Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 28 de julho de 2011

Livros: Christiane F. aborda as drogas na década de 70 e presente até hoje

Com uma narrativa em primeira pessoa, direta e crua, o livro nos mostra, através de depoimentos, a dura realidade daqueles que não têm mais controle sobre a própria vida.

Drogas. Um mal que assola a sociedade e um assunto delicado, que ainda causa certo desconforto quando vem à tona, pois são várias as perguntas sem resposta: o que leva uma pessoa a seguir por esse caminho? Como ajudar um viciado a se livrar do vício? E o que leva alguém a chegar ao fundo do poço para só então pedir ajuda?

Em “Eu, Christiane F., 13 anos, Drogada, Prostituída…”, os jornalistas Kai Hermann e Horst Rieck nos mostram, por meio de depoimentos recolhidos da própria Christiane, a dura realidade daqueles que entram de cabeça em uma viagem sem volta, onde nada mais é importante além da próxima picada, não importando os meios usados para conseguir o dinheiro. E é justamente para entender, pelo ponto de vista do viciado, que somos apresentados a Christiane antes e depois de conhecer o vício.

Ela tem exatamente seis anos quando começa a trilhar seu caminho, sem saber, no mundo das drogas. Ainda pequena, se muda, juntamente com a família, de um vilarejo no interior para a capital Berlim. Os pais sonham em mudar de vida, ter um padrão melhor, mas vêem seus planos virem abaixo quando não conseguem clientes para a agência matrimonial e são obrigados a mudar do apartamento confortável, onde primeiro haviam se instalado, a um conjunto habitacional na periferia de Berlim. Lá, para se proteger do bullying que sofre das crianças maiores, Christiane muda sua atitude e passa de uma menina dócil e responsável a uma criança mal educada e que participa de todos os malfeitos, apenas para fazer parte daquela turma e para fugir das surras do pai, cada dia mais insatisfeito com o rumo da própria vida.

Agredida pelo pai por motivos torpes como urinar nas calças, porque o elevador demorava demais, e sem a proteção da mãe, que não podia fazer nada contra o marido, é fora de casa que a garota encontra sua “família”. É somente com os amigos que se sente bem e passa a maior parte do dia fora de casa para evitar as agressões. Mas, apenas ao completar 11 anos, é que Christiane conhece os amigos aos quais deseja impressionar. A turma, como ela chama, gosta de ir ao Centro de Jovens para fumar haxixe e tomar barbitúricos, como Valium e Epinefrina.

Além das passagens narradas pela própria Christiane, o livro conta também com depoimentos da mãe, do pastor que comandava o Centro de Jovens, onde Christiane começou a se drogar, e que não fazia ideia do que acontecia ali, do chefe do departamento de tóxicos, de um psicólogo e um médico do serviço antidroga.

É utilizando-se dessa narrativa multifocal, sempre em primeira pessoa e com diversos personagens, que o autor nos proporciona pontos de vista completamente diferentes de uma mesma situação e apresenta o cenário das drogas na Alemanha dos anos 70. Enquanto Christiane narra toda a história como se nada demais estivesse acontecendo, é por meio de sua mãe que ficamos sabendo o que ela realmente disse, as promessas que fez, as mentiras que inventava para poder sair e consumir heroína, além do desespero da mãe em procurar ajuda em uma sociedade despreparada para lidar com o número, cada vez maior, de viciados.

Durante esse meio tempo vemos a vida de Christiane dar várias voltas. Com a rotina agitada e a pouca permanência em casa, são vários os amigos, todos viciados, que conhecemos nesse tempo: Babsi, Atze, Stella, Max. Todos adolescentes, ou até mais novos do que Christiane, que teriam sempre o mesmo fim: uma morte por overdose ou anos cumprindo pena em uma cadeia por porte ilegal de drogas.  Vemos suas crises de abstinência, quando o dinheiro não era suficiente nem para comprar uma pequena dose da droga; observamos ela chegar ao fundo do poço quando, não vendo alternativa e não tendo mais o que vender em casa, começa a se prostituir para pagar o vício junto com os amigos e o namorado Detlef na estação do Zoo.

Aqui fica claro que não foram só as amizades que influenciaram em seu vício. Os amores também. Durante o tempo em que decorre, a história Christiane nos apresenta seus dois amores: Atze, o primeiro namorado e que morreria de overdose em seu apartamento, deixando uma carta de suicídio alertando sobre os males causados pela droga e onde pedia desculpas por tudo que tinha feito as pessoas a sua volta; e Detlef, com quem Christiane continuaria até ser forçada pela mãe a se mudar novamente para tentar se livrar da droga.

As tentativas, por sinal, foram muitas. Desintoxicação em casa, sozinha ou juntamente com Detlef, internação em uma clínica particular, até que, não suportando mais as mentiras da filha, que sempre voltava para o vício e as notícias cada vez mais frequentes nos jornais de adolescentes que morriam viciados em heroína, a mãe resolve enviá-la de volta ao interior onde ela ficaria fora do alcance das drogas.

O romance, escrito há mais de 30 anos, surpreende e envolve leitores até hoje pela forma crua e direta com que mostra a realidade daqueles que vivem do vício e como a sociedade, que mesmo hoje, trata do assunto e de seus doentes. Em 1981, o livro ganhou uma adaptação cinematográfica com o nome “Eu, Christiane F. – 13 anos, Drogada e Prostituída” que contou com a direção de Uli Edel (“A Maldição do Anel”).

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Leilane Soares
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