eficiente. O uso do MacGuffin (recurso narrativo em que os personagens ficam boa parte da trama atrás de um objeto desejado) é um elemento chave, que faz os filmes de Ritchie funcionarem, andarem para frente, serem engraçados e contarem, muitas vezes, com viradas geniais em seus desfechos. Definitivamente, um início com o pé direito.
Assista ao trailer da produção:
Kimberly Peirce – “Meninos Não Choram” (1999)
Kimberly Peirce é um nome que não alavancou na indústria, infelizmente. Tendo trabalhado de forma esporádica em séries como “American Crime” e “Halt and Catch a Fire”, a diretora tem apenas dois filmes em sua carreira – e um deles é o remake de “Carrie, A Estranha”, de 2013. O que é de se espantar, dado a qualidade de seu primeiro longa, “Meninos Não Choram”.
Baseado em fatos, a trama, que se passa em 1993 no interior do estado de Nebraska, acompanha Brandon Teena (Hilary Swank, de “Logan Lucky: Roubo em Família”), uma mulher que vive uma crise de identidade sexual e decide se passar por um homem. Ao se envolver romanticamente com Lana (Chloë Sevigny, de “Boneco de Neve”), Brandon encontra problemas e retaliações, já que as demais pessoas não aceitam sua transexualidade.
O longa é tocante e ainda extremamente atual, já que ele apresenta um retrato cru e real da maneira como a sociedade (não somente a americana) trata e discrimina os transexuais. O roteiro acerta no desenvolvimento do relacionamento entre Brandon e Lana, dando tempo na projeção para que os dois se conheçam e o romance amadureça. Peirce se destaca na abordagem que dá às cenas de violência tanto física quanto verbal contra Brandon, o que choca e machuca. As ótimas atuações de Swank de Sevigny, que demonstraram uma química afiada, é outro ponto que faz com que a obra se destaque, o que foi recompensado com indicações ao Oscar: Swank ganhou por Melhor Atriz e Sevigny foi indicada à Melhor Atriz Coadjuvante. Com um começo tão promissor e não tendo seu potencial totalmente explorado ainda, fica a expectativa para que Peirce consiga novas oportunidades nas telonas.
Veja o trailer do filme:
Brad Bird – “O Gigante de Ferro” (1999)
A carreira de Brad Bird pode não ser das mais extensas, mas o diretor acumula em sua filmografia “apenas” “Os Incríveis”, “Ratatouille” e “Missão: Impossível – Protocolo Fantasma”, o que é uma trinca de respeito – e que pagam com sobras o mediano “Tomorrowland: Um Lugar onde Nada é Impossível”. Mas foi em sua estreia, com “O Gigante de Ferro”, que Bird deu indícios do que poderia fazer com animações. Ambientado em 1957, a animação acompanha um robô gigante que cai em uma pequena cidade no interior dos EUA. Lá, ele encontra Hogarth Huges, um garoto solitário que precisava de um amigo. E o encontra na figura destrambelhada e gentil feita de metal.
Ao evidenciar a paranoia da época da Guerra Fria e o medo irracional contra o desconhecido, Bird apresenta uma trama amarrada e com a dose certa de aventura, que mistura o fantástico com uma excelente mensagem antiviolência. A figura do robô, que passa a conhecer o mundo pelo olhar do seu amigo criança, é capaz de encantar qualquer um, tendo um traço simples, porém bem acabado e limpo. Isso deve ser destacado ainda mais pelo fato do filme ter sido feito em uma época de transição entre as animações 2D e 3D, havendo uma ótima mescla entre os estilos dentro da obra. O esmero e o cuidado com as animações seria apenas refinado em seus trabalhos futuros.
Assista ao trailer do longa:
Richard Curtis – “Simplesmente Amor” (2003)
Antes de se tornar diretora, Gerwig já havia escrito roteiros para Hollywood. Este também é o caso do neozelandês Richard Curtis, que acumulou uma longa carreira como roteirista antes de se aventurar na direção de seu próprio filme. Ele é responsável por várias das mais clássicas comédias românticas dos últimos 25 anos, como “Quatro Casamentos e Um Funeral”, “Um Lugar Chamado Notting Hill”, “O Diário de Bridget Jones” e “Questão de Tempo”. “Simplesmente Amor” é outra que merece ser citada, em uma trama que explora os diferentes tipos de amor existentes em diversas histórias, sendo que algumas delas estão conectadas.
