Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 04 de setembro de 2017

The Black List: A lista dos melhores roteiros não produzidos de Hollywood

Como a ideia de um executivo está ajudando a melhorar a falta de criatividade e diversidade no cinema?

O que os filmes “Quem Quer Ser um Milionário”, “O Discurso do Rei”, “Argo” e “Spotlight: Segredos Revelados” têm em comum?

Os roteiros desses projetos foram ignorados pelos grandes estúdios de Hollywood e entraram na cobiçada Black List (Lista Negra). Algum tempo depois eles foram produzidos e todos receberam o Oscar de Melhor Filme na premiação mais importante do cinema.

Mas, então, o que é essa tal Black List?

Criada por Franklin Leonard, um executivo de cinema americano, a Black List é uma publicação anual que reúne os melhores roteiros escritos no ano que não foram realizados. O projeto teve início em 2005, quando Leonard, então funcionário da produtora do ator Leonardo DiCaprio (“O Regresso”), Appian Way, estava insatisfeito com a qualidade dos enredos e com a forma pasteurizada dos longas que eram realizados. Anonimamente ele pediu para 93 colegas da indústria cinematográfica escolherem os melhores roteiros daquele ano que ainda não estavam sendo produzidos. Leonard compilou os resultados e os classificou pelo número de menções. Quando foi divulgada, a lista se tornou um sucesso instantâneo.

Pela repercussão, alguns daqueles roteiros finalmente receberam atenção de estúdios e chegaram aos cinemas. “Juno”, escrito por Diablo Cody, “Coisas que Perdemos pelo Caminho”, de Allan Loeb, e “A Garota Ideal”, de Nancy Oliver, foram os mais bem qualificados daquele ano. “Babel”, “Diamante de Sangue”, “O Jogo do Exterminador”, “Hancock”, “Pequena Miss Sunshine”, “Nebraska”, “A Procura da Felicidade” e “Zodíaco” também estavam entre os filmes destacados na lista. Quando foram realizados, os longas receberam diversas indicações, prêmios e elogios da crítica especializada. Depois disso, Leonard passou a apresentar a lista publicamente pelo Twitter, Youtube e pelo site que ele próprio criou.

Franklin Leonard

A Black List ganhou notoriedade e se tornou um dos termômetros mais eficazes para prever os próximos destaques do cinema. Desde então, o número de eleitores no grupo cresceu e hoje já conta com 500 executivos. Mais de 300 roteiros da lista já foram produzidos, rendendo aproximadamente US$ 26 bilhões em bilheteria mundial e 264 nomeações para o Oscar, ganhando 48, incluindo dez dos últimos vinte prêmios de Melhor Roteiro.

Leonard enxerga a lista como uma ferramenta de escape para a falta de criatividade de Hollywood que, de acordo com ele, está engessada em reproduzir sequências, reprises e histórias repetidas. É uma ação para tentar contornar a diminuição do número de filmes produzidos pelos estúdios cada vez mais dependentes da audiência internacional e apoiadores de projetos aparentemente mais lucrativos, o que diminui a aposta em roteiros incomuns e inusitados.

Em entrevista ao The AtlanticLeonard disse que o objetivo da Black List é promover histórias que fujam dos blockbusters padrões. Para conseguir isso ele pergunta “quais roteiros as pessoas adoram” ao invés de perguntar “quais roteiros resultariam nos filmes mais rentáveis”.

Um bom exemplo da relevância dessa lista é a história de Graham Moore, contada pela The Atlantic. Em 2010, Graham era um jovem autor de 28 anos de idade que estava em um coquetel em Los Angeles. Conversando com a produtora Nora Grossman, ele declarou estar interessado em produzir um filme baseado na biografia de Alan Turing. Grossman apoiou a ideia e Moore começou a trabalhar no roteiro, mas a história do cientista inglês responsável pelo desenvolvimento do primeiro computador, e que foi punido com a morte por sua homossexualidade, não parecia tão fácil de ser vendida.

Ao apresentar o roteiro finalizado para seu agente, Moore já esperava que, por causa da temática polêmica, o filme não faria tanto sucesso. Alguns meses depois, a Warner Bros. adquiriu os direitos do filme por um ano. Porém, a empresa, assim como grande parte dos estúdios, está focada em blockbusters e, apesar de ter um roteiro intrigante, o filme não se encaixava no que os estúdios tinham em mente naquele momento.

No entanto, Moore teve uma vantagem importante. Em 2011, o roteiro foi colocado em primeiro lugar na Black List. Nove meses depois de ser comprado, o projeto ganhou o aval do estúdio para ser produzido. Aliviado por poder desenvolver o projeto, ele imaginou que ainda viria um caminho tortuoso pela frente, pois muitos scripts saltam de estúdio em estúdio, demoram para encontrar seu elenco e a história pode demorar anos para começar a ser filmada. Mas, por causa da lista, todos já conheciam o enredo, incluindo o diretor norueguês Morten Tyldum (“Passageiros”), que comandaria o longa, e o ator inglês Benedict Cumberbatch (“Doutor Estranho”), que seria o protagonista.

