A Fama e o Heroísmo – Uma relação de conflitos nos quadrinhos
Os heróis que almejam a fama ao invés de abraçarem o caminho da retidão são realmente figuras heróicas ou apenas tragédias esperando para acontecer?
Qual a recompensa de um ato heróico? Devem os heróis almejar por fama e glória ou meramente saber que fez a coisa certa deve ser tudo o que um ele precisa? É interessante notar que o caminho da retidão é uma das trilhas mais tomadas pelos cruzados uniformizados, com a busca por publicidade sendo extremamente mal vista pela maioria dos guerreiros das duas principais editoras, DC e Marvel. Vamos dar uma olhada em como os holofotes acabaram afetando diretamente esses dois universos.
O caçador de glórias mais conhecido na DC Comics é o Gladiador Dourado. Michael Jon Carter era um dos mais promissores jogadores de futebol americano do século 25, um verdadeiro ídolo das multidões. Isso até o dia em que seu pai resolveu apostar contra o seu time e pediu para que ele entregasse um jogo. Descoberto o esquema, Michael foi banido do esporte, conseguindo apenas emprego como segurança de um museu em Metrópolis.
Observando os heróis do passado, em todo o seu esplendor, Michael teve a ideia de roubar a tecnologia do seu tempo e voltar para o século 20 e se tornar um dos campeões daquele período. Com um anel de voo, um traje que lhe permite projetar raios de energia e campos de força e um dróide de segurança programado com um banco de dados de eventos históricos, o ex-jogador de futebol americano tornou-se o herói conhecido como Gladiador Dourado, alçando fama e fortuna logo ao chegar à linha de tempo do “presente” e salvar o presidente dos Estados Unidos. Rapidamente, o Gladiador entrou para a Liga da Justiça (em sua formação mais… “engraçadinha”) e criou uma grande amizade com o cientista e aventureiro Ted Kord, mais conhecido como Besouro Azul.
Entre risadas e esquemas para enriquecer, o Gladiador foi aprendendo aos poucos o significado de heroísmo, lição que só começou mesmo a ser consolidada quando Ted morreu tentando impedir uma conspiração contra os heróis, no começo da saga “Crise Infinita”. Após a morte de seu melhor amigo, o Gladiador resolveu retomar o heroísmo – e a fama – com tudo. Aproveitando o vácuo deixado pela ausência do Superman (ainda se recuperando dos eventos de “Crise Infinita”), Michael encheu seu uniforme com logomarcas de patrocinadores e se encheu de dinheiro, algo que, pouco tempo depois, se voltou contra ele, rendendo-lhe a fama de “vendido” e “falso”.
No entanto, ao ser confrontado pelo viajante do tempo Rip Hunter, percebeu uma verdade maior: o universo precisa dele como um dos seus maiores defensores, mas ninguém poderia saber disso. Graças a um inimigo que ameaçava devorar o próprio contínuo espaço-tempo, toda a realidade foi colocada em risco. Para zelar pela história, Hunter precisava da ajuda de alguém que jamais fosse descoberto por outros viajantes do tempo, um herói que aceitasse o fardo de jamais ter seu trabalho reconhecido. Como o Gladiador Dourado era tido como um farsante, ele se tornou a pessoa perfeita para este ingrato trabalho. Abdicando de vez dos seus maiores sonhos, Michael Jon Carter tornou-se o maior herói que o mundo jamais ouviu falar.
Em um espectro mais sombrio desta caça pela celebridade, temos a Marvel Comics com os Novos Guerreiros. O grupo era formado por jovens heróis em busca de se provarem para os medalhões do Universo Marvel. Durante o incidente que iremos detalhar, a equipe era formada por Speedball, Radical, Namorita e Micróbio. O grupo resolveu ganhar fama combatendo o crime através de um reality show, algo nos moldes do seriado “Steven Seagal – Lawman”.
O programa mostrava os Novos Guerreiros caçando supercriminosos pelos Estados Unidos. Certo dia, enquanto eles estavam na cidade de Stamford, eles acabaram por encontrar uma casa, em uma área residencial daquela cidade. O imóvel abrigava vários vilões, alguns deles bem acima do nível de poder daqueles heróis, algo que eles reconhecem. No entanto, em busca de audiência e prestígio, eles decidem enfrentar os criminosos ali mesmo, sem planejamento ou reforços. O embate tem um resultado trágico, com a luta acabando por chegar a uma escola primária e o vilão Nitro usando seus poderes explosivos para escapar, matando a maioria dos Novos Guerreiros e centenas de civis, incluindo trezentas crianças.
O único sobrevivente foi Speedball, que tem de carregar consigo toda a culpa por aquelas mortes, inclusive sendo julgado publicamente. Por conta desse incidente, foi desencadeado o Ato de Registro dos Super-Humanos, que obrigava todos os meta-humanos americanos a se registrar junto à SHIELD, inclusive revelando sua identidade para o governo, desencadeando a Guerra Civil entre os heróis Marvel.
A lição que tais histórias tentam mostrar é que fama e glória não são objetivos a serem perseguidos per si, mas sim consequências por se destacar no que você faz. Hoje em dia, é algo comum as pessoas tentarem se tornar celebridades pelo simplesmente tomando atitudes que choquem o homem médio, criando um culto midiático ao sensacionalismo sem sentido.
Estar na mídia, para elas, é existir, mesmo sem ter nada de interessante a oferecer para o público além de cascas vazias, sem conteúdo algum. É uma perversão da máxima de René Descartes “cogito ergo sum” (“penso, logo existo”).
Exemplos perigosos se formam a partir disso que, sem dúvida, serão mais gravosas que programas sensacionalistas de mau gosto. A frase de Andy Warhol sobre todos terem seus 15 minutos de fama me parece hoje mais apocalíptica do que qualquer profecia feita por Nostradamus. E bem mais real.
Leitura Recomendada:
– “Já Fomos a Liga da Justiça”: Minissérie escrita por Keith Giffen e J. M. DeMatteis e ilustrada por Kevin Maguire, publicada no Brasil pela Panini Comics;
– “52”: Maxissérie em 13 edições, escrita e ilustrada por diversos autores, publicada no Brasil pela Panini Comics;
– “Gladiador Dourado – Sequência de 52”: Arco de histórias escrito por Geoff Johns e Jeff Katz e ilustrado por Dan Jurgens, publicado no Brasil nas edições 5 à 8 da revista “Lanterna Verde”.
– “Guerra Civil”: Série escrita por Mark Millar e ilustrada por Steve McNiven, publicada em encadernado no Brasil pela Panini Books.