Com um elenco repleto de estrelas, que chega a causar espanto quando você descobre que este ou aquela atriz fazem parte da produção, o longa aborda as mais variadas formas de amar: o paternal, fraternal, proibido, sexual, cômico, o que supera as barreiras impostas pela língua, o primeiro amor… Todos ganham espaço na trama que, entendo, pode ser abarrotada para alguns, criando núcleos que não sejam interessantes. Mas é justamente por mostrar uma variedade tão grande que Curtis consegue atingir o público como um todo, amarrando as histórias e conseguindo criar um longa dinâmico e que pouco cansa.
Colin Firth (“Kingsman: O Círculo Dourado”) falando português, Bill Nighy (“Sua Melhor História”) como um astro do rock cantando uma música de natal ou a cômica relação entre os personagens de Martin Freeman (“Pantera Negra”) e Joanna Page (da série “Breathless”) são alguns dos pontos altos da divertida obra.
Relembre o trailer da comédia:
Patty Jenkins – “Monster: Desejo Assassino” (2003)
A diretora Patty Jenkins foi alçada para a glória no último ano após seu novo filme, “Mulher-Maravilha“, tornar-se um marco para o gênero de super-heróis e um sucesso de bilheteria no mundo todo. Se o filme da heroína foi elogiado pelo seu caráter otimista, o primeiro longa da diretora, “Monster: Desejo Assassino”, apresenta uma pegada bem diferente. A trama, baseada em uma história real, acompanha Aileen Wuornos (Charlize Theron, de “Atômica“), uma mulher que sofreu abusos desde a infância e tornou-se prostituta ainda na adolescência. Sem recursos e desamparada, ela está prestes a tirar a própria vida quando conhece Selby (Christina Ricci, de “Minha Mãe e Eu“), uma jovem lésbica pela qual ela acaba se apaixonando. Enquanto as duas formam planos para terem uma vida melhor, Aileen acaba matando um cliente após seu agredida e violentada por ele. A partir deste incidente, a personagem se envolve em uma série de assassinatos, tornando-se a primeira serial killer dos EUA.
Assim como “Meninos Não Choram”, o longa é mais um exemplo de um drama bem construído e envolvente. A forte carga dramática da produção faz com que o espectador se importe e torça para que as coisas deem certo para o casal. A história é dinâmica, encontrando tempo para desenvolver o drama pessoal de cada uma e que alterna com fluidez entre a relação delas com os crimes de Aileen. Além do excelente trabalho de maquiagem, que transfigurou Charlize para que ele ficasse parecida com a personagem real, o grande mérito da obra fica para a atuação primorosa e cheia de emoção e dor de Theron, que recebeu um Oscar pelo trabalho.
Veja o trailer do drama:
Neil Blomkamp – Distrito 9 (2009)
O sul-africano Neil Blomkamp chegou com tudo em Hollywood. Apadrinhado por Peter Jackson (“Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos”), ele estreou com a que deve ser uma das melhores e mais célebres ficções científicas da última década. “Distrito 9” apresenta um mundo onde uma espaçonave gigantesca sobrevoa a cidade de Johanesburgo, capital da África do Sul. Os seres humanos não apenas realizam o primeiro contato com os alienígenas, como eles passam a morar – em condições precárias e isolados dos terráqueos – na cidade, atingindo uma população de 1,8 milhão de alienígenas residentes na cidade.
A tensão entre as duas espécies chega ao limite, e cabe a Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley, de “Free Fire”), membro de uma companhia de armas, a missão de realocar os alienígenas para um novo assentamento. A empreitada, claro, não acontece como o planejado, e a vida de Wikus é posta de cabeça para baixo, com grandes transformações acontecendo em seu corpo após ele entrar em contato com um líquido extraterrestre.
A produção conseguiu quatro indicações ao Oscar (Melhor Edição, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme), todas merecidas. A trama é inteligente e amarra, de forma categórica, assuntos como segregação, preconceito, questões humanitárias e o interesse de grandes empresas no armamento e na conquista do lucro a qualquer custo. É impossível olhar para o filme e não lembrar do apartheid, regime de segregação que marcou a África do Sul, e a partir deste elemento, questionar, mais uma vez, a natureza humana e seus atos. Blomkamp também se destaca pela mistura de estilos nas filmagens, utilizando-se de câmera na mão no estilo mockumentary (simulando a filmagem de um documentário) com uma ação arrojada e que não se perde. A edição é precisa e dá o ritmo adequado para a obra, acelerando quando necessário, mas lembrando-se de parar para desenvolver os personagens e aquele mundo. Por fim, tanto o visual do cenário, que se aproveita de um cenário sujo, precário e diferente da ostentação que se vê em outras obras do gênero, quanto o dos alienígenas, tornam a produção muito mais verossímil.
