Livros: Romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, nunca foi tão atual
Utilizando de uma linguagem crua e sem poupar o leitor, Jorge Amado retrata em seu romance a dura realidade das crianças que vivem nas ruas de Salvador.
Pedro Bala, Professor, Sem-Pernas, João Grande e Volta Seca. Esses são apenas alguns dos meninos maltrapilhos, esfomeados e espertos que fazem parte dos “Capitães da Areia”, uma gangue com mais de 100 crianças que vivem à margem do oceano em um trapiche abandonado.
Na história, criada por Jorge Amado na década de 40, logo somos apresentados ao poder dos Capitães da Areia, na cidade de Salvador. Uma noticia estampada no Jornal da Tarde narra o assalto comandado pelos garotos à casa do Comendador, que teve um prejuízo de mais de um conto de réis, e discute a impunidade do caso, quando alguns dos garotos não foram pegos e aqueles que o foram fugiram do reformatório.
Segue-se então uma discussão para definir o verdadeiro culpado: seria a Polícia, o Juizado de Menores ou o reformatório em si, que não conseguiu segurar por muito tempo as crianças? Aqui todos têm o que falar, inclusive a mãe de um dos meninos e o Padre José Pedro, que não só os ajuda, levando conforto espiritual e provendo remédios, como sabe a localização da maioria deles.
É em meio a toda essa acalorada discussão que somos conduzidos ao trapiche à beira mar onde boa parte do grupo dorme. O lugar, abandonado há muito pelos proprietários, já serviu de abrigo a ratos, cachorros e agora é o espaço onde se reúnem quase cinquenta dos Capitães no final do dia. É lá que eles guardam todos os ganhos de um dia inteiro de ilegalidade e onde esse mesmo ganho é dividido.
Sob o comando de Pedro Bala, órfão, quinze anos e líder dos Capitães da Areia, o grupo se mantém organizado, segue regras e obedece o seu chefe. Ganhar a liderança não foi fácil, já que ele teve de lutar com o líder Raimundo e foi na batalha que ganhou a cicatriz no rosto pela qual é reconhecido e respeitado por todos. Conhecedor das ruas de Salvador, pois vive nelas desde que tinha cinco anos, pouco se sabe a respeito do líder dos Capitães, a não ser que o pai morreu de balaço no porto. É Pedro Bala quem dá as ordens e decide os passos que eles devem dar, mas não completamente sozinho. Para isso existe um conselho, que decide o próximo grande assalto ou como eles devem ser feitos. Tal conselho é composto por Pedro Bala, Professor, João Grande e Sem-Pernas.
Cada criança tem uma particularidade pertinente ao grupo. Enquanto Pedro Bala se revela um líder nato, Professor é assim apelidado por ser o homem por trás das grandes ideias, cercado de livros que furta nas casas onde o grupo consegue entrar e é um dos únicos que sabe ler e se utiliza da leitura para amenizar o sofrimento; João Grande vive nas ruas desde que a mãe falecera, o apelido ganhou pela força bruta e por seu tamanho, apesar de tudo isso é tido como uma boa pessoa pelos amigos e alguém de bom coração; Sem-Pernas ganhou esse apelido por uma das pernas cochas, é aquele que tira sarro com os amigos o tempo todo para disfarçar a solidão e o desejo secreto que tem de ter uma família como toda criança, alguém que cuide dele e que realmente o ame como a mãe não foi capaz de fazer.
Esses são apenas alguns dos segredos que o autor nos revela sobre os Capitães. Ao longo da trama somos apresentados ao cotidiano dos personagens: às visitas de Padre José Pedro, aos serviços que os garotos são contratados para fazer e aos planos de assaltos, é que passamos a entender melhor alguns deles.
Com uma narrativa crua, que não poupa o leitor dos momentos mais cruéis da história, Jorge Amado tece sua narrativa nos mostrando, acima de tudo, aquilo que se esconde por trás de cada rosto nas ruas. Mostra que assim como Sem-Pernas, tudo o que os garotos mais desejam é de um cuidado e um carinho que ninguém soube dar. Mas essa necessidade logo é suprida por Dora, uma menina que, depois de perder o pai e a mãe para a varíola, sai em busca de emprego em toda a cidade, mas sem encontrar nada acaba indo parar em um parque onde estão jogando João Grande e Professor. Lá os meninos, ao ficarem sabendo de sua história, decidem levá-la ao trapiche. Passada a confusão, onde todos acham que ela é apenas mais uma com quem eles vão poder se divertir, Dora acaba ficando como mãe dos meninos.
Mesmo com a vida que levam, a chegada de Dora traz uma sensação de que finalmente os meninos que dormem no trapiche são uma família, onde o pai é Pedro Bala. Mas nem tudo é o que parece ser. Um acontecimento em especial decide o destino de seus moradores que tem seus caminhos revelados pelas mãos do autor. O longa-metragem, baseado na obra de Jorge Amado, que chega aos cinemas nesta sexta-feira (07) e traz em sua direção a neta do escritor, Cecília Amado.