Livros: A roubadora de livros e o desbravador de palavras
Em "A Menina que Roubava Livros", escritor encanta não só pela história que conta, mas também pela forma como usa suas palavras para falar sobre ela.
Janeiro de 2014 terminou com o lançamento de um dos filmes mais aguardados do ano por aqueles apaixonados por literatura. “A Menina que Roubava Livros”, escrito pelo australiano Markus Zusak (autor de “Eu sou o Mensageiro”) é considerado um grande clássico da literatura juvenil dos últimos anos e mescla ficção com um pedaço negro da história do mundo.
Liesel Meminger é uma menina alemã vivendo o auge do período nazista e do domínio de Hitler. Ela é lançada nos braços de uma estranha família sem saber o motivo, enquanto sua mãe biológica desaparece de sua vida e seu irmão mais novo é levado pela Morte, deixando-a completamente sozinha. Pelo menos no começo. Ao mesmo tempo, ela descobre aquilo que a definiria pelo resto de sua vida (ou ao menos a parte dela que conhecemos): seu prazer em roubar livros.
Zusak é extremamente delicado em sua narrativa. Ele conta a história de Liesel por meio das palavras da Morte, personagem que coleta almas ao mesmo tempo que coleta histórias. A história de Liesel é uma daquelas poucas que ela carrega consigo em seu bolso, fascinada pela menina e por aqueles que fizeram parte de um breve momento em sua vida.
Mesmo que sua profissão indique o contrário, a Morte é extremamente suave em suas palavras. Ela tece a história da Roubadora de Livros de forma terna, quase uma pintura aos nossos olhos, procurando realmente explorar cada centímetro de toda palavra empregada, nos fazendo experimentar cada momento de Liesel de maneira tão vívida. As descrições utilizadas por Zusak e expressas pelos lábios da Morte são simplesmente poesia, trazendo à nossa imaginação o sentimento exato que um objeto, paisagem ou pessoa poderiam realmente nos provocar.
E talvez essa tenha sido a intenção de Zusak, já que a narrativa de “A Menina que Roubava Livros” é tão única e peculiar, diferente mesmo de outras obras suas. Liesel, com certa dificuldade e muita paciência (sua e dos outros), aprende o poder que as palavras podem ter. Ela entende que a influência dominadora de Hitler não proveio de sua brutalidade, esta sendo uma decorrência de seus intuitos. A força adveio de seu discurso manipulador, sua maneira de entrar na mente da população e assim subjuga-la a suas ideias e propósitos. Liesel descobre que as palavras podem construir (ou destruir) o mundo.
Por meio das palavras, ela mantém Max, o judeu do cabelo feito de penas, vivo. Liesel aprende que tem um pai de verdade, o cumpridor de promessas de olhos prateados, e a amá-lo como sua pessoa mais importante. Ela se aproxima cada vez mais de Rudy, seu amigo de cabelos cor de limão. Ela constrói vínculos com os moradores de Molching e da Rua Himmel e abre portas para aqueles que se encontram mais perdidos. Liesel ajuda a manter a calma enquanto todo o mundo desaba ao redor e começa a entender a sua realidade. Liesel descobre quem ela é para si mesma e para os outros. E, por meio das palavras, a Roubadora de Livros sobrevive.
Da mesma forma como parece dançar com o leitor em sua narrativa, a Morte também é bastante precisa ao informá-lo que eventos trágicos irão tomar parte da vida de Liesel. Como ela mesma explica, ela antecipa alguns momentos com a intenção de amortecer o impacto de tanto sofrimento. Esse artifício de construção narrativa utilizado por Zusak pode prejudicar levemente a obra, no sentido de que não existe aquele fator surpresa em determinados momentos. Fora que já começamos a nos agonizar com algumas reviravoltas do enredo desde cedo. Mas, realmente, o duro golpe da dor é bem menor quando nos atinge.
Não que seja algo que prejudique o desenrolar da trama. “A Menina que Roubava Livros” age sobre nós como um ímã do começo ao fim. Assim como Liesel e a Morte, Zusak sabe muito bem como empregar seus termos e expressões. Ele é um Desbravador de Palavras.