Assista ao trailer do sci-fi:
Duncan Jones – “Lunar” (2009)
A estreia do diretor Duncan Jones, filho do músico David Bowie, pode não ter sido das mais chamativas em questão de bilheteria, mas não faltou qualidade em seu trabalho inicial. A trama de “Lunar” acompanha o astronauta Sam Bell (Sam Rockwell, de “Três Anúncios para um Crime”), que após três anos vivendo na Lua, está prestes a voltar para casa. Como sua única companhia em sua missão espacial é computador GERTY (dublado pelo agora infame Kevin Spacey, da série “House of Cards”), o isolado protagonista tem sua sanidade abalada após um encontro que colocará em xeque sua racionalidade.
Marcado pelo tom contido e introspectivo, o sci-fi consegue contornar o orçamento limitado (sim, os efeitos das máquinas não são dos mais elaborados, mas nada que comprometa a produção) e foca em entregar uma história bem humana. Algumas características positivas de Jones se destacam, como o posicionamento da câmera, que, por meio dos close-ups, aproveita melhor as reações de Rockwell, em uma das melhores atuações de sua carreira. Contrapondo aos momentos distintos que o protagonista vive no enredo, a voz impassível de Spacey aparece como um excelente elemento, combinado com a trilha tensa, mas bela, de Clint Mansell (“Com Amor, Van Gogh”). Por fim, vale ressaltar o design dos ambientes, limpos e claros, que corroboram com uma boa fotografia e aumentam a sensação de solidão do protagonista. Para aqueles que gostam do longa, vale a pena ficarem atentos ao novo filme de Jones, “Mudo”, que estreia na Netflix em 23 de fevereiro. Talvez sejam surpreendidos.
Veja o trailer do longa:
Jordan Peele – “Corra!” (2017)
Este texto aproveita a estreia Greta Gerwig como diretora, mas ele poderia, muito bem, ser em homenagem à Jordan Peele. Conhecido pelos seus sketches cômicos ao lado do ator Kegan-Michael Key, o comediante estreou no último ano com a sátira de horror “Corra!”. A trama acompanha Chris (Daniel Kaluuya, de “Pantera Negra“), um rapaz negro que concorda em viajar durante o fim de semana com a namorada, Rose (Allison Williams, da série “Girls“), para conhecer os pais e o restante da família caucasiana da moça. Em um primeiro momento, Chris acredita que o comportamento estranho e incomum dos sogros é por eles estarem se acostumando com a ideia da relação inter-racial da filha. Contudo, à medida que o fim de semana passa, o jovem se vê diante de descobertas perturbadoras que o levam a uma verdade que ele não poderia ter imaginado.
Responsável pela direção e pelo roteiro, Peele acerta em cheio na ambientação de terror e suspense da obra, porém de uma forma diferente e criativa. Nada de abusos com jump scares, cenas escuras ou vultos passando rapidamente no fundo da tela. O segredo da produção reside na tensão criada por meio do diálogo, repleto de um racismo velado que exemplificam as tensões raciais presentes na sociedade americana de hoje, e que criam a paranoia suficiente para que o suspense funcione. Quanto mais a família de Rose tenta provar que não é racista, mais desconfortável Chris se sente naquele meio, com o mesmo desconforto sendo transmitido para o espectador.
A direção de atores é outro destaque de Peele, com o longa tendo ótimas performances. A indicação de Kaluuya ao prêmio de Melhor Ator é merecida, com ele entregando toda a carga dramática que a jornada de seu personagem exige. Allison Williams e Catherine Keener (“Amor por Acidente”) são outros destaques positivos. Além do sucesso comercial – custando US$ 4,5 milhões, o longa arrecadou US$ 255 milhões no mundo todo -, a estreia de Peele foi recompensada com mais três indicações ao Oscar deste ano: Melhor Roteiro, Melhor Diretor e Melhor Filme.
Veja o trailer do filme:
Esses foram alguns cineastas que marcaram uma excelente primeira impressão, conquistando a afeição e um voto de confiança do público. O mesmo deve ocorrer com Greta Gerwig, agora que “Lady Bird” estreia nas salas brasileiras nesta quinta-feira (15/02). E para você, qual outra estreia de um diretor ou diretora foi memorável, e ficou de fora da lista? Deixe sua opinião nos comentários!