“O que poderia ter sido algo morno, uma espécie de roseira com perfumes ingleses, me chamou muita atenção porque estava no topo da Black List. Fiquei intrigado com as pessoas dizendo que eu tinha que ler” – disse Cumberbatch.

Com a entrada de Tyldum e Cumberbatch, o filme começou a ser rodado menos de um ano depois. Denominado “O Jogo da Imitação”, o longa foi indicado a oito Oscar – incluindo Melhor Filme – e ganhou o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado em 2015.

Graham Moore

Provavelmente alguns projetos já seriam desenvolvidos sem a ajuda da Black List, mas a presença deles na publicação garantiu mais rapidez para conseguir o financiamento, contratar o diretor e o elenco, e compensar a falta de entusiasmo entre os executivos interessados apenas na bilheteria.

“Como eu afirmo sobre todas a listas, a Black List não é a lista anual de melhores roteiros. É, na melhor da hipóteses, uma lista de filmes mais ‘gostados’, o que é mais notável e popular. É uma mistura de escritores ambiciosos que estão começando com pessoas já reconhecidas de Hollywood.” – disse Leonard, o criador da lista.

Diversidade

Outro caso emblemático é o da franquia “Jogos Vorazes”, que Leonard aponta como representativa para definir o que Hollywood está se tornando. O roteiro, baseado em um livro para jovens adultos, apresentava uma adolescente forte e independente como sua heroína, uma protagonista incomum para um filme de ação. A maioria das produtoras não enxergavam o projeto como rentável, ignorando-o. Indo contra a maré, a Lionsgate, que até então tinha apenas a franquia de terror “Jogos Mortais” como principal produto, adquiriu o roteiro em 2009, pouco antes do lançamento do livro.

No ano seguinte, o roteiro figurou na Black List e o livro vendeu 4,3 milhões de cópias. O filme teve aval do estúdio e finalmente foi realizado. A Lionsgate foi recompensada: “Jogos Vorazes” ganhou US$ 408 milhões na bilheteria dos EUA e outros US$ 286 milhões no exterior. A franquia rendeu aproximadamente US$ 2,3 bilhões (R$ 8,8 bilhões) aos cofres do estúdio.

“Muitas das crenças sobre o que é rentável são fundamentalmente racistas e misóginas” – afirmou Leonard.

Apesar da Black List abrir as portas para filmes com temáticas fora do padrão, Leonard aponta que Hollywood continua sendo um círculo fechado e com a entrada limitada. Até para fazer parte dessa lista supostamente democrática o projeto deveria ter um agente ou executivo interessado para, então, chegar a um estúdio. Continuava sendo um grupo seleto de homens e mulheres brancos com condições de se mudar para Los Angeles e conhecer as pessoas certas. O porteiro de um prédio ou uma dona de casa continuava com as mesmas chances de entrar nesse universo: quase nulas.

Pensando nisso, no ano de 2012, Leonard desenvolveu um serviço (pago) de feedback crítico que permite que roteiristas profissionais e amadores do mundo inteiro submetam seus scripts. O site https://blcklst.com/ funciona como um facilitador do contato entre roteiristas iniciantes e profissionais da indústria. Eles fazem um ranking em tempo real dos melhores scripts no site, filtrando-os a partir de gêneros e notas que os avaliadores concedem. Os inscritos podem pesquisar até por temáticas bem específicas, como “explosões”, “assaltos” ou “tubarões”.

Relevância

Entre mundos distópicos, realidades alternativas e ideias malucas que nunca ganhariam as salas de cinema por meios tradicionais, como uma história de “Star Wars” contada a partir do ponto de vista do Chewbacca (que ficou em terceiro lugar na votação de 2011), surgiram alguns filmes que logo desbancariam grandes realizadores e lançariam roteiristas representativos.

A lista ganhou tanto impacto no universo cinematográfico que a partir de 2014, ela começou a ser anunciada por meio de vídeo com astros do cinema e profissionais da indústria. Veja o anuncio do filme “Manchester À Beira-Mar” feito pela cantora Lorene Scafaria naquele ano:

A lista de 2016, por exemplo, foi anunciada por grandes personalidades do cinema mundial, como Jake Gyllenhaal (“Animais Noturnos”), J. J. Abrams (“Rua Cloverfield, 10”), Barry Jenkins (“Moonlight: Sob a Luz do Luar”), Patty Jenkins (“Mulher Maravilha”) e Damien Chazelle (“La La Land”).

O melhor colocado na lista de 2016 foi o roteiro de Blonde Ambition, uma biografia da carreira da cantora Madonna que logo depois foi anunciado pela Universal Studios.

Confira alguns filmes oriundos da lista que estão atualmente em produção:

LISTA DE 2015

All the Money in the World

– O Que te Faz Mais Forte

LISTA DE 2016

– Blonde Ambition

– I, Tonya (em produção)

– The Papers

– Inner City / Roman Israel, Esq.

A Black List pode não ser a solução definitiva para a falta de criatividade e diversidade em Hollywood. Longe disso, raríssimos são os filmes derivados dela que rendem boa bilheteria e chegam ao público em geral. No entanto, em uma época em que é cada vez mais necessário que todos os públicos sejam ouvidos, ela se mostra como um alento e uma janela para tempos melhores.

Breno Damascena
@brenodamascena